segunda-feira, julho 31, 2006













Conversar contigo hoje dói-me. E torno-me bruto nas palavras contigo. E tu não mereces que eu seja assim contigo. Mas hoje especialmente falar contigo dói-me. Porque sei que vais embora e eu fico aqui em suspenso. Porque sabe bem ter-te por perto, e já não estás nem perto nem longe. E fico em suspenso de ti por uma fracção de segundos, és minha e eu teu. E tinha um tempo um tempo antigo, que recordo, em que ficava em suspenso e era livre, e hoje recordo esses momentos da infância com uma nitidez que assusta. Voava na ponta do cais num mergulho perfeito, um acto temerário que só os mais fortes e ágeis executam, e nos segundos que antecediam a queda vertiginosa era livre e ficava em suspenso, é essa forma que fico agora entendes, é essa forma que gostava que entendesses quando te digo que fico em suspenso sempre que vais embora de mim. A diferença agora é tremenda, ao cair o chão é pedra e antigamente era uma água límpida e fria que fazia estremecer o corpo, despertar os sentidos. Gostava de mergulhar fundo até ao limite. Sempre gostei de ir ao limite no mergulho, os pulmões sufocados, o peito a arder. E eu ébrio da profundidade subia em flecha até sair fora de água, espécie de golfinho com braços…
Agora não faço isso, deixei de ser temerário, deixei de ser forte e ágil. Mas gosto de ti, e isso é um acto de coragem, o assumir esse gostar. Mas conversar, tentar conversar contigo hoje dói-me, e estou demasiado cansado para me proteger da dor. Não é uma dor física, uma ferida gotejando, é uma dor estranha de ferida interna, que mina as forças e a vontade.
Eu sei que amar é um acto egoísta. Quero-te só a ti.
Existem tantas pessoas carentes de amor e o meu é só teu. Porque te quero só minha.
Amar é ser egoísta. Porque te quero só minha. Gosto tanto de ti. Contento-me com tão pouco. Basta-me estar sentado numa mesa perto de ti olhando-te, mesmo que não dês por isso. Basta-me para me encher de amor por ti, encher de ti, da tua presença, do teu perfume, porque a fragrância perdura no ar…
Conversar contigo hoje dói-me, como me doía ontem que não estavas, ante ontem que continuavas a não estar, ou amanhã que não sei se estarás. E fico bruto comigo nas palavras contigo que escrevo agora, na esperança que um dia possas ler e saberes que aquele que estava sempre sentado a um canto no teu café preferido, estava à tua espera mesmo que nunca tenhas sequer olhado. Esperei-te sempre, dediquei-te a minha escrita, os meus versos pobres. E tu, cada vez mais bonita, e eu, cada vez mais desesperado por te amar assim. Que vai ser de mim agora que sei que partes. A quem dedico os meus versos? Estive sempre na esperança de um dia os leres, acho que não te interessa a leitura…
E conversar contigo hoje dói-me…

João marinheiro ausente 30/07/06
Fotografia Google















E eu!
E eu aqui, buscando a palavra certa. A palavra exacta, a palavra explicita para que compreendas o significado que sinto, que isto de sentir não se explica por palavras ou por gestos ou por tentativas, e porque tudo tem de ser confuso em mim, e porque sonho e acordo assustado, com monstros que me engolem numa ilha estranha e não compreendo o que se passa, acordo cansado do pesadelo acendo a luz olho-te estás comigo dormindo serena.
Dou-te a mão, a minha ligação à terra a minha ligação a ti. Adormeço protegido por ti.
És o amor aqui no momento presente eternamente presente, não sei a palavra para te explicar o que sinto de maneira que saibas que és. O meu amor de todos os tempos que já foram. De todos os tempos presentes. De todos os tempos que ainda estão pra vir.
Neste e no outro mundo em tons de azul de que falo e desconheço agora.
E eu aqui.
E eu aqui, sofrendo a paixão de ti, porque partes sempre ao acordar manhãzinha quando abro os olhos assustado do sonho estranho com monstros que me engolem em fogo, e olho ao redor e a floresta está diferente. Estranha. Sinto o cheiro doce do fumo que queimou as ervas selvagens, matou os coelhos e as lebres e os corços. Assustou os pardais. Tingiu as nuvens.
As árvores continuam altivas de pé. Negras! Fumegantes!
Quem sou? Quem sou?
E eu aqui buscando a palavra certa. A palavra exacta, explícita, para definir este fogo que arde por dentro e fora de mim… O crepitar da madeira em labaredas descomunais assusta-me como um ruído destruidor e quente.
E ouço o som das sereias, o azul em relâmpagos dos pirilampos correndo na serra, a luz dos faróis. Os carros andam doidos na noite. Descem rios de fogo até mim… E arde o monte. Arde a serra e ardo eu em lágrimas de sal salgadas porque o meu mar se encontra triste e doente. E vou de novo. E o sonho assustador que me acordou hoje não tem explicação no momento. E dei-te a mão e sosseguei, ficaste comigo, não estou só.
Mas não sei quem sou…

