sexta-feira, setembro 29, 2006

Não sei se é efectivamente cansaço o que sinto hoje. Não sei se é efectivamente a constatação final e dolorosa da tua falta. Sinto que é isso, este cansaço é um fingimento, uma espécie de torpor que me tolhe os movimentos e me abandona a um canto como um velho no asilo sem utilidade esperando a morte. Mas vendo melhor mais ao perto, os olhos do velho brilham, e revelam a dádiva da vida que se finda. Nem sei porque neste momento penso isto ou escrevo esta coisa estranha, esta escrita estranha que não reconheço em mim. Escrevo sempre a tua ausência, a falta de notícias. Contento-me com tão pouco que cabe numa mão fechada, tu é que queres sempre muito mais do que eu posso dar, assim deste modo sou um perdedor, a balança pende para o teu lado e eu não encontro forma de a nivelar. Os sentimentos não se pesam sentem-se. Eu sinto. Tu, já não sei o que sentes. Não sei o que sobra de ti…

segunda-feira, setembro 25, 2006

Como uma Andorinha que partes…


Hoje sinto-te frágil e não sei de noticias que aliviem este sentir que tenho comigo.
Dou voltas e voltas à memória e continuo a sentir-te assim deste modo que penso frágil.
Demasiado frágil. Demasiado insegura. Demasiado inquieta. Demasiado nervosa. Demasiado cansada. Demasiado fechada em ti.Hoje sinto-te demasiado só. É assim que te sinto hoje. Ainda me dizes que és como uma andorinha. Mas eu imagino-te sempre uma andorinha. Eu sei que estás de partida. De mim. Do meu sentir. Eu sei.
Perdoa ter buscado a tua companhia mas o teu voar encanta-me. Encanta-me ainda se é importante saberes.
Sinto-te demasiado sensível, e eu sei como é ser assim. E não me dás noticias. Espero sempre as que chegam aos poucos. Chegam em quantidade ínfima quando te lembras que eu também voo. O grave é que te lembras pouco. Pelo menos eu acho. E eu lembro-me muito de ti. Da tua graciosidade no céu. Os voos rasantes que fazes junto a mim. Parece que sinto o calor do teu corpo como uma aragem que me consola. O som do teu coração pequenino batendo rápido como rápido é o teu voar. Quero agarrar-te nos braços nesses instantes e ir contigo. Não te dás conta? Nunca te dás conta do meu querer? Sei que estás de partida. Não posso reter-te. És livre de voar, eu é que gostava de ir contigo, mas o mar não tem asas. Tem sonhos e pesadelos que são coisas completamente distintas. Mas voar contigo é um sonho. Perdoa-me por eu sonhar e assim te prender no meu sonho. Sei que não devo. Mas vou continuar aqui à tua espera, e quando voltares na próxima primavera eu vou estar cá esperando por ti. Chegas, e eu feliz, fico como a maré-viva enorme. Transbordante. Plena. É a forma possível de te dizer o quanto gosto de ti. Eu sei que é pouco, que mereces mais, mas não tenho asas. Às vezes tenho tempestades. Ventos ciclónicos que rasgam e atiram as velas brancas dos velhos barcos pelos ares, e elas sim, parecem asas feridas. Mas não é por mal que faço isto. Acredita que não, é uma coisa que vem do fundo, das profundezas onde a luz não chega. É uma forma de dizer que vivo, que estou vivo, luto por me manter vivo. Acredita que também sou frágil, não sou um mar infinito. E hoje sinto-me um pouco doente até. Mas passa. Na próxima maré-cheia renovo-me.
E hoje talvez por me sentir sensível te sinto no corpo triste…

