domingo, setembro 16, 2012

Estavas ai...


Uma janela onde escuto o som do mar perturbado pelo som
abafado de uma máquina de lavar loiça que escuto monótona a fazer o ciclo de
lavagem.
Penso.
Uma janela onde agora me sento a contemplar o mar e a ver os
barcos passarem. Veleiros, pequenos barcos de pesca, traineiras ao final do dia
para a pesca da sardinha no acejo da noite frente ao farol de Montedor, duas
milhas mar adentro.
Imagino-te na linha de costa distante do mar, cercada pelas
planícies e montes do Alentejo profundo quase na Raia, e recordo quando vivia
no sopé da serra as saudades do mar que sentia, e de como me deixava ficar pela
manhã a contemplar o horizonte ao longe, enquanto a cidade, Portalegre abria os
olhos embrulhada num manto espesso de algodão branco formado por nuvens.
O meu olhar espraiava-se aflito a tentar descortinar ao longe
os navios da minha infância, e imaginava-os, silhuetas de pedra recortadas na
penedia ao longe.
Há tempos regressei aesses lugares de infância onde fui feliz. A Quinta da Conceição onde Vivia, a Quinta da Saúde ali ao lado, onde costumava ir com o Pai ao domingo quando ele
ia tomar café. Passei a velha escola primária que não existe transformada em
Restaurante, subi ao alto da Serra. Viagem tantas vezes feita com o Pai, no
jipe, a caminho das antenas que nos traziam a modernidade nas comunicações
telefónicas. Durante três anos foi o trabalho do pai, montar o sistema de
feixes radioeléctricos e as parabólicas que traziam mais rápidos os telefonemas
distantes. Durante esse tempo, o meu mar era um mar de ausências e um mar
imaginado nos tanques e represas de água onde me banhava no verão de calor
forte e abrasador.
Hoje estou aqui, já se passou mais de um quarto de seculo no
tempo que temos, a olhar por uma janela de onde escuto o mar e lhe sinto o
aroma a sargaço forte arrolado na areia na última maré viva a noite passada e o
pensamento livre vai até ti. Por onde andas agora, que fazes, que sentes…
Gostava da tua voz, ainda gosto. De te escutar a cantar as
tuas canções inventadas no momento. As tuas melodias favoritas. E as melodias,
sim, as melodias são balsamos de essências primaveris ao ouvido como o escutar do
mar pela manhã, ou o chilrear dos pássaros de volta da cerejeira que existia
frente à janela do meu quarto.
Gostava da tua voz…
No momento é uma máquina de lavar loiça a cumprir a missão
para que foi construída que interrompe a minha contemplação estática do mundo,
com o seu ruido abafado e circulante de água quente a sobrepor ao som do mar
que me chega.
Estavas ai, no cruzamento das linhas. No cruzamento das
brisas, no brilho do sol a aquecer as gotas do teu orvalho perfumado por jasmim
e madressilvas, e eu, se me habituo aos teus beijos de orvalho o que vai ser de
mim…

São Paio de Antas 15 Setembro 2012
Fotografia de Barcoantigo