domingo, junho 25, 2006

Chegado a este ponto do caminho esta estrada virtual, dou-me conta do esforço tremendo, sinto-me demasiado cansado, desfalecido mesmo, ou ausente de memórias que tive. Assim fica a duvida? - Enterro hoje o poeta moribundo ou liberto o homem que coabita por entre os ferros da grade prisão? Não obtenho a resposta nem as palavras são o que eu pensava que eram, simples palavras.
Neste tempo do tempo que tenho, o tempo que resta, fiz amizades, conheci pessoas grandes, algumas bem pequenas, essas esqueci. Arranjei inimigos, ficou a impressão ou o travo amargo na boca. Não sei, nem perco tempo do pouco que tenho a pensar.
Pensar, escrever, no momento é um sacrificio. Não gosto de me sacrificar.
Hoje parto. Estou a mudar muitas coisas em mim quando a mudança ficar completa fecho os olhos e vou...
Vou agora porque me sinto cansado. Ficam as palavras porque essas são livres...
Abraço aos mareantes virtuais...

OS DIAS QUE FALTAM…


Ai os dias
Que caem iguais desesperadamente monótonos pelo lado errado de mim
Ai os dias
Que amanhecem
Que anoitecem
E eu neste intervalo do tempo envelheço

Ai os dias
Os dias dos dias cíclicos
Em círculos
De poesia
Avessa
Ácida
Gutural
Os dias da musica
Os dias dos dias nos dias em que não estou
Nem
Do lado de dentro
Nem
Do lado de fora de mim.

Os dias
Ai os dias
Que percorro num calendário semanal, quinzenal, mensal, anual
Em anos comuns e bissextos
Ou sem anos
Dos anos que passam
Com dias.

Ai
Os dias que faltam
E todos os outros que se foram por não fazerem falta já
Porque a única falta nos dias que correm
És tu!

Ai os dias…
Os dias que faltam…
Neste meu tempo
Irreal
Em que tuas mão envoltas no sonho que sonho
Afagam
A poesia avessa em círculos
A nossa musica que cantas ao ouvido baixinho
E adormeço embalado
Viajo para o outro lado irreal onde habitas
Num tempo sem tempo
Sem dias os dias dos dias que faltam
Para acordar do coma em que descanso
Porque eu não passo afinal
Como acusas
De um vendedor de sonhos…
E palavras ácidas avessas
Escritas assim
Guturais…Sem inocência!
Não! Não sou definitivamente um homem bom.
Falta-me a tolerância
Dos dias cinzentos de tempestade
Onde me perco em luta para sobreviver…


Ai os dias
Os dias que faltam…


João marinheiro Junho de 2006
Fotigrafia de Barcoantigo

sábado, junho 24, 2006

ARTE DA ESPERA


(Poema a uma protituta de estrada…)

Vejo-te ai. Tão altiva
Faz anos que por ti passo
Escuto na rádio a canção o “Primeiro beijo” e penso
Que histórias terás para me contar
Como foi o teu primeiro beijo?
Estás ai de pé esperando
Chupas um cigarro como a respirar o último fôlego
Tens contigo o desejo de todos os homens
Desaguando em ti, rios de sémen…
Extravasam em ti
Todas as frustrações reprimidas
E todas as histórias de amar por contar
Quem és?
Não sei.
Calculo que tens um nome.
Observo-te de fugida na beira da estrada
E vejo os anos que por ti passam.
Eras menina/mulher
Hoje és mulher objecto?
Não sei. Quem sou para te julgar?
Aqueces-te nessa fogueira
Enches-te de fumos, envelheces…
Vai fazer dez anos que por aqui andas nesta estrada velha como o tempo…
Hoje dei-me conta desse tempo
Talvez por estar mais velho também.
Não sinto pena de ti
Escolheste esse caminho doloroso.
Imagino o frio que passas
Os tormentos que vives
As humilhações que suportas
Dei por ti hoje
Tão altiva, imponente
Fumando um cigarro
Com a tua saia curta, as tuas botas pretas
Cobiça para o olhar, excitação para o sexo.
Estás ai
Tens arte.
Arte da espera…