João marinheiro ausente 30/07/06
Fotografia Google

sexta-feira, julho 28, 2006

E agora depois de ler
Tudo isto que escrevi
Fico vazio mas pensando
Será que entendes?
Quem sou aqui exposto
Que falta sinto, e que sonho persigo
Porque ando sempre de roda das palavras
Porque giro em continuo 360 graus
Porque o princípio é sempre o fim da partida.
Como um animal preso à corda
De roda sempre na árvore
Permanentemente insatisfeito
Ou o pensamento longe de aqui e de agora
Perdido
Por entre mares desconhecidos e tempestades de emoções novas
Perdido nos caminhos longos da vida ou do dia a dia
Dos dias que teimo em chamar de cíclicos
Como uma morte que se anuncia e se escuta
No piar do mocho na noite escura
Que é como me ensinaram em criança
A escutar e respeitar o piar do mocho
Um respeito ora de medo ora de descoberta
De bicho tão estranho, mas que pia…
Qual lamento fúnebre nesta hora.
E eu aqui só
Debatendo a junção das palavras ou das frases
Ou mais provavelmente
A libertação das emoções que me abrasam o peito
Ou a alma ou o pensamento
Reencontrando o sentido para a palavra amor
Ou talvez não. Porque o amor constrói-se
Ou descobre-se no rosto de uma criança
Ou no voo das aves nos céus
Ou nas crias que nascem no rebanho
Ou na barriga da mulher prenha, dum acto assim
Ou nas mãos do pescador que lança as redes no mar
E da redeira que as conserta e cose
Ou do operário que constrói
Ou do engenheiro que planeia
Do médico que salva a vida com suas mãos, milagrosamente!
Do bombeiro que socorre sem destemor
Ou o policia de giro na noite que protege
Ou na nossa cidade que nos aproxima e une.
Ou o amor constrói-se em actos próprios
Ou o amor constrói-se em actos impróprios e violentos!
Nas guerras travadas dentro e fora das leis
Ou em última instancia do juiz que julga e nos condena!
Mas, este que reencontro, nem sei, se lhe chamo amor ou dor…
Porque a dor que sinto é talvez de amor
Ou da sua ausência porventura
Ou o que tenho repartido, não me basta, e quero mais
Ou o amor tarda a revelar-se em mim
Ou, e se calhar, eu já não quero deste, assim aqui exposto,
Porque se agora estou só, que é como me sinto sempre
Tu estas ai, e acompanhas-me no meu caminho
Uns dias forte outros cansado
E eu sempre esperando que me reveles
Nas palavras escritas
O que sentes, e não dizes por medo a esse amor
Assim tardiamente revelado, mas desejado.
Porque o princípio é sempre o fim da partida
E a minha já está iniciada, mas voltarei ao princípio
Uma e outra vez, como as estações do ano cíclicas
E eu esperando que tu poeta, voltes de novo
E uses minhas mãos e então reveles
O sentido do amor. Ou da palavra
Aqui nesta folha e em tudo o que escrevi...