segunda-feira, setembro 18, 2006


Ela disse: - Amanhã vou embora!
E ele não disse nada. Permaneceu de olhos fechados meio deitado no sofá
E ela repetiu: - Amanhã vou embora apanho o avião das oito!
Ele abriu os olhos. Não disse nada. Ficou a olhar. Não sei se a via…
Por fim falou.: - Eu levo-te ao aeroporto, estou cá pelas seis.
- Não faz falta eu chamo um táxi disse ela
Eu levo-te. Repetiu ele.
É o mínimo que posso fazer. É o que não queria fazer, pensou. Mas não o disse.
Olhou o céu da janela, pode ser impressão mas o dia empalideceu…
Eu levo-te, disse uma outra vez baixinho, para que os ouvidos não escutassem que ela ia partir.
- Estás a ouvir o que te disse, retorquiu ela. Amanhã vou para Londres, só volto no Natal.
E ele pensou. Pensou mas não disse, vais e não sei se voltas jamais.
E não voltou.
Passaram os anos
Não volta já…

sábado, setembro 16, 2006

...Porque o princípio é sempre o fim da partida
E a minha já está iniciada, mas voltarei ao princípio
Uma e outra vez, como as estações do ano cíclicas
E eu esperando que tu poeta, voltes de novo
E uses minhas mãos e então reveles
O sentido do amor. Ou da palavra
Aqui nesta folha e em tudo o que escrevi...

sexta-feira, setembro 15, 2006

…Continuo a dar erros atrás de erros
Ortográficos que corrijo
E os outros que sinto na pele, e marcam e ficam sem correcção possível…

quinta-feira, setembro 14, 2006

...Poiso os meus lábios nos teus e há um estremecimento de corpos...

terça-feira, setembro 12, 2006

...O vento apagou as pegadas. Levou a areia.
Ficaram as pedras nuas
Que magoam meus pés descalços...