João marinheiro ausente
Estrada Nacional 103 Março 2006
Fotografia Google

quinta-feira, junho 22, 2006

ÈS UM VINHO RUBRO QUE SORVO…



Tenho um copo cheio de vinho
Um néctar que embriaga
Um vinho tinto cor de sangue que sorvo em pequeno golos
Enquanto tu
Te desnudas ai bem na minha frente
Sensual
Bela, excitante
Num strip
Ousado
Onde desnudas toda a nudez de teu corpo que imaginei durante tempos
És mestra na arte de seduzir
De excitar
E eu parvo, preso na visão de um corpo perfeito
Fico-me pelas curvas de teus seios
As curvas de tuas nádegas firmes, teu sexo
Que deslumbradamente me apresentas
Como um néctar ou uma fruta proibida
Rosada e madura.

Bebo dois tragos longos deste vinho
Cheio de sabores frutados a frutos secos ou aromas silvestres
Com taninos persistentes que perduram na boca numa dança de sabores
Excitas-me despoduradamente num propósito pré definido neste momento
Em que eu perdido inebriado pelo vinho
Me dispo de vergonhas, timidez ou inexperiência
E te observo
Excitado. Pronto!
No máximo dos máximos retidos a custo…
Quero-te agora. Digo-te. Confesso-te o meu desejo carnal
E tu!
Segura de ti.
Dominadora!
Abres o rosto num sorriso largo, casto, com a candura de uma menina inocente encerrada num corpo de mulher na idade da loba e foges, foges de mim
Do desejo animal, do desejo carnal, do meu desejo intenso…
Quero-te no momento, excitas-me, excitas-me para lá dos sentidos ou das pulsões involuntárias
Fico com sede
Bebo mais um trago deste vinho néctar dos deuses, rubro
E quero-te, e foges de novo entre gargalhadas estéricas.
Porque me fazes isto?
Porque me provocas com essas poses lânguidas, sensuais, excitantes
Vejo teu sexo excitado brilhando por entre as luzes desse palco onde te encontras
Em humidades que eu queria sentir na minha língua
Ou sentir-te minha agora que te desnudas despuduradamente
Ai desse lado do vidro que nos separa…
Faço um esforço para imaginar o sabor de teu corpo
O sabor dos teus beijos soltos e livres
Quero-te! Desejo-te!
Como se fosses uma gaivota branca e cinza voando nos céus
Quero-te assim neste preciso instante perfeita em que te sinto no peito.
Meu amor…
Entrego-me nas tuas mãos
Para que me aceites
Assim com defeitos e ausências
E bebas comigo o resto deste vinho perfeito
Em cor de sangue
De coração que sente e bate perdido no peito.
Deixa-me.
Deixa-me afastar as cortinas ou as vidraças que nos separam
Porque és a primeira por quem me embriago com vinho
Com a luxúria e o sabor do teu sexo entreaberto nas pernas
Tuas, perfeitas que afasto
Enquanto me deixo descansar por dentro de ti
Agora, que é como te imagino em danças
De corpos, num bailado sublime de lençóis e gemidos e suores.
E porque me tremem as pernas, e porque me tremem os dedos, e porque não sinto já a dor no peito dum coração desarvorado em rotações loucas
Venho-me em ti
Num espasmo louco de sémen
Que perdura quente etéreo único no momento
Em que gritas de prazer
Me cravas as unhas na pele
E te deixas abandonada, tremendo, ofegante, ir comigo num orgasmo místico
Onde nos perdemos e deixamos de saber onde estamos
Porque escutamos os gemidos suaves
Ou o som abafado e rápido de corações desconhecidos que batem
Ininterruptos diariamente
Na noite e nos dias dos amantes
Que são todos os dias em que tu
Descaradamente te desnudas num strip estudado ao pormenor
De modo a seduzir-me a mim inocente e casto e puro de actos
Perdido num copo dum vinho envenenado
Com o sabor de teu sexo que desejo
E me mostras assim livre com um sorriso no rosto…
Enquanto te passeias nesta sala em que habito
Dentro de mim
E neste copo de vinho que saboreio
Porque és um vinho rubro que sorvo…


