domingo, fevereiro 24, 2008

Do mar da memória...


I

A rua.

Faz anos que passo esta rua em direcção à praia. O meu pedaço de mundo e de imaginares possíveis. Esta rua com as pedras gastas dos passos das pessoas andarilhas da vida. A rua tem uma agitação diferente, interrompida. Durante uns tempos tive de me afastar dos tapumes que cobriam a entrada da casa grande. Um palacete sec. XIX estilo colonial que ia caindo aos pedaços como caiu o império. Alguém a comprou, algum benemérito, alguma alma caridosa a tratar da alma da casa. Fazia-me impressão o abandono. Causava-me angustia aquele silêncio coberto de silvas. Às vezes punha-me a espreitar o jardim, as mãos pousadas no gradeamento trabalhado em ferro artístico, belo, a morrer de ferrugem, a escorrer em lágrimas castanhas pela parede do muro. Já não lhe distinguia a cor, e dos jardins imaginava a alameda, os lagos, a fonte com os repuxos no sítio onde o boneco do menino brotava água que agora só se imagina. Soube pelo jornal que dali iria sair uma casa de repouso, espécie de lar, hospital geriátrico. Achei bem e não pensei mais no assunto. A casa sempre ali estivera, abandonada à sua sorte, e a rua também a desgastar-se. Estive fora uns anos, também eu parti um dia a responder ao apelo do mar, quando voltei à rua para ir ver o meu pedaço de mundo de imaginar parei a olhar a casa. Lavada. Pintada num amarelo desmaiado e simples, e pessoas velhas nos jardins e algumas de bata branca. Médicos? Enfermeiros? Não sei. A alameda de novo aberta, as arvores podadas e viçosas, as flores alinhadas nos canteiros. Bancos novos aqui e ali. Agarrei-me às grades novas, de tubo inox a destoar da casa, e fiquei uns momentos a olhar. Já ali tinha estado naquele sítio uns anos atrás, antes de ter partido à procura do mundo de imaginar. O mesmo sitio. No cruzamento da rua paralela, junto do mesmo candeeiro publico de cimento curvo, em arco, de luz amarela que agora estava apagada.

Faz anos que passo esta rua em direcção à praia. A areia fina. A mesma areia de anos e anos que me viu crescer. A areia que eu tinha saudades de sentir nos pés, e a mesma água de um salgado fresco e um cheiro a maresia que fica entranhado nos sentidos. Nesta praia depois de ter ido à procura do mundo de imaginar, sinto-me outra vez em casa, como se nunca daqui tivesse partido um dia. Como se nada se tivesse alterado em mim. Ainda me sinto menino a correr atrás das gaivotas que teimam em pousar na borda da água, se elas tivessem nomes de certeza que os saberia, e se as chamasse vinham a correr ter comigo. Mas não tem. Não são as mesmas gaivotas de há trinta anos atrás. Nada é já.

Demoro-me sempre na praia a olhar o longe, a olhar o céu. A olhar a linha do horizonte até o sol alaranjado chegar para dormir no outro lado do mundo e as gaivotas se recolherem, voando rumo a norte e o vento acalmar e se transformar em brisa primaveril e chegar de terra o cheiro das magnólias e das glicínias misturado. Acordo da minha espécie de sono da imaginação e olho a pequena vila desde a borda mar, as cores dos candeeiros públicos que se acendem como pirilampos gigantes e a luz vermelha dos carros a travarem, poucos a esta hora, a passarem na estrada estreita que bordeja a praia. Olho o sinal multicolor a dirigir o trânsito na rua e vejo a casa grande de costas para a praia na rua paralela. A grande chaminé. O telhado de não sei quantas águas e uma luz, uma pequena janela com luz e aberta. Engraçado que nunca tinha reparado naquela aquela janela ali, aberta, com luz. Pareceu-me uma entrada na parede grande, amarelo desmaiada.

O olhar distraiu-se outra vez a ver o navio que lançou o ferro com um ruído metálico, ondulante, de correntes enferrujadas a rasparem o aço ali, quase à mão de terra, uma escassa meia milha. Fiquei a imaginar como será a vida a bordo de um navio daqueles. Atravessar os oceanos com tempestades e ventos e solidão. O mundo resumido a um pedaço de chapa de aço recurvada, de solo metálico e frio e água, um céu suspenso de estrelas cintilantes nas noites repetitivas.
Lentamente dou a volta á pequena enseada de areia branca e subo o passadiço de tábuas que me leva à rua de retorno à pequena vila da minha infância. Chego à esquina da rua paralela e instintivamente o olhar procura a tal porta na parede, a janela pequena. Paro. Os meus olhos ficam presos a ver para dentro. O velho à janela. O cabelo alvo, o porte altivo, não sei que me deu. Um estremecimento no corpo um alarme a soar. Não sei. Um pressentimento. À distância no lusco-fusco da noite julguei reconhecer o vulto. Seria ele
?


João marinheiro 2008
Fotografia de Barcoantigo 2007

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

De uma praia...

Caminhei na beirada do mar à tua procura
Já não estás
A praia vazia
Só o mar ali
Mais eu
Que regresso triste...


João marinheiro 2008
Fotografia de Barcoantigo 2008

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

És hoje...

És o meu mar
Espuma branca
Vento
O sal dos olhos
Pedra dura
Viagem
Lágrimas
Luz
Saudade tua
De novo
Hoje!

João marinheiro 2008

Fotografia de Barcoantigo em 2008


domingo, fevereiro 03, 2008

Quando volto. É nesse momento que tudo fica mais lento…