segunda-feira, setembro 11, 2006

O que aconteceu hoje não tem explicação no momento…


Seguia na estrada sem rumo hoje. Andei às voltas perdido em mim, queria fechar os olhos, sei que não podia, a estrada requer atenção. Existem tantos aselhas a conduzir. Não quero ser mais um.
Saí em direcção ao sul. O mar calmo do lado direito chamava-me a ir ter com ele. O mar tem em mim destas coisas. Um diálogo de sentires sem palavras. Basta-me o saber que está lá. Ora calmo como hoje. Ora furioso consigo próprio. Quem sabe com o homem que não o respeita. Eu respeito o mar que me viu nascer, não lhe tenho medo. Medos têm os ignorantes que não amam o mar, não lhe sentem o sal na pele, o cheiro no corpo, o frio nos ossos. Eu sinto tudo isso e a água salgada na garganta como um náufrago sequioso. Sim que também já fui náufrago um dia. Também já senti a imensidão do mar e eu minúsculo, só, no oceano. Não me quero lembrar disso, não hoje. Porque hoje inexplicavelmente fui dar à nossa praia de uma tarde.
Sei que nunca vais ler estas palavras que hoje escrevo porque te recordo. Mas sem que me desse conta, o carro como que guiado por mão invisível que não eu, foi dar á praia de Rio de Moinhos. Lembras a praia, aquela onde se vêem os moinhos na encosta do monte, os moinhos onde eu ia com a avó levar o milho para moer. Cheguei a falar-te disso, naquele dia de primavera com uma brisa quente em que fomos os dois pela primeira vez, dar uma volta no carro do pai e fomos até lá.
Éramos amigos desde sempre, desde miúdos, vivias na Vila eu na Póvoa, éramos verdadeiros amigos, acho que ainda somos embora já não saiba de ti. Casaste e ele tem o meu nome. Coincidência ou não. Mas não podíamos ser um do outro. Hoje sei que não, e o que aconteceu nessa tarde foi um sinal. Hoje sei que foi. Já namoriscavas com ele, e eu entretanto tinha partido para o Algarve. Mas estava de volta e fui ter contigo, e nessa tarde fomos ver o mar na praia de Rio de Moinhos.
Dei-te a mão. Estavas bonita, nunca te tinha dado a mão da maneira que dei, da maneira que senti. Queria sentir-te por inteiro nesse breve contacto de dedos entrelaçados. Caminhamos pela praia uns bons vinte minutos em direcção a norte, a brisa no rosto. Lembro os teus caracóis ao vento. O teu olhar calmo. A tua voz meiga. Sempre gostei do timbre de tua voz. Do calor de tua voz. A maneira terna como falavas comigo como que a acariciar-me, os sons beijavam-me os ouvidos. Ficava calado a escutar-te, a olhar para ti. Abraçaste-me. Gostei do teu abraço de te sentir colada a mim. Descalçamo-nos e fomos abraçados junto à linha de água. A maré estava subindo lentamente. Tinha seis horas para o fazer. O mar é assim, sem pressas, vai e volta sempre…Nós não. Temos sempre pressa e nunca voltamos. Eu só voltei agora à nossa praia, onde te recordo com um carinho especial com que se recordam as pessoas Grandes. Tu és uma pessoa Grande em mim. E o mar chamou-me para me lembrar de ti. Fiquei enternecido. O coração batendo a um ritmo baixo para não perturbar o momento, quase te sentia ali. Lembro-me perfeitamente quando nos sentamos na areia abraçados a falar de nós. Enquanto te afagava os caracóis do cabelo, encostaste a cabeça no meu ombro, fechaste os olhos, tinhas uns olhos muito bonitos, expressivos, quentes, ternos, e tinhas uns óculos engraçados. Ficavas bonita, intelectual mesmo, nos teus óculos redondos à John Lennon. Era a grande moda na altura óculos assim. Acariciei-te o rosto, disseste que tinhas tido muitas saudades minhas, que as cartas que escrevíamos um ao outro, não chegavam para afastar essa saudade. Que sentias a falta do tempo que passavas na Póvoa em minha casa aos fins-de-semana. As brincadeiras que fazíamos, um tempo puro que existiu no nosso coração. Ainda existe, eu sinto.