João marinheiro ausente
Fotografia de Barcoantigo

quinta-feira, julho 27, 2006


Hoje brinco com as palavras. És a minha memória. Estou curado de ti!

terça-feira, julho 25, 2006

VII

As jornadas estavam na recta final. Foram um sucesso.
Ofereceste-me um livro lembras. Um livro pequenino. “O dia em que o mar [des]apareceu”com dedicatória e tudo: Em memórias apaixonadas (…) numas jornadas com sabor a mar…Gostei tanto da ternura do teu gesto, tanto. O gesto simples da oferta a mim, um livro a falar de mar, o meu mar de paixão, o mar onde me perco nos sonhos como uma gaivota mar alto vogando. Logo eu que nunca fui habituado a receber presentes. Logo eu.
Nessa noite fomos a um bar a Monte Gordo beber um vinho e fazer a despedida fomos todos em três carros nem lembro. Estava contente e triste ao mesmo tempo. Ias de novo embora. Em mim a esperança de voltares. Ainda agora te tinha reencontrado. Não te dás conta do importante que és já, em mim.
Não vez nos meus olhos o que confessam a ti, porque eu também vejo nos teus…

Durou até tarde a despedida de roda de um bom vinho tinto. Acolheram de bom grado a minha ideia de bebermos um vinho nosso em vez das tais cervejas estrangeiras na moda.
Fomos deitar-nos no início da madrugada, disse-te um até amanhã à porta do elevador, fizeste uma pequena festa no meu braço que ainda sinto hoje, o calor da tua mão como um choque eléctrico quente, de alta voltagem. De manhã não te vi. Não te vi de manhã. Adiei a partida ao máximo e tu não estavas. Disseste-me depois, meses mais tarde que não gostavas de despedidas, que me viste partir. Que estavas à janela por detrás da cortina. E eu que olhei todas as janelas, e nunca um vislumbre de ti por detrás da vidraça… soube depois que foste no avião da tarde, eu já vinha correndo na auto-estrada para o nosso porto.
Andei triste durante uns tempos. Perdido em ti, no teu olhar na tua voz no teu perfume, no teu sorrir, andei saudoso de ti, não te dás conta?
Que te dizer mais. Que me confesse de novo repetidamente até ficar exausto!
Fiquei aguardando que voltasses. Esperei por ti. Regressaste um dia. Meses depois, esperava-te ainda. - Espero-te porra!
Ligaste a dizer que tinhas voltado por uns dias ao Porto, que me querias ver, que tinhas saudades. Fiquei tremulo, perdido. Em branco com a surpresa, demorei a responder-te, disseste: - Então não me queres ver? - Claro que quero ver-te. - Claro que quero olhar-te finalmente. Olhos nos olhos, claro que sim. É importante que saibas que te amo. Mesmo que não te importes, ou que escrever-te agora, seja um sacrifício para mim porque tu estás em mim e estás ausente.
Fomos felizes os dois. Porque fechaste a porta atrás de ti? Porque não olhaste para mim na despedida? Porque te despediste se não gostavas de despedidas…
Porque fiquei assim de olhar vazio de ti?
E porque fico triste ainda quando faço o esforço tremendo para te recordar. Quase não lembro teu rosto, o rosto que percorri milímetro a milímetro com meus lábios. Merecemos isto os dois? Mereces tu? Mereço eu? Devo merecer claro, acho que errei em alguma coisa, o meu amor padecia de algum mal misterioso, só pode ser isso…

Ficamos a meio de nós, entendes. Ficamos a meio das conversas. A meio do amor nos braços um do outro. Ficamos a meio. Espécie de história sem epilogo, onde eu não sei o principio nem o meio, e fico só com a tristeza que dói de um final por terminar ainda. Perpetuo em mim…

quinta-feira, julho 20, 2006

VI

Manhãzinha acordei com as andorinhas em bandos nos beirais construindo os ninhos. O seu chilrear imenso transmitia a paz que à muito não sentia.
Espaço, liberdade, ócio. A imaginação assim desperta vai em voos rasantes, e lentamente os olhos vão-se habituando à claridade dominante.
Tinha de ser, vencer a preguiça, levantar.
Dar um banho de água tépida, para que a dor de costas constante e habitual se atenuasse. Que bom a água tépida correndo no corpo. Mirei-me ao espelho, o cabelo húmido colado à testa, a barba já grande pedia para ser cortada, demorou pouco, um pouco de after-shave e já está.
Tinha de me despachar, hoje queria escutar-te na tua intervenção, apresentavas a tua comunicação da parte de manhã. Queria estar presente tu sabes.

