sábado, outubro 29, 2011

domingo, outubro 09, 2011

As árvores ainda morrem de pé





Tu, remetes-te ao silêncio desse lado das palavras, não sei se é efeito da crise ou os tempos nostálgicos que nos afligem...
E eu fui embora faz tempo. A mim também se me esgotaram as palavras, ou as emoções.

Desculpas-me essa falta grave?

Todas as formas de estar tem algo de egoístas, já te deste conta...

Morremos e os braços, um do outro estão inertes. Vazios ao longo do corpo. Como um rio seco de água. A água é a primeira memória da humanidade.

Morremos na memória um do outro, sem memórias já! Só tempos presentes tão dolorosos e ausentes.
A ausência é um estado de dor que não se vê, não se explica, sente-se por dentro como um acido corroendo, espécie de sal na boca. Coexistimos em circulo então. Na tal memória redonda. (o sal dá sede e a sede faz com que procuremos a água, a água é a primeira memória da humanidade…) Somos quase água no ventre materno, quase, quase.

Cada dia é um adiar a angústia. Cada dia é uma batalha ganha ao tempo. Cada dia é mais um dia a descontar no calendário biológico da vida.
Um dia perguntei-te – O que é a minha vida sem ti?
Nunca me respondeste, e eu sobrevivi. Aprendi a viver sem ti.
Para enganar o coração com a tua ausência escrevia-te cartas, que nunca leste, confesso que nunca tas enviei, por não saber onde habitas. Sei só ainda o teu endereço no coração. No meu coração, mas o meu coração é manhoso e velho e cheio de manias estranhas, não é confiável porque cede e bate descompassado, e desliga-se deste tempo de crises e bate à tua porta de mansinho, leve, levemente, como diz o poema, “será chuva, será gente”. Não, não é chuva ou vento ou gente, é ele a pregar-me partidas de memória, a mostrar-me por dentro dos olhos, os teus olhos, o teu rosto, a tua voz, o teu perfume, a linha do teu corpo como uma vela alva de um barco que parte recortada na linha do horizonte liquido.

Também abandonei os barcos.

Talvez que essa seja a explicação para a minha falta de noticias, o meu esgotar de palavras, o meu tempo sem tempos e horas certas. Talvez? Não sei as respostas porque as perguntas, se é que existiram alguma vez, nunca tive a coragem de as pronunciar.

Abandonei os barcos, corria Dezembro quase natal. Percorri o fieiro da praia uma ultima vez a fazer o regresso a terra e os barcos varados na areia de proa ao mar a sentirem o vento norte frio de Dezembro repousavam. Não me despedi porque não gosto de despedidas, e posso voltar se eles me aceitarem com todas as imperfeições de que sou feito, e sonhos e promessas por cumprir. Ao menos que se cumpra o Mar como dizia Pessoa.

Tu remetes-te ao silêncio desse lado das palavras.


É assim que eu retomo o meu monólogo contigo a imaginar que é um diálogo, mas não é, nunca foi. É uma invenção da memória a ver se coincide com a tua memória de mim. Estou a repetir-me.
No fundo o que somos senão uma repetição, uma duplicação até à exaustão de nós. Alguém que me responda se souber a resposta. Eu não sei.

Preciso de encher o peito de ar, de exercitar os pulmões como fazia trinta anos atrás, de sentir o peito estalar quando numa vertigem mergulhava no azul profundo, foi o fascínio do mar. Depois vieste tu e foste o meu segredo, o meu fascínio onde mergulhei até me doerem os tímpanos e se alucinar o cérebro narcotizado.

Abandonei o mergulho. Pediste-me um dia na ilha ao luar.

Então eras o meu mar, a minha praia no cabo do mundo, o meu cabo das descobertas, o meu veleiro, as minhas travessias, as minhas viagens, a minha rosa-dos-ventos, a minha carta de marear. Eras a minha miúda do Porto, desse Porto revisitado agora, desse porto sentido, desse porto onde soltei amarras e parti rumo a sul, sempre a sul.

Ainda és o meu mar, e o coração ainda me atraiçoa porque te trás à memória como da primeira vez, à minha memória.

Pediste-me um dia na ilha e ainda sinto o fogo dos teus lábios.

Só a lua envelheceu, a ilha diferente e nós vazios.

As árvores ainda morrem de pé…



São Paio de Antas, Outubro de 2011

Fotografia de Barcoantigo em 2010