Abracei-te, e nesse momento olhamo-nos profundamente revelados. Ambos sabíamos que estávamos na fronteira frágil dos sentidos. A fronteira ténue do desejo. A fronteira do querer. Éramos grandes amigos lembras. Mas tínhamos crescido. A adolescência já tinha partido um dia. Éramos um homem e uma mulher adultos, com desejos. Apertei o meu abraço. Estremeceste por fora e por dentro. Acariciei a tua face. Fechaste os olhos. Ofereceste-me os lábios que beijei quase a medo, e houve um estremecimento em nós. Ambos sentimos o coração acelerado. O sangue a correr demasiado depressa. O calor a instalar-se nos corpos. Beijamo-nos de novo imensos um no outro. Ambos sabíamos que era um beijo proibido. Mas ambos o desejamos, o merecíamos, fazia já demasiado tempo. Mas era um beijo proibido. Estávamos demasiado longe um do outro. As nossas vidas não tinham que se cruzar um dia. Namoravas tu, e eu tinha também a namorada no Algarve saudosa de mim. E eu ia partir dentro de dias. Mas éramos só nos no momento. Nós e o mar. Nós e o taxista bêbado que apareceu vindo não sei de onde. Num repente senti-me agarrado pelas costas na camisola. Tu deste um salto. Perdeste os óculos. Ficaste aflita. Ainda nos rimos depois com o sucedido.
O taxista era um daqueles homens rudes, oriundo de Vila Verde, li na porta do táxi depois quando fomos para o meu carro. O carro do pai emprestado. Tinha vindo com a família. A mulher, senhora vestida de preto, pesada, fúnebre, e três filhos. Dois rapazitos que se entretinham a atirar pedras às gaivotas e uma filha maiorzita, aí uns treze anos, nem sei. Não tínhamos dado por eles porque estavam numa duna, mas ele deu por nós. Pela nossa felicidade. Pelo amor proibido que estava a acontecer no momento exacto em que a maré subia. Os seixos rolavam na praia com um som abafado. O sol a rir de nós. Da nossa figura na praia deserta nesse domingo quente de primavera. Ele deu, e veio por ali abaixo trazendo na barriga um garrafão de vinho a destilar frustração e má disposição. Era um triste coitado hoje sei. Com ciúmes do amor que viu em nós e nunca teve de certeza. Fomos a maneira que arranjou de terminar o dia aborrecido na praia. Agarrou-me pelas costas, eu dei um salto e dum golpe libertei-me. Era militar na altura, preparado para tudo, no esplendor da robustez. Tinha ganho um louvor por aptidão física. Não me metia medo, mas senti pena, e tu pediste-me para o deixar em paz, porque me apeteceu enfiar-lhe dois murros na cara à frente dos filhos. Mas não o fiz, já era demasiado humilhante a sua figura de bêbado perante eles. Temos tantos pais assim ainda hoje… Parou a barafustar que não tínhamos vergonha de estarmos assim na praia. Que tinha filhos pequenos e estavam a ver. Chamei-lhe a atenção que não estávamos a fazer rigorosamente nada de reprovável, que ele é que era um mau exemplo, bêbado a fazer uma triste figura perante os filhos. Olhou estupefacto para mim, um olhar esgazeado, virou costas e foi pelo mesmo caminho, entretanto tu já ias longe em direcção ao carro, chamei por ti.: – Margarida! -Espera! - Não se passou nada!
Paraste à minha espera, as sandálias na mão, os óculos tortos na cara, nem te apercebeste. O rosto afogueado, toda tu tremias. Nervosa aflita. Abracei-te. Encostei-te a cabeça ao meu peito durante uns momentos, disse-te ao ouvido: - Sossega, não se passou nada. Foi uma coisa sem importância. Ainda nos vamos rir. Fiz-te uma festa nos cabelos. Perdi os meus dedos nos teus caracóis. Estremeceste, sentia o teu peito a arfar. Os seios duros contra mim. Ambos sabíamos que nos desejávamos. Ambos nos queríamos. Um amor verdadeiro. Sólido. Construído na confiança. Éramos verdadeiros amigos, tínhamos a plena consciência disso. E então fez-se luz em nós. Tinha sido um sinal. Um aviso o que tinha acontecido. Falamos disso lembras? Não podíamos ser um do outro. Estava escrito no destino. Tinha sido ele, o destino, que colocou aquele homem ali, naquela hora exacta, em que os nossos lábios se juntaram e nos amamos com o olhar, nos fechamos um no outro e fomos unos. E não podíamos ser. Eu não era teu e tu não eras minha. Os nossos caminhos cruzaram-se ali por breves instantes naquela praia de Rio de Moinhos.