João marinheiro ausente
Foto gentilmente cedida por Gena

quarta-feira, junho 21, 2006

QUERO FALAR-TE


Quero falar-te do que poderíamos ter sido e não fomos
Quero falar-te do que poderíamos ter acontecido e não aconteceu
Quero falar-te do que queríamos e não tivemos
Quero falar-te do que podíamos ter falado e estivemos mudos…
Quero falar-te dos beijos que não demos…
Quero falar-te da música que queríamos ser e fomos o silêncio
Quero falar-te desse silêncio que se instalou em nós como fronteira
Quero falar-te dum rio sem margens invisível que somos
Quero falar-te de mim
Quero falar-te de ti
Quero
E não sabemos falar
Quero
E não sabemos escutar
Quero
E não sabemos ser
Quero
E não fomos
Quero
E não acontecemos
Quero
E não somos pacientes o suficiente
Quero
E não sabemos amar…
Quero
E não sei o que me aconteceu
Quero
Porque gosto tanto assim…
Quero
E vou a nado até ti na outra margem de mim…


João marinheiro ausente

terça-feira, junho 20, 2006

ACREDITAR...

Futebol…
Estádios milionários…
A bandeira a esmo sem respeito pelo chão
Os políticos assistem
E o povo aplaude de pé

Neste intervalo
As crianças por nascer morrem nas ambulâncias...…

sexta-feira, junho 16, 2006

CHEGAMOS A ESTE SITIO DO CAMINHO


Chegamos a este sítio do caminho
Um desfiladeiro chamado vida.
Profundo
Olhamos com espanto.
A surpresa
Abrimos os olhos pelo lado de dentro das orbitas
Tamanho o esforço.
As lágrimas são de sangue puro rubro
Corrosivo q.b.

Chegados a este sitio onde te dei a mão a medo
Te tomei o rosto e beijamo-nos.
O precipício ali em equilíbrio precário esperando um passo em falso.
Perdemos a inocência nesse instante
Como dois amantes no seu primeiro beijo
Deixamos de ser puros!

…As palavras contidas, o dever disfarçado.
As tuas palavras de hoje…
A leve estranha e urgente sensação
Da porta que se abre e sermos apanhados na tempestade fria do lado de fora
Os dias assim, que devemos manter no silêncio
Este silêncio, a estranha sensação do adeus…
As palavras de hoje que cortam como lâminas
Estranha sensação do momento….
As palavras.
Porque falamos?

Gritas-me em torrentes de escrita
Finjo que não ouço os gritos
Mudos
Pelo meu silêncio forçado
Como te queria poder amar com o amor-dos-homens
O amor que tu proclamas de encontro aos teus seios fartos.
Quero-te num amor puro
Mesmo com as lágrimas assumidas rubras…
Quero-te deste e do outro lado de mim
De roda de mim
No amor que o poeta proclama
No amor que o poeta sente…

Chegamos a este sítio do caminho
No cimo do mundo
Onde todos os valentes tem medos
E os amantes se beijam
Ficamos parados, perdidos no desejo.
Quero-te porque me queres
Temos um querer possessivo
Damos as mãos e vamos os dois
Para o outro lado do precipício
Num salto desesperado e único.

