
As botas desfilam cansadas
Milhares em uníssono, máquinas autómatos de matar.
...Chegaram
Grandes fumos matinais
Doenças pulmonares nas cidades também elas grandes
E cheiros, todos, menos de vida.
...Um coitado foi passear o cão
Foi tão grande a aflição
Morreu de congestão......... (fim)!
...Uma flor ia nascer, mas não!
P`rá quê nascer e morrer logo?
Ficou sempre botão...
...Um casal de namorados de mãos dadas
Passeavam mudos estáticos por entre os escombros... (Embora os olhos brilhassem...)
O sol tinha nascido azul, ficou cinzento
Filtrado na nuvem radioactiva
A cidade fantasma parada no tempo
Finita no tempo. Ah, Ah, Ah...!
Algures goteja um corpo quente
Vêem-se espalhados p`lo chão restos duma farda
Vêem-se pedaços rubros desse corpo...
Algures um botão lançou a ogiva redentora
Fim da discussão!!!
(Leia-se agora de novo)
O sol tinha nascido azul, ficou cinzento
Filtrado na nuvem radioactiva
A cidade fantasma parada no tempo
Finita no tempo. Ah, Ah, Ah...!
... (Lapso para meditação)...
Pequenos negros, negros de fome lutam!
No entanto há sol
E armas mais ogivas nucleares
E dinheiro gasto nisso
Mais uma inquietação que me persegue.
Desprezo!!!
Desprezo-vos cientistas loucos!
Odeio-vos a todos assim como ao urânio
Ouçam!?
Inventem a fome e a dor permanentemente
Nos vossos alucinados cérebros.
No entanto há sol...
Por mais quanto tempo? Digam-me!
Quanto mais tempo posso viver? Vá digam-me!
...Sinto que mais um condenado expirou
Desdobro-me
Sentado em cima de não sei o quê observo-me
Ridículo!
(Roubei as ideias ao poeta)
...Aquela criança que me sorriu na rua ontem
Lembras-te?
Era poeta!
Tinha toda a graça da poesia expressa no rosto lindo.... E sem palavras.
As rosas que floriram no roseiral eram poetas,
Sabias?
Tinham toda a cor da poesia do sangue rubro...
Aquela bomba que caiu...
Seis de Agosto de quarenta e cinco...
ERA POETA!!!
Não sabiam?!
AH, ah, ah! Transformou toda a cidade num lindo poema
Macabro.
Surrealismo à bomba!
Somente a poesia estática de uma cidade fantasma
Um quadro rasgado...com pó...
...O sol tinha nascido azul, ficou cinzento
Filtrado na nuvem radioactiva
A cidade fantasma parada no tempo
Finita no tempo...
Continuamente!!!
Mas estas palavras, são um compasso de esperas angustiante.
São um dardejar no peito incomodativo.
Um exagero à força do sentir.
São algo de termo certo, exacto. Recto e directo.
Qual tiro!...
São algo de revolta. Louca e alucinada...
A minha loucura é inventar-me. Infinitamente!
Um invento em excesso. Já à muito inventado.
A minha loucura sou eu, são os meus pesadelos.
A minha loucura é o meu mundo. Ah! O meu mundo!
O mundo meu que desconheço!
Eu que fui a agressão, o marginal e a lei.
Eu que fui o Zé soldado, ordenança de estrelas e galões.
Eu o recruta de quinhentos paus por mês. Naquele altura.
Eu o dissidente. Perdão! O dirigente patronal.
Eu o cantor de gritos. De dor e humilhação.
Eu a saudade em viagem, num imenso 'inter-rail'
Eu parado no tempo...Ridículo...Doente...
Agradeço do coração a toda a tropa, a experiência,
A maravilha que vivi...
Agradeço os trinta e tal meses de controlo...
(Eu... fui uma guerra de papeis dentro da tropa...)
Agradeço hoje ao regulamento de disciplina militar,
O evitar que desertasse.
...O suicídio é uma deserção punida pelo regulamento...
(..." A Pátria honrai que a Pátria vos contempla...")
Dois metros pelo chão adentro. Herói desconhecido...
Monumento a ti soldado. Morto... desesperadamente morto!
Além numa guerra qualquer...
Mas eu hoje quando ouço:
"Vive o presente, o futuro é amanhã!" Sinto algo de inquietação.
Amanhã? Tão simples?!
O futuro são vinte e quatro horas adiante da angústia.
O presente é a angústia dolorosa.
No entanto...
(Há três anos que sinto uma dor no peito...
Ah, o meu presente doloroso...
Da tropa temos boas ofertas, boas recordações...
Eu que o diga! Tudo agradeço.
Já não me suicido num feriado. Não deserto desta vida.
Que se marimbe o RDM!...)
Excerto de um livo por editar:" Das vezes que não posso ser quem sou 1984". 1ª parte poemas sem tempo 11/04/83João marinheiro ausente