Voltamos para casa cúmplices, ambos sabíamos que não tínhamos cometido um pecado sem remédio, éramos demasiado puros. Ainda nos rimos da figura do homem vindo do nada. Da aflição da esposa. O olhar reprovador da filha. Os filhos que nem deram por nada.
Levei-te a casa, fomos devagar em silêncio. Aos domingos a Nacional 13 é um martírio para se conduzir. Não nos importamos. Estávamos demasiado suspensos em nós, como uma imensa concha quase a fechar. Espécie de ostras que guardam em si o segredo na forma de pérola. Os nossos beijos breves foram pérolas. Pérolas negras, raras, puras, inatingíveis. Pousei a minha mão na tua perna, encostaste a cabeça no meu ombro, não dissemos nada até tua casa. Não precisamos de dizer palavras. Os olhos diziam tudo e escutávamos o coração. Na altura, demasiado sensíveis. Alertas. Qualquer movimento, qualquer ruído ampliava-se em nós. O coração rugia em explosões sentidas. O sangue corria quente, desabrido. Tremiamos por dentro e não era de frio com certeza.
Despedi-me de ti com um beijo na face, fiz-te uma festa no cabelo, e parti. Até hoje não sei de ti. Sei que vives perto. Um dia quem sabe ganho a coragem suficiente e vou visitar-te, vou em tua demanda. Não deve ser difícil encontrar-te porque hoje sem que eu veja uma explicação para o facto, voltei à nossa praia onde tudo começou. Onde tudo acabou para nós. E sei que assim deveria ter acontecido e aconteceu.
E hoje voltei a esta praia. A mesma praia mas sem o grande areal, comido pelo mar que avança lentamente a vingar-se de nós. A apagar o sítio onde me sentei contigo. A apagar tudo o que existiu e foi puro. A apagar o tempo. Mas o tempo é aquilo que queiramos que seja. E hoje o tempo foste tu e mais eu na mesma praia.
O mar continua esverdeado quente. A água transparente. A areia fina. As ondas de espuma desfazem-se na linha de maré. Os seixos continuam a marulhar, um ruído abafado e grave de pedras a rolar como naquele dia. Só tu não estavas. Mas não fez mal. Sei que não podias estar, que não devias estar. Que fomos um dia duas linhas paralelas que se cruzaram numa praia por breves instantes. Uns instantes bonitos. Acredito que nesse dia o sol demorou a adormecer. Eu demorei a adormecer. Sentia os teus lábios a queimarem os meus, nem sei de que grau era a queimadura. Primeiro, segundo, terceiro? Não sei. Um grau desconhecido e bom. Guardei-te comigo e hoje o que pensava estar perdido voltou. A minha amizade a ti. A mesma ternura como vinte e tal anos atrás. Só tu não estavas. Mas sei perfeitamente que isso não é possível, e verdadeiramente não é preciso. Precisa foi a recordação tua. Grande. Bonita. Plena. Uma amizade que perdura por dentro, pura, das verdadeiras.
Foste a primeira Margarida na minha vida, e hoje é um dia de verão. Mergulhei na água da nossa praia. Tu andavas por lá reflectida. O brilho do sol nas ondas. Falavas comigo. Escutava-te no rolar dos seixos. O mesmo som abafado e grave. Dei uma gargalhada grande, profunda, como à muito o não fazia. Nadei para o largo em braçadas possantes. Ainda sou um bom nadador. Regressei cansado com o aroma do mar em mim, o sal na boca. A impressão dos teus lábios nos meus. Voltei a sorrir e fui feliz
Despedi-me. O carro sabe o caminho de casa, deixei-me levar.
Adeus Margarida. Até sempre.

