quinta-feira, junho 28, 2012


Passam os anos. Vou envelhecendo. Só o meu amor por ti é jovem como o primeiro beijo que demos. Sei que já não somos unos. E um destes dias morro, não me despeço de ti. Mas queria-te uma última vez. Descansar as minhas mãos nas tuas. Olhar-te apenas. Só isso. Tão pouco para ti. Tanto para mim. Olhar-te só. Porque já não sei se isto que guardo dentro e me consome é amor, ou uma loucura que habita em mim. Acho que é loucura, porque só um louco ama o nada, ou a lembrança, ou a saudade. Só um louco completamente louco. Só um louco tem ainda saudade…

Maldita saudade que me marca a fogo. Maldita saudade que me deixa marcado. Ferida que custa a sarar. Não sara, é uma espécie de ferida com dreno que diariamente trato.
O amor é uma química entre duas pessoas. A minha química está estragada. Só pode ser isso! Completamente estragada. Tira-me o brilho do olhar. Tira-me a suavidade da expressão e sou um homem fechado, um olhar distante. Um rosto cansado. Ausente. Demasiado ausente de mim. A química não funciona sem ti. És o meu reagente. Sem ti sou o tal composto químico fora de validade…

Estou cansado sabes. Demasiado cansado para andar sempre em estado de alerta vigilante. Não descanso o suficiente. Não vivo o suficiente. Não dou importância aos outros porque nos outros não estás tu. E eu não posso viver assim sempre em vigília para que não me apareças no pensamento. Não posso fechar os olhos durante o dia porque apareces logo e o grande problema é que me fazes falta ainda. Desejo-te ainda como da primeira vez e isto é uma coisa parva, é uma prisão sem grades visíveis. Não posso fechar os olhos porque me custa depois abri-los. Quando adormeço então sim, não sei de nada. Os comprimidos são poderosos. Fico num sono profundo, não sonho. As imagens por vezes são negras, portanto não és tu. Acordo exausto e isso não é um bom sinal.

Porque não escrevo outras coisas, ou simplesmente deixe de escrever. Apago tudo, mas tudo! Letra por letra e te apague da minha memória. Eu tento. Tento mesmo a todas as horas do dia e da noite. De noite já não sonho. Isso já consigo fazer, não estás comigo na noite porque as noites são longas sem ti, e os lençóis frios, a cama imensa. A maioria das vezes adormeço no sofá da sala. A sala pequenina onde partilhava-mos um livro, bebíamos um chá.

Que raio fiz eu? Para que continuo a escrever-te? Para que continuo a escrever desta forma a ti. Já não existes, eu sei. Para que teimo? Para que ando sempre em sobressalto pensando que me vou cruzar contigo nas ruas do nosso Porto, se nunca és tu, e eu ando apressado, o medo em mim porque penso que podes ser tu um dia.

O nosso banco está vazio. O mar em silêncio...
Tenho urgentemente de mudar de cidade. Atravessar a ponte para o outro lado do mundo...


Já não és amor. És uma doença e eu não me curo!



Fotografia, Google

já não sei...


Não sei se Londres ainda é a tua cidade .
Já não importa. A esta distância da vida a curva é descendente e não temos como voltar atrás.
Só o tempo e a saudade perduram misturados com os cabelos brancos já.
Fizemos amor umas quantas vezes, e agora na lonjura do tempo arde-me o corpo com a tua ausência. Que te importa a ti o meu sentir, ou porque me incomoda ainda o vazio que és em mim. Já não sei. Sou um marinheiro velho, monótono, de hábitos iguais como os dias e espero.
Agora só me resta esperar. Não sei se Londres é ainda a tua cidade. Nunca foi a minha das vezes que nos encontramos. Verdadeiramente tu eras a minha cidade, o meu país, o meu mar, o meu pecado. A minha perdição.
Sim. Um dia disse-te que eras o meu pecado. Lembras, sentados nas pedras do molhe da Cantareira a ver o Douro correndo para o mar.
Deste uma gargalhada. A última. Ainda a ouço dentro de mim confundindo-se com o som da ronca no molhe nos dias de névoa. Só não achei piada a essa gargalhada última. Como podia saber que era a ultima.
Continuo a não saber se Londres é ainda a tua cidade. já não é importante.
Agora sei que tinhas razão.
Além do pecado és o meu tormento…

João Marinheiro Antas 28 Junho 2012
Foto de autor desconhecido: Rabelo do Douro

segunda-feira, junho 11, 2012

Ahh, se tivessemos mar...





Ahh, se tivessemos mar...

"Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE)


demonstram que o Pingo Doce (da Jerónimo Martins) e o Modelo


Continente (do grupo Sonae) estão entre os maiores importadores


portugueses."

Porque é que estes dados não me causam admiração? Talvez porque, esta


semana, tive a oportunidade de verificar que a zona de frescos dos


supermercados parece uns jogos sem fronteiras de pescado e marisco.


Uma ONU do ultra-congelado. Eu explico.


Por alto, vi: camarão do Equador, burrié da Irlanda, perca egípcia,


sapateira de Madagáscar, polvo marroquino, berbigão das Fidji, abrótea


do Haiti? Uma pessoa chega a sentir vergonha por haver marisco mais


viajado que nós. Eu não tenho vontade de comer uma abrótea que veio do


Haiti ou um berbigão que veio das exóticas Fidji. Para mim, tudo o que


fica a mais de 2.000 quilómetros de casa é exótico. Eu sou curioso,


tenho vontade de falar com o berbigão, tenho curiosidade de saber como


é que é o país dele, se a água é quente, se tem irmãs, etc.


Vamos lá ver. Uma pessoa vai ao supermercado comprar duas cabeças de


pescada, não tem de sentir que não conhece o mundo. Não é saudável ter


inveja de uma gamba. Uma dona de casa vai fazer compras e fica a


chorar junto do linguado de Cuba, porque se lembra que foi tão feliz


na lua-de-mel em Havana e agora já nem a Badajoz vai. Não se faz. E é


desagradável constatar que o tamboril (da Escócia) fez mais


quilómetros para ali chegar que os que vamos fazer durante todo o ano.


Há quem acabe por levar peixe-espada do Quénia só para ter alguém


interessante e viajado lá em casa. Eu vi perca egípcia em Telheiras?


fica estranho. Perca egípcia soa a Hercule Poirot e Morte no Nilo. A


minha mãe olha para uma perca egípcia e esquece que está num


supermercado e imagina-se no Museu do Cairo e esquece-se das compras.


Fica ali a sonhar, no gelo, capaz de se constipar.


Deixei para o fim o polvo marroquino. É complicado pedir polvo


marroquino, assim às claras. Eu não consigo perguntar: "tem polvo


marroquino?", sem olhar à volta a ver se vem lá polícia.


"Queria um quilo de polvo marroquino" - tem de ser dito em voz mais


baixa e rouca.

Acabei por optar por meio quilito de bacalhau da Noruega, assim como


assim, já estamos habituados. Eu, às vezes penso: o que poupávamos


se Portugal tivesse mar.

Recebido por mail, não conheço o autor mas palavras para quê!

Fotografia de Manuela Azevedo www.olhares .com