Agarrei a pasta, corri porta fora, sentia fome, um apetite exagerado ao início da manhã. Assim para equilibrar o organismo devorei num ápice o croassant e a meia de leite que me serviram. As jornadas já se tinham iniciado.
Será que já lá estavas? Hoje era o dia da tua apresentação, expectante, eu não podia perder o momento, de maneira nenhuma!
Olhei, não sei quantas vezes o relógio, os minutos pareciam horas…Estava impaciente acho. Que longo o caminho até ao auditório...
A sala cheia ou quase. Mirei um lugar bem na frente, uma cadeira vazia esperava por mim, reservada por alguém com poderes mágicos e invisíveis.
Procurei-te com o olhar, uma e outra vez, não te vi na assistência.
- Que parvo! – Olha o que me fazes com a tua presença, deixo de ficar lúcido!
Estavas na mesa, dentro em pouco fazias a tua apresentação, ao redor do Porto e do seu Património. Gostei de te escutar, o à vontade com que explanavas as tuas ideias. Denotavas um domínio profundo do tema, um à vontade que à primeira vista colidia com a tua figura de menina, mas mulher segura. A assistência interessada em silêncio escutando a tua dissertação sobre o tema.
Fiquei emocionado contigo, olhaste para mim, e o teu olhar mandou-me um beijo, retribui a carícia. -- Quero dizer que te amo, para que saibas!
Amei-te nesse instante, não o sabia, mas mais tarde esse amor revelou-se. Mais tarde. Estava a aprender a conhecer-te. Estava ainda a refazer-me da surpresa da tua presença.

O almoço por conta da organização foi excelente, ao redor de pratos típicos, o peixe fresco estava delicioso. Bem regado por um vinho branco da região. As conversas em cada mesa divagavam em temas vários. Não sabia onde te encontravas, procurei-te com o olhar, notava-se. Em tua busca qual radar procurando um ponto de referencia no ecrã plano que me indique as coordenadas para não te perder…
Não te vi. O meu radar estava cego como se diz em gíria marítima…Suava copiosamente, a camisa colada ao corpo. Como apetecia dar um mergulho no Guadiana.
Tarde quente, o ar perfumado do cheiro a frutos tão característico do Algarve, misturado aqui e ali por cheiros a carvão e peixe assado na brasa, memórias de vinte anos passados….O ar impregnado de sons, andorinhas velozes chilreando felizes em bandos pouco interessadas nas lutas diárias e constantes que se travavam no interior de cada um. O amor andava no ar… E não sei de ti!

terça-feira, julho 18, 2006

V

Estávamos para ali em pequenos grupos ao redor do Xico, um tipo indecifrável, verdadeiro artista, não se sabia…
Resolveram eles em boa hora para quebrar as distâncias, ou o frio do desconhecimento, o gelo das apresentações instituídas, irem todos tomar um café, melhor, umas imperiais que estava muito calor, ou não fosse o Algarve a terra do calor. Eu entretido a organizar os painéis da exposição que também levei, por pouco não ficava só. Não sabia de ti. E estavas presente em mim…
Ai sim. Feitas as reapresentações, de roda de uns copos de cerveja geladas, ficaram todos a conhecer-se melhor, ou quase nada.
Na mesma, muito comedida nas palavras continuavas, notava que eras de poucas falas, tímida um pouco? Ou porque tu também não conhecias ninguém. Recatada portanto. Aos poucos sempre soube que tinhas estado em Cuba na semana anterior. Observava-te por detrás do copo de cerveja, via o brilho do teu sorriso, o contorno dos teus lábios, o teu olhar, sabias que eu te olhava, sabias. Depois, mais tarde, um dia confessaste-me ao ouvido que gostavas das minhas carícias com o olhar. Porque me enamorava de ti a cada instante eu?..
O Xico no seu modo peculiar. Estranho. De arquitecto do tempo e do espaço, resolveu pagar as cervejas e sair de mansinho, afinal tinha ainda uma noite de trabalho intenso para vencer. Nisso somos parecidos os dois, não deixamos por mãos alheias o que nos propomos fazer, um no urbanismo recuperado, outro nos barcos historicos que morrem lentamente em qualquer beira mar…