João marinheiro ausente
Praia de Rio de Moinhos, Setembro 2006
Fotografia Google

domingo, setembro 10, 2006

…Deixa que te ame assim desta maneira, diluído na distância
Este amor novo que me consome...

sábado, setembro 09, 2006

...E uma dor no peito que violenta
a imensidão de não ser nada...

quinta-feira, setembro 07, 2006


…Se estou frio por dentro e por fora
e sinto uma saudade anterior
a todas as despedidas
a todas as partidas
um amor maior, mais antigo que todas as ausências...
Fotografia gentilmente cedida por Tess

segunda-feira, setembro 04, 2006

O importante a tua chegada...


Chegaste agora.
O importante que é a tua chegada.
Perguntaste-me: - Então novidades?
-Novidades neste tempo em que estive ausente? E eu fiquei calado. Olhei-te nos olhos. Aprendo a olhar-te nos olhos. Não disse nada. Não existem novidades. Os dias correm iguais sobre 24 horas espaçadas.
Como dizer-te. E não digo. Remeto-me a um silêncio perturbador. O silêncio sempre, para dizer-te o que não se diz por palavras. Como dizer-te que contei os dias em que tu não estavas. Como dizer-te que percorri os mesmos caminhos ainda poucos por onde andamos juntos. Como dizer-te. Como dizer-te para que saibas que em mim ficou guardado na esperança do teu regresso, o calor das tuas mãos nas minhas por breves instantes. Um calor por entre os dedos que circula por dentro para que não se perca. E eu o guardo como um pouco de ti. Demasiadamente pouco de ti. E que fiquei sem noticias tuas, porque sabia que ias partir. Que ainda não estou preparado para a partida. Que me dói a ausência sempre, desde pequeno. Que a minha vida é feita de muitas ausências e de muitas outras coisas mais que sinto. E que sofro de uma espécie de nostalgia perene.
Como dizer-te tudo isto que sinto e penso sem que te apercebas nos momentos breves em que te olho de olhos nos olhos. Reprimo a vontade de te dar a mão, porque a magia que estava a habitar em nós se ausentou também. Foi contigo, e eu só, perco-me em pensamentos de solidão e abandono. Como dizer-te tudo isto que sinto sem te magoar a ti a quem aprendo a querer. Como dizer que agora retorno ao principio dos dias claros, porque os quero claros, azuis celestes, mas que por vezes me tenho de contentar com dias cinzentos, com chuva pelo meio e vento e frio. Autênticos dias de Inverno. Temporal no mar ao longe que escuto. E nestes dias especialmente me recolho na esperança vã de te encontrar e eu retornar a ti, a encontrar-te de novo. Como falar-te do dia anterior à tua partida. O dia anterior para mim. O dia em que cometi dois pecados seguidos. Pequenos eu sei. O terceiro pecado que não cometi, porventura o mais importante e mais desejado fica adiado ad infinitum.
Gostava de te escrever uma carta explícita mas não consigo. Estou como o dia cinzento, ainda no verão mas cinzento. Cinzento e ventoso. É Setembro mas não foi em Setembro que te conheci, não, mas é em Setembro que te recordo, me dou conta da tua falta em mim. Da complexidade dos dias, da complexidade da vida, da prisão dos sentimentos. Só o sonho é livre. Sou livre quando sonho contigo.
É madrugada, cinco e tal da manhã, a cidade deserta como eu gosto, pálida. A luz amarela dos candeeiros a meia potencia, Iluminam o suficiente e eu caminho pela avenida devagar. É assim que gosto desta cidade, vazia, em silêncio, interrompido só pelo chilrear assustado dos pássaros nas arvores, acordados pelo barulho de meus passos no granito velho da avenida. Sinto um cheiro no ar a pão cozido, e fica-me um sabor doce na boca, o desejo de comer pão quente e beber um café forte. Se fumasse com certeza para afastar o desejo acendia um cigarro, aspirarava o fumo de um trago, e nesta pausa de acender o cigarro, olhava ao redor. Mas não fumo. Assim desci a avenida abandonado, as mãos nos bolsos, o corpo frio, um estremecimento da pele arrepiada. Sinto a humidade nocturna e o sabor do pão quente nas narinas. Penso em ti de uma maneira que nunca tinha pensado, talvez por me encontrar só, com frio, nesta cidade deserta a descer a avenida principal em direcção ao rio. Penso em ti nua sob os lençóis na tua cama que não imagino. Não sonho a esta hora da noite tardia, ou do dia demasiado cedo. Não sonho com certeza mas penso em ti. Não devia a esta hora imprópria, mas és tu que estás em mim, plena. Não penso em ti de maneira pecaminosa, lasciva. O facto de te imaginar nua sob os lençóis, é assim que gosto de dormir, penso que será assim que gostas. Imagino-te portanto, nunca te perguntei como dormes, prefiro imaginar-te hoje enquanto o sol a nascente abre os olhos devagarinho. Penso em ti, a posição que ocupas na cama, os desenhos do teu cabelo solto na brancura dos lençóis. Tudo tem que ser branco na tua cama. Toda a roupa. É assim que te imagino. Pura! Branca! Diáfana! É importante o desenho dos teus cabelos na cama. A tua face bonita e serena, os olhos fechados, o respirar tranquilo, as tuas mãos abandonadas dormindo, como gosto das tuas mãos pequeninas. Como és na intimidade da noite dormindo. Desculpa estes meus pensamentos descabidos. Não são pensamentos impuros acredita. O amor é puro. Só não sei se sinto amor. Sinto a tua falta, já é um princípio e agora tudo é diferente, não sei porquê mas é assim que sinto, estamos diferentes, mais fechados em nós, protegidos. Não faço perguntas mas sei que ficam as dúvidas que persistem em mim. Socorro-me dos momentos breves em que estamos juntos para dissipar as incertezas. Na distância que medeia cada encontro, sonho. Nesses espaços sonho. Umas vezes nada. Outras contigo. Quase sempre sonho contigo, nunca o disse por palavras ou pessoalmente, não o sei dizer. Fica a perdurar o tal silêncio que se instala em nós e que diz tanto. Transparente, cristalino.
Queria escrever-te uma carta, a carta com as novidades mas não posso. As novidades não existem em mim, os dias são iguais, avizinha-se o Outono nas estações cíclicas e em mim, o mais não sei.
Cheguei entretanto ao fim da avenida, passo por um conjunto de táxis, vindo de um deles entoa uma música, fico atento. Reconheço. Acho que nos últimos tempos me persegue o ouvido, será um sinal? Não faço ideia, levo-a comigo agora também e sinto-me inexplicavelmente feliz…

