quarta-feira, fevereiro 25, 2009

rumo a Oeste...




as velas prenhas de ventos e de ideais
o rasto nas águas frias do navio
uma ardência de fluorescências que desenham riscos de sal sobre as ondas breves

acabaram-se os ancoradouros antigos
os meus navios foram sempre uma miragem alucinada
um sonho por cumprir
demasiados naufrágios

morrem-me os dedos nas mãos vazias
e a pena perde o tino nas palavras
seca na folha amarelecida a tinta azul água
o diário de bordo de um capitão velho

rumo a Oeste de nada
uma carta náutica falsa, sem valor
as coordenadas imperfeitas
longitudes, latitudes, declinações magnéticas por corrigir

um imenso erro a escrita
dou-me conta
um marinheiro não pode ser poeta, ou o contrário
não existe poesia na rudeza do sentir no mar

as velas ainda se içam ao vento e enfunam
prenhas, redondas, alvas
é assim que as imagino
mas todo eu sou um engano…



João marinheiro Fevereiro de 2009
Fotografia de Barcoantigo em 2009

domingo, fevereiro 15, 2009

É de compreender que sobretudo nos cansamos


…Há um grande cansaço na alma do meu coração. Entristece-me quem eu nunca fui, e não sei que espécie de saudades é a lembrança que tenho dele.
Caí contra as esperanças e as certezas, com os poentes todos.

…Estou hoje lúcido como se não existisse. Meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir. E estas considerações, que formo e abandono, não nasceram de coisa alguma - de coisa alguma, pelo menos, que me esteja na plateia da consciência.

Talvez aquela desilusão do caixeiro da praça com a rapariga que tinha, talvez qualquer frase lida nos casos amorosos que os jornais transcrevem dos estrangeiros, talvez até uma vaga náusea que trago comigo e me não explico fisicamente…

Disse mal o escoliasta de Virgílio.
É de compreender que sobretudo nos cansamos.
Viver não é pensar…

In livro do Desassossego, Bernardo Soares
Imagem, Google