SOBREVIVER É PRECISO!…

João marinheiro ausente
São Romão do Neiva 16/06/06

Fotogtafia Google

quarta-feira, junho 14, 2006

PORTO REVISITADO


Esvoaço por entre a floresta de telhados, ou
Desço a rua distraído
Sem me dar conta
Caminho só por entre os ruídos matinais desta cidade grande
Ou no pensamento ausente, perco-me por entre as árvores
Desta floresta cheia de vida matinal
Do chilrear dos pássaros
Dos coelhos que fogem
Das gotas de orvalho que caem das folhas
E me refrescam o rosto
Assim acordo ou dou por mim
E continuo descendo a calçada desnivelada e imperfeita
Desta rua dos Clérigos
E chego à praça ou avenida
E desconheço o lugar por estar diferente
A terra esventrada quais toupeiras
Escondidas em taipais de chapa
“Frente de obra” “Metro” Pedimos desculpa pelo incómodo”…
Progresso matinal neste Porto que reencontro
Ou os caminhos que trilhei
Sempre as mesmas ruas, os mesmos cafés
Lembro o Magestic, as tardes que lá passava
Duas décadas de ausência
Deste Porto revisitado
E de ruas desniveladas
Qual turista
Paro aqui, paro ali. Observo
E sinto o cheiro, e sinto o ruído, e sinto a correria matinal
Os autocarros laranja continuam apinhados sempre em luta contra os horários
As paragens com novo visual continuam com longas filas
Os mesmos rostos sem brilho no olhar
Continuo o meu caminho
Passo São Bento e seus comboios rápidos. Porto – Lisboa – Porto
Comboios das minhas viagens…
Ofegante pela caminhada, chego à Ribeira
Sinto o coração batendo forte, dorido da jornada
E então paro. E então descanso
Sento-me nestas pedras centenárias
Poiso o meu olhar sequioso
Nas águas do Douro e mato a sede do olhar
E imagino-me marinheiro e embarco
Num imenso veleiro de velas brancas
Despeço-me da floresta que povoava o meu sonho ou o meu medo
E parto
À voz do Capitão desfraldo as velas
A Grande, a da Mezena, a do Traquete
Soltam-se as amarras a terra
A brisa, a corrente, afastam o navio do cais
As velas enfunam
Retesam-se os cabos
Rangem as vergas
E vou
Passo a Cantareira
Demando a barra traiçoeira
Sou um imenso navio no oceano
Tomo o Norte
E na bolina de velas cheias
O imenso navio adorna e mete a borda
O sopro da nortada silva por entre os cabos tensos
A proa altiva corta em pedaços de espuma e sal
As vagas altaneiras e ritmadas
Deixei de avistar terra faz tempo
Faz tempo que ali estou contemplado o Douro
E então desperto do devaneio
Ou do sonho e continuo esvoaçando
Nesta floresta matinal de arvores em betão e ferro
Perdido na multidão anónima
Deste Porto reencontrado por tua mão.
João marinheiro ausente
Fotografia Google