Tinha de conhecer melhor o Xico, para expormos algumas ideias das vivências de cada um, para assim partilharmos essa maravilhosa essência de viver que é a amizade compartida em actos e pensamentos. Exposições, jornadas. Recuperação de um património que se perde em cada batida do coração. E assim desfalecido, fora de moda, esse nosso património, sofrendo de uma qualquer espécie doentia de Alzaimer vai regredindo, velho, sem utilidade, ficando mais pobre a memória, a nossa memória colectiva, de povo antigo, aventureiro, explorador. Povo de partilhas e descobertas de outros mundos. Estranho isto de ser Português…
Sentia-me um pouco em casa, afinal vinte anos antes já por ali vivera, numa das minhas deambulações de beira-mar, vindo da Fuzeta e da Ilha do Farol, mesmo sendo um homem do norte apanhava muito depressa o sotaque algarvio, meia dúzia de horas depois de chegar, já falava à moda do Algarve, como um filho da terra. Nunca se esquece a herança cultural que se adquire, e nisso sou um privilegiado. Essa riqueza dos sons, dos modos de vida, dos cheiros, da azáfama própria de cada lugar. Esse modo de olhar o mundo ou o horizonte da água, que a água como primeira memória da humanidade tem que andar sempre por perto na minha vida.
Findo o jantar. Cada qual por seu lado, que Vila Real é terra esquisita nestes dias, quase não se arranjava onde matar a fome. Estranha sensação esta de ser estrangeiro na nossa terra. Terra de “camones” que eles é que são o turismo. Eles é que tem o “money”. O português não interessa.
É melhor não enveredar por esta dissertação…deixemos que a globalização nos afogue tranquilos….
Regresso a ti. Bebi as tuas palavras pela noite fora…
Regresso a ti e à grata sensação do teu encontro. Olhar bonito. Perspicaz, se calhar defeito profissional? Tinha que descobrir. Mas afinal em que trabalhavas? Este foi o nosso primeiro encontro lembras, e tinha já tanto para te dizer. Tanto!
Em conversa sentados à mesa do café, lentamente revelaste que fazias investigação. Investigadora de património. Leccionavas em Londres na universidade.
Eu não sei do que falei, demasiado talvez? Lembro que fascinado pelo teu olhar de mistério, de roda do copo de cerveja que sorvia em pequenos golos, escutava-te, escutava o que me dizias. Aos poucos e pouco revelavas-te, como a água que brota na bica, vinda da mina entubada das entranhas da terra. Fresca, caindo em pequenos jorros na represa dos sentidos onde os jacintos de água e as libélulas disputam um lugar ao sol. Eras o meu sol na noite adiantada…
A madrugada avança. O copo está vazio, e a coragem para mais um diluiu-se na satisfação da sede saciada. És a fonte que me sacia a sede, não a desaceleração do ritmo a que gira o meu coração…
Tarde da noite, ou do novo dia que já despontava no barrocal a nascente despedimo-nos. Engraçado, estávamos no mesmo hotel. Amanhã, ou mais logo será outro dia para o reencontro.
Esta noite sonho contigo, sei já o cheiro dos teus cabelos macios, o cheiro do teu perfume. O som da tua voz. Adormeço embalado por emoções.
Adormeço em ti…


João marinheiro ausente


sábado, julho 15, 2006

IV

Quero dizer que te amo.
Para que saibas. Que te amo. Não me importa o que penses já.
Quero dizer-te só isto. – Que te amo
Como te quero…
Agora que recordo o reencontro de ti e as saudades dilaceram por dentro. Agora que sustenho as lágrimas teimosas. Agora que me dou conta da dor da tua ausência. Porquê agora tão tarde para nós? Demasiado tarde para mim. Sinto-me cansado e velho por dentro. O olhar fina-se sem brilho sem o fulgor de outrora quando tu de olhos nos olhos me dizias que era o teu amor, já nem sei se alguma vez o disseste ou se invento tudo, tenho uma cabeça confusa. Mas a dor que sinto por ti. Dás-te conta da intensidade da dor que sinto?
Porque te foste embora prometendo regressar. Porque deixaste de me falar. Confesso, senti que te perdia na gare daquele imenso aeroporto quando passaste a porta sem olhar para trás. E eu perdido na esperança da tua volta, fui ficando esquecido. - Olha o resultado!
O importante foi reencontrar-te. A maneira como te reencontrei, estava escrito nos astros, nunca o imaginei, nunca me tinha passado pela cabeça, e estavas ali. Eras tu! Levei um tremendo choque, quase me caiu o coração aos pés, eu que sou um homem habituado a emoções, confesso que não estava preparado. Amei-te mais ainda naquele momento em que te vi.