“ Eu gostava de olhar para ti /E dizer-te que és uma luz
Que me acende a noite / Me guia de dia e seduz

Eu gostava de ser como tu / Não ter asas e poder voar /
Ter o céu como fundo / Ir ao fim do mundo e voltar

Eu não sei o que me aconteceu / Foi feitiço / O que é que me deu? Por gostar tanto assim de alguém / Como tu

Eu gostava que olhasses para mim / E sentisses que sou o teu mar / Mergulhasses sem medo / Um olhar um segredo / Só para te abraçar

O primeiro impulso é sempre justo / É mais verdadeiro / É o primeiro susto / Dá voltas e voltas / Na volta redonda de um beijo profundo…” *

Chego por fim à minha casa vazia de ti, fecho a porta atiro-me sobre a cama desfeita, adormeço. Baila em mim a musica como flocos de algodão doce. Por fim adormeço. A carta fica para uma outra altura …


João marinheiro ausente
Fotografia Google

* Poema de André Sardet

sábado, setembro 02, 2006

Hora imprópria...

Não é a melhor hora para escrever
Não faço a menor ideia quando será a melhor hora.
Nem sei se existem horas boas para escrever
Escrevo para me libertar
Que hoje estou possuindo por algo estranho
Não tenho noticias tuas
E porque haveria de ter?
Não sou nada por dentro e por fora. Não existo como sentimento
Porque quero saber de ti?
Porque quero saber a resposta. Porque teimo.
Porque apareceste na minha vida assim tardiamente
Verdadeiramente não apareceste. Apareces e foges como um relâmpago
És um mistério e eu acho que já não tenho idade nem tempo para mistérios
Mas não sei porque gosto de ti
De te olhar serena, a tua juventude pulsante de energia
Dou por mim a pensar, recordar os meus tempos de jovem
E sinto uma nostalgia. Nem sei se a palavra é exacta.
Sou permanentemente um insatisfeito com a vida
Porque nunca conheci nesse tempo uma mulher como tu.
E bem que o desejava na altura
Porquê agora que o meu tempo passou?
Não quero saber da resposta
Tenho de me libertar da tua presença em mim.
De te olhar nos olhos
De sentir o teu perfume
De contemplar o teu corpo com desejo
De te querer, um querer possessivo.
Verdadeiramente esta não é uma boa hora para escrever…


João marinheiro ausente, Agosto 2006

Quem amas que nunca chega...

Esse teu estado de alma cansada
Assim abandonada nesse colchão macio
As roupas espalhadas e frias
Abandonas-te nesse quarto gélido
As paredes brancas impessoais

Olho-te de olhos fechados
Imagino o que pensas
Observo o teu rolar na cama indolente
Esse teu estado de alma
De olhar parado na esquina da vida
A porta fechada
A janela fechada
As cortinas cerradas
O frio em ti

As sombras no amanhecer
Os suspiros que escuto
Será lamento?
O brilho da lágrima que espreita contida
Quem amas que nunca chega?

João marinheiro ausente, Agosto 2006