sábado, junho 10, 2006

ESTOU EM SILÊNCIO
















Estou em silêncio
De olhos fechados
Medito ou alheio-me do mundo
Escuto a melodia dos pássaros matinais
É a mais bela orquestra tocando nesta manhã de Outono que desponta
Um dia cinza e azul, com chuva miudinha
Faz uns momentos que despertei
De olhos fechados, abandonado ao calor apetecido dos lençóis
Vou adiando a jornada
As horas correm, tenho um intervalo de tempo cada vez menor
Num repente salto da cama que tinha por companhia e parto
Enfrento de novo o mundo e as noticias que escuto na rádio
Acidentes, desastres, tremores de terra, mortes, guerras…
Assim reconfortado, pelas noticias que ouço
Acelero a fundo, de novo em corrida com os traços descontínuos da estrada
Desta estrada rotineira da minha vida presa, e em círculos de volta da memória
E enfrento a obrigação de mais um dia de trabalho
Então despido da armadura que me protege
Sou um imenso operário em construção
Despido de mim mesmo, ou em conflito permanente
Com o operário e o patrão
Ligo a máquina ruidosa
O imenso forno em brasa
O balancé ou o torno. A imensa serra de longos dentes cariados…
O maçarico de corte. E corto de cima a baixo, e separo
As entranhas deste imenso navio que sou
Milhares de tubos, rebites, chaminés, vigias, mastros, e paus de carga
A carga imensa de um dia de trabalho intenso, e de suores frios
Correntes de ar, poeira e fumos. Imensos fumos matinais
Dos cigarros caídos nos lábios roxos
Nas mãos gretadas, calejadas
Nos sulcos das rugas no rosto velho
Na barba cinza por fazer, no desalinho dos cabelos oleosos
No olhar. No olhar parado. Finito no tempo!
O olhar sem brilho, do brilho de outrora
Na sabedoria dos anos que passam
Então convencido pelas evidencias
Sou um imenso operário especializado
Em nada!
E no intervalo da vida, pelas dez e trinta certas ao tocar a sirene, paro!
Sento-me, fico em silêncio
E em silêncio desperto desta nostalgia ou do torpor que me consome
Desta maquinaria imensa e exacta de ruído febris
Das conversas, do futebol, das mulheres dos outros, dos engates…
Desconheço-me de novo, e ando sempre à descoberta de mim…
E deixo o corpo, este de carne e osso e prisão
E então vagueio elevo-me e pairo, bem por cima das cabeças que pensam, dos outros
E escuto, e ouço o que se diz, e concluo
Nem sempre o que se diz é o que se sente, ou a verdade, mas isso é segredo meu…
E assim, possuidor do segredo ou da verdade revelada, compreendo
A falta de brilho nos olhos
Ou a ausência do sorriso
O porquê das rugas
O cansaço permanente
Então maquinalmente, pelo hábito, ou impelido por estranha força
Desligo as máquinas
Paro o torno que girava em contínuo
Ou o balancé, que sempre iguais, cunhava as mesmas peças. Milhares!
Verto a última gota de metal líquido, um bronze para a imortalidade
Do operário ilustre, mas desconhecido
E penso, e olho, e beijo
Estas minhas mãos de operário
Que cansadas, doridas, gretadas e gélidas
Constroem, fabricam ou reparam, as obras-primas, eternas, anónimas
Mãos instrumentais ou apêndices, ou obra suprema da natureza.
Mãos de manualidades empíricas, que abraçam um mundo todo
E que afagam, acariciam, ajudam o filho nos primeiros passos
Vestem, arranjam, alimentam e carregam
Todo este imenso silêncio, nesta manhã
Onde os pássaros entoam uma musica de orquestra à mistura com chuva miudinha
Ou ao domingo, na missa instituída na família, desde os primórdios do tempo
As mesmas mãos pedem perdão a Deus e imploram
E assim famintas desse perdão ou desse amor divino
Sacam do bolso o lenço amarrotado e limpam as lágrimas
Que correm bem por dentro como um rio frio
E transpondo a fronteira do olhar assomam e rolam na face velha
Em mim
Ou
No mendigo que à porta estende a mão e pede esmola. E sem olhar
Entoa uma ladainha repetida, mono silábica domingo a domingo
Cabisbaixo, ausente de si e da vergonha!
Que o século é vinte e um
E à fome, e à guerra!
E eu maquinalmente sem me importar com a sua história
O seu drama, ou a sua vida, ou as suas lágrimas que correm
Saco do bolso a moeda esquecida e de mão fechada
Para que não se veja o gesto ou a quantia
Rápido atiro a dádiva ou a migalha e fico em paz
Comigo, ou com o Deus que observa silencioso o gesto, e o reprova
E parto de encontro ao restaurante
Para me degladiar com as iguarias ou o pecado da gula
Quero lá saber que se morra de fome em Africa!
Ou quero lá saber do mendigo
Assim saciado e farto
Regresso a casa, ao conforto ou ao silêncio
Ou vindo de um dia de trabalho cansado
Lavo as mãos, abandono-me num sofá velho e fecho os olhos
Assim neste ir e vir o dia passa e envelheço
E não querendo já saber de noticias ou de desgraças
Descalço-me, jogo fora as meias que me oprimem os pés
E deixo os sapatos abandonados num qualquer canto
Apago a luz
Despeço-me de mim e adormeço