Encontrei-te por acaso. Podia ter sido ontem, ou um dia qualquer igual, o destino não quis assim. Foi hoje, ao final da tarde, davam-se os últimos retoques para a exposição das jornadas que nos tinham levado ali. Tu uma primeira vez, soube depois. Eu passados vinte anos, mais ano menos ano, à terra onde tinha vivido. Ainda me sentia em casa, embora a casa estivesse arrumada de maneira quase irreconhecível, o betão deu lugar ao pinhal, os antigos espaços enormes desapareceram, estavam entalados em ruas e prédios com uma estética de mau gosto…
Nem de propósito. O motivo que nos levou ali, património e urbanismo, qualquer coisa como jornadas ao redor do tema.

À última da hora resolvi ir, não que este tipo de tema me fosse interessante. O meu património é mais barcos e água. Sou um marinheiro ausente, pois o mar não é a minha profissão, mas o meu imaginário…
Não conhecíamos ninguém. Isto, o princípio é assim difícil, no princípio o desconhecimento é total. Desconhecia-te portanto, nunca tinha escutado a tua voz.
O Xico, o homem das jornadas salvou a situação fazendo as apresentações, soube assim que tinhas tinha vindo de fora: uma estrangeira? Por isso nunca te encontrei pelo Porto….
Achei interessante esta perspectiva de vida, uma outra cultura, uma outra civilização, um outro modo de viver a vida, um olhar diferente das coisas.
Todas estas interrogações não passaram de flashes que me ocorreram ao pensamento à velocidade de um comboio rápido. O importante no momento era descobrir quem eras, ou melhor, verificar se falavas por detrás do teu sorriso terno. O mesmo sorriso que me perseguiu a memória desde aquele dia na foz…
Falar, falavas. Pouco de cada vez. As frases sintéticas e resumidas, davam azo a que se imaginasse um mundo novo ou um mundo de mistério à tua volta.
E isso era interessante. Apelativo. Eu tinha de saber quem eras. Como te chamavas, o que fazias, porque estavas ali. Necessitava urgentemente de saber e tu sentiste algo em mim, pressentiste isso. Muitas perguntas me passavam num repente pelo pensamento, porque sou assim, um tipo de muitos pensamentos, muitas interrogações. Mas tu sentiste. Porque sorriste e me disseste. - Eu conheço a sua cara. Obrigado por me salvar de ser atropelada….E eu surpreso, disparei em piruetas por dentro, tu deste por isso, tu descobriste o meu segredo e jogaste a teu favor…Lembravas-te de mim este tempo passado.
E ainda dizes que já não sou o teu amor…não te importas que te guarde cá dentro, que envelheça diariamente na ausência de noticias tuas…
Já não queres saber de mim…
Já não existes. Sobrevives em mim porque te amo ainda. É essa a minha realidade pessoal e intransmissível
Sobrevives em mim…


João marinheiro ausente

quinta-feira, julho 13, 2006

III

Perdoas-me?
É importante saber pedir perdão. É importante saber que me perdoas.
Mas a tua memória dói-me. Entendes. Dói-me. Lateja dentro, e fico furioso comigo mesmo. Perdoas as minhas palavras agressivas de há pouco, a minha raiva a minha fúria, foram saudades impotentes. Tu já não estás…e eu ainda não me habituei completamente a isso, ainda olho o teu retrato junto da jarra de cristal, lembras? Que tiramos em Santa Luzia, um dia que fomos ao norte, naquele fotografo que até já falou na Tv., por ser o único fotografo à lá minuta, ficaste bonita sentada no cavalinho de pau e eu perco-me a olhar para os teus olhos que brilhavam. Já te disse que gostava dos teus olhos de olhar doce. -Já? Nem sei se te disse. Agora digo e não escutas o que te quero dizer…
A vida tem destas coisas. Não sei o que me custa mais no momento, a saudade ou a ausência tua. Sim. Porque nunca estás. Já não estás. Nunca estiveste verdadeiramente comigo.
Essa a realidade a que tenho de me habituar. A tua ausência dói-me.

Como te reencontrei. Como te revi. Lembras amor. Posso chamar-te ainda de amor? És sempre o meu amor que guardo no coração, disse-te um dia quando te despediste, és o meu amor ainda, por isso te chamo de meu amor, se não gostares paciência, o que está feito está feito. Gosto de te rever assim, gosto de te falar assim… Mesmo não sabendo onde te encontras faz tanto tempo. Demasiado já
Lembras como te reencontrei. Lembras? – Diz-me que ainda te lembras!
E tinha passado já tanto tempo. Um, dois anos? Não sei. O importante foi que me reconheceste, guardo as tuas palavras: – Obrigado por me salvar de ser atropelada na passadeira. Recorda-se? No porto junto à foz, que pena já não se lembra…
Como não lembrar-me. Como não? Não acreditava que te tinha ali, e perseguiste-me a memória. As voltas que dei na tentativa vã de te encontrar, corri não sei quantos dias a foz de trás para diante de diante para trás… Sei agora porque nunca te encontrei, sei. Tu disseste porquê…

O mundo gira redondo exacto. Inevitavelmente podia acontecer, aconteceu.
Eras tu. És tu! Demorei a raciocinar. O pensamento parado, branco. O cérebro em off tolhido pela surpresa. Eras tu a mulher dos olhos doces que eu fitei um dia.
Como te procurei na nossa cidade grande. Nunca te encontrei, e agora passado este tempo estás ai na minha frente sorrindo.
Quem és? Olho. Preciso saber quem és. Dizer-te que desde o dia em que vi na passadeira vives por dentro de mim. Preciso de ti… A tua ausência é uma ferida aberta ainda que sangra ao menor esforço. Não tenho já maneira de estancar o sangue que brota em lágrimas escorrendo, não tenho já um sulfamidas milagroso para cicatrizar o que sinto.
Perdoas as minhas palavras de ontem?
É importante saber perdoar, é importante saber. Fico com o coração reconfortado mesmo não sabendo já de ti. Tenho sempre a esperança de te encontrar de novo na foz, passeio-me por lá mas tu nunca estás. Não sinto o teu perfume no ar. Não escuto o teu riso ao longe, os que escuto e são muitos, não são o teu riso, tens um riso inconfundível com sinos e brisas que ressoam por dentro como o som da água na cachoeira, reconheço-te entre mil. Pena que nunca te escute. E a tua vos meiga serenava-me até adormecer nos teus braços. Como te quero…
João marinheiro

terça-feira, julho 11, 2006

II
A minha furia.
A minha raiva.
A minha insegurança.
A minha insatisfação.
A minha dor, e a minha tristeza, não são importantes, não são válidas para ti
porque eu não sou ninguém nem agora nem antes. Já não acredito nas palavras ditas:-«Porque existes» … Nunca existi para ti. Fomos um desejo ou uma vontade em partes desiguais… Fiquei só perdido amarrado à tua imagem e ao desejo. Como te quero ainda…

Contenho a fúria que sinto de não poder gritar que te amo!
-Porra!
-Que te amo, entendes!
Não, não entendes. Porque eu não soube entender-te ou compreender o teu amor, feito de ausências, esperas e desilusões. Sinto que também eu te desiludi, ou feri mais ainda, teu coração que sangrava e nunca me dei conta desse fio de sangue rubro que ostentavas no peito, e por debaixo desse sorriso frágil ou desse olhar meigo que me prendeu.