João marinheiro ausente
Fotografia de Barcoantigo

terça-feira, junho 06, 2006

AMORES MORREM…


Todos os dias morre um amor. Quase nunca percebemos, mas todos os dias morre um amor. Às vezes de forma lenta e gradativa, quase indolor, após anos e anos de rotina. Às vezes melodramaticamente, como nas piores novelas mexicanas, com direito a bate-bocas vexaminosos, capazes de acordar o mais surdo dos vizinhos. Morre em uma cama de motel ou em frente à televisão de domingo. Morre sem beijo antes de dormir, sem mãos dadas, sem olhares compreensivos, com gosto de lágrima nos lábios.
Morre depois de telefonemas cada vez mais espaçados, cartas cada vez mais concisas, beijos que esfriam aos poucos. Morre da mais completa e letal inanição.

Todos os dias morre um amor. Às vezes com uma explosão, quase sempre com um suspiro. Todos os dias morre um amor, embora nós, românticos mais na teoria que na prática, relutemos em admitir. Porque nada é mais dolorido do que a constatação de um fracasso. De saber que, mais uma vez, um amor morreu. Porque, por mais que não queiramos aprender, a vida sempre nos ensina alguma coisa. E esta é a lição: Amores morrem.

Todos os dias um amor é assassinado. Com a adaga do tédio, a cicuta da indiferença, a forca do escárnio, a metralhadora da traição. A sacola de presentes devolvidos, os ponteiros tiquetaqueando no relógio, o silêncio insuportável depois de uma discussão: todo crime deixa evidências.
Todos nós fomos assassinos um dia. Há aqueles que, como o Lee Harvey Oswald, se refugiam em salas de cinema vazias. Ou preferem se esconder debaixo da cama, ao lado do bicho papão. Outros confessam sua culpa em altos brados e fazem de pinico os ouvidos de infelizes garçons. Há aqueles que negam, veementemente, participação no crime e buscam por novas vítimas em salas de chat ou pistas de danceteria, sem dor ou remorso. Os mais periculosos aproveitam sua experiência de criminosos para escrever livros de auto-ajuda, com nomes paradoxais como "O Amor Inteligente" ou romances açucarados de banca de jornal, do tipo "A Paixão Tem Olhos Azuis", difundindo ao mundo ilusões fatais aos corações sem cicatrizes.

Existem os amores que clamam por um tiro de misericórdia: corcéis feridos.
Existem os amores-zumbis, aqueles que se recusam a admitir que morreram. São capazes de perdurar anos, mortos-vivos sobre a Terra teimando em resistir à base de camas separadas, beijos burocráticos, sexo sem tesão. Estes não querem ser sacrificados e, à semelhança dos zumbis hollywoodianos, também se alimentam de cérebros humanos e definharão até se tornarem laranjas chupadas.

Existem os amores-vegetais, aqueles que vivem em permanente estado de letargia, comuns principalmente entre os amantes platônicos que recordarão até o fim de seus dias o sorriso daquela ruivinha da 4a. série ou entre fãs que até hoje suspiram em frente a um pôster do Elvis Presley (e pior, da fase havaiana). Mas titubeio em dizer que isso possa ser classificado como amor (Bah, isso não é amor. Amor vivido só do pescoço pra cima não é amor).