Hoje escrevo-te porque sinto uma saudade que incomoda e me faz ficar violento.(Ontem andei nos copos tentando afogar-te da minha mente, olha o resultado...).Confesso que não compreendo por não fazer parte dos meus princípios de vida. Mas, se calhar, não sou moderno ou deste tempo em que as vidas se apagam como um ficheiro anexo no computador. Se enviam para reciclar, e não existe mais a salvação possível de voltarmos aos mesmos caminhos, e trocarmos um simples olá e um sorriso. Um cruzar de olhos cordial e simples…

Vivo por cá, de volta das palavras, como agora em que o pensamento me leva até ti. A frustração que sinto por não saber quem és? Ou o que foste na minha vida. Ou a marca funda que deixaste, e não te importas…
Que eu morra como o viajante perdido no deserto sequioso do teu amor, ou do teu olhar que me saciava já, a sede que sinto. Confesso que não compreendo
porque deixei de te escutar ou deixaste de ter tempo para me escutar. E eu que não sou assim, tenho dificuldade em compreender porque gosto de retornar aos nossos sítios de antigamente onde fui feliz, e posso recordar, construindo de novo, um exercício mental de esforço limite à memória, os teus gestos, as tuas palavras, os teus actos de carinho hoje diluídos na distância do tempo. Simples actos sem memória, peças de uma arqueologia estranha, difíceis de decifrar por não serem reais e existirem no meu cérebro alucinado ou na minha raiva contida…
Ando como um louco pela rua fitando os rostos na esperança inútil de te reencontrar um dia neste Porto, mas os anos passam e eu, estou ficando tremulo, velho, cansado, vencido por uma artrite silenciosa, que mina e tira a vontade de seguir em frente.Tu nunca estás, e sabes que me fazes falta!

- Não te dás conta?
Deste grito que é um lamento surdo, do condenado à fogueira inquisidora
Por um dia confessar o amor a ti.


João marinheiro Ausente

segunda-feira, julho 10, 2006

HOJE VOLTO...

I

Hoje volto renovado.
Chego agora mas nunca parti em definitivo.
Arrumei as ideias, descurei a saudade, deixei de ir em tua demanda.
E penso que agora, à velocidade que gira o mundo, as coisas do meu tempo de miúdo são um passado longínquo. Quando lembro as brincadeiras de criança, de como matávamos o tempo naquele tempo, parece que lembro de algo surrealista desenterrado em algum sítio arqueológico…Tempos modernos estes…Ás vezes até eu duvido do tempo passado…
Mas.
O importante é o regresso a casa. Aqui onde me esperavas de braços abertos, o coração cheio de amor, o amor que busco a tal perfeição, imperfeita por não ser alcançável. Um dia será.
Espero!
E agora? Que faço? Abro de novo a porta?
Espero noticias tuas que tardam. Para que espero eu noticias tuas. Sei de antemão que já não estás. Sinto-te em alguns momentos e sinto esta casa demasiado grande sem ti. Pois…descurei a saudade. Mudei, conheci pessoas grandes e pequenas, continuo a ser surpreendido pelas pessoas.
Passei de novo a dolorosa fase do sacrifício da escrita, quando sinto a tua ausência que dói ainda. Envelheci, e os anos tornam-me mais calmo, o coração ressente-se já. Ainda bate por ti a maioria das vezes. Não te dás conta? Não te dás conta de nada. És completamente insensível ao meu amor por ti. Já não sei se lhe chame amor.
Que raio de coisa esta…
Hoje para não jantar só coloco também o teu prato de porcelana azul em frente a mim no lado oposto da mesa, duas velas azuis completam. - Ah! Comprei um ramo de rosas como tu gostavas coloquei na jarra de cristal que trouxeste um dia e deixaste ficar. Sento-me imagino-te ai. Não me apetece comer e sinto fome, bebo dois tragos do vinho que trouxemos da quinta grande e tu nunca provaste por não gostares de vinho, gostavas de água fria.
Acendo um cigarro fecho os olhos. A primeira vez que te vi….
Nem sei como aconteceu. Atravessavas a rua perdeste a capa do sapato no paralelo e caiu o sinal e tu aflita, descalça, então liguei os quatro piscas e com o meu carro protegi-te, sorriste, acho que disseste um obrigado baixinho e olhaste para mim olhos nos olhos. Comecei a amar-te nessa altura, não me dei conta, quase nunca me dou conta das coisas importantes. Não me dei conta do importante que eras, o importante que és ainda…
Não me dei…
Vou sair, acho que a um bar qualquer, beber um copo e afogar-te dentro de mim esta saudade.
- Amo-te!

João marinheiro ausente Julho 2006