Existem, por fim, os AMORES-FÊNIX. Aqueles que, apesar da luta diária pela sobrevivência, dos preconceitos da sociedade, das contas a pagar, da paixão que escasseia com o decorrer dos anos, da mesa-redonda no final de domingo, das calcinhas penduradas no chuveiro, das toalhas molhadas sobre a cama e das brigas que não levam a nada, ressuscitam das cinzas a cada fim de dia e perduram: teimosos, belos, cegos e intensos. Mas estes são raríssimos e há quem duvide de sua existência. Alguns os chamam de amores-unicórnio, porque são de uma beleza tão pura e rara que jamais poderiam ter existido, a não ser como lendas. E é esse amor que eu quero viver com você, PARA SEMPRE!!


Carta do Pedro para Raquel , Brasil 04.09.05
Fotografia de Barcoantigo

segunda-feira, junho 05, 2006

NOITE DE NATAL


Finalmente reencontrei a tua música
"Two Fingers," do album: Je t`Aime, Je t`Aime.
E deixo-me levar nesta hora do avesso
Em tua busca da memória já escassa
Não consigo lembrar teu rosto nítido
Não sei já quem és aqui presente ao meu lado, gélida.
Esta é, dou-me conta, uma noite fria de Natal.
A neve cai por dentro de nós, unipessoal, e derrete como lágrimas de sal
Inundando os corpos um suor frio e paralisado
Escrevo-te de novo. Não sei se para ti.
Escrevo para mim, desabafo os pensamentos
Ultimamente ando exausto. Comigo, com a vida, com o dia a dia.
Escrever neste momento é uma sucessão de erros ortográficos.
Os dedos frios e perros das artroses…estou velho.
Amei-te.
Desejei-te com uma força tremenda, do tamanho do mundo.
Imensurável minha querida.
Imaginei um amor, novelesco. Portanto puro e belo com um final feliz.
Tudo se resume no momento a uma espécie de sonho
O amor, a novela, e o final sempre adiado na eternidade.
Vou amar-te sempre.
Portanto não se vislumbra um final ainda.
Espero um dia reencontrar-te
E de olhos nos olhos, nesse dia eterno em que o tempo e o mundo vão parar
Naquele lugar quente com o nosso rio em fundo ao sul
E o som das libélulas, e o perfume das laranjeiras, e o vento do levante.
Beijo-te na rua como uma primeira vez, mas não falo comovido.
Vais então solenemente como num acto teatral
Em que és a actriz principal no palco do mundo
Fechar a representação desesperada e última.
Ai sim, nesse momento solene de tragédia Grega
Vais qual Deusa do amor no derradeiro acto
Confessar e assumir a despedida
Do teu amor por mim
Ou da sua ausência.
Ai sim, as estrelas por testemunhas, o vento, e as libélulas frágeis.
Vais arremessar as palavras profanas como dardos em brasa.
E eu atingido bem no peito
Ferido de morte com o sangue rubro escorrendo em rios das feridas abertas
Que tu, qual Valquíria teimas em aprofundar
Deixo-me cair prostrado lentamente, bem à boca da cena deste teatro imenso
Com um grito lancinante de despedida
E o publico em pé aplaude excitado, ébrio, com vivas.
Exultando a tua presença memorial.
Então como artista principal, vais meu amor, numa vénia milimétrica
Distribuir sorrisos, por entre uma chuva de flores
Que caem cortadas, portanto em mortes anunciadas aos teus pés.
Desce o pano por entre aplausos, gritos, e pedidos de bis! Bis! Repetição…
Apagaram-se as luzes
E eu com esforço, limpo a lágrima que teimosa me incomoda a face
E faz brilhar o olhar
Lentamente olho de roda e escuto o silêncio solene
Estou só
Finalmente escutei as tuas palavras meu amor.
Perdoa-me que continue a chamar-te meu amor.
Não era o reencontro que esperava faz tempo, esta despedida ou as palavras…
Vou lentamente para a rua desta cidade grande e fria
É Natal, milhares de luzes, e estrelas no céu negro.
Sinto o cheiro a bolos e a filhoses
Lembro a minha infância. O Natal de outros tempos à roda da fogueira
Lembro e não me importo mais com memórias
Envolvo numa mortalha de linho branco as tuas memórias
E deixo-as repousar no chão frio da neve
Vou trémulo e frágil por esta rua íngreme, em direcção ao rio e vou só
Levo nos ouvidos a tua música que reencontrei esquecida
Escuto ao longe uns acordes suaves.
"Sacré Coeur”…
Adeus.

João marinheiro ausente
Viana do Castelo, Dezembro 2004
Fotografia de Barcoantigo

sexta-feira, junho 02, 2006

PARA TI…




















Que contemplas o oceano
Ou o atravessas vezes sem conta
E sentes a saudade do sol e do atlântico
Que é também o meu sol ou o meu atlântico
Porque sei. Pressinto. Ou sinto
Ou quero forçosamente sentir
Que o atlântico que amas, é também o atlântico que amo.
Ou o olhar que vi em teu rosto e teus olhos
É o olhar que quero ou sonho.
Ou o olhar que escrevi faz tempo
Se cruza comigo, mas do outro lado da rua…
Ou por detrás da janela ou da vidraça com as tais cortinas…
Mas sei agora, porque o confessaste.
Estavas lá! Esperando a partida… Que eu adiava…
Porque olhava a janela errada
Ou o momento estava errado pela surpresa
Ou porque ainda sinto a tua festa no braço…
Ou porque leio e releio as tuas palavras no livro que me ofereceste…
Tu que estás ai desse lado do Atlântico
Vigiando a escrita ou escrevendo, ou sonhando
Ou altas horas da noite pensando
Sonhas. E teu sonho não é mais solitário ou diferente
Porque também sonho e tenho as mesmas perguntas sem reposta
Sabes hoje, porquê, ou esperas saber nos dias que se avizinham
Porque o nosso olhar se cruzou, ou, inexplicavelmente
Ficamos parados olhos nos olhos, e nos revelamos no sonho
Imagina os milhões de estrelas no céu diferentes na imensidão…
Tão perto e distantes. E o mar pelo meio. Imenso. Azul. Frio. Salgado…
Imagina uma estrela cadente, daquelas a que se pede um desejo
Imagina a noite clara Algarvia, perfumada e quente
Confesso que também imagino. E também olhei o céu…
E a estrela que vi em teus olhos, que fitavam os meus
Foi a mais linda estrela cadente a quem pedi um desejo
O desejo de partilha do momento mágico, só nosso
Revelado em segredo. Ou saboreado. Ou escutado
O teu riso. A tua voz. O brilho do teu olhar. O afagares o cabelo…
E dizes… Não sabes o que sentes mas sentes a alegria do sonho
Porque o sonho tem alma ou tem amor e mistério à mistura
Ou tem a saudade da busca eterna e cíclica como eu por vezes digo…
E tu, no meu sonho confesso, à muito que surgiste
Mas por distracção ou falta de tempo, ou outra qualquer desculpa
Não me dei conta. E mais uma vez me tenha enganado
E de novo, tenha olhado a janela errada. Não te vi
Mas continuo ainda com o calor de tua mão em meu braço
Da festa meiga que me ofereceste na despedida
E eu distraído, ou insensível, ou ausente, ou para lá do infinito do tempo
Não quis ver o que o teu olhar me revelava
Ou senti medo de o desejar
Ou porque espero ansioso uma festa, um sorriso
Ou um abraço terno, e sentir teu coração descompassado
Ou o teu perfume único entre milhares de odores
Ou recorda a canção ou a voz que chama e pede:
“ - Volta por favor nas asas do vento meu amor…”
Ou o lamento da guitarra ou a voz do fado
Que o fado é saudade. E eu então sinto saudade porque sinto o fado.
Ou as palavras escritas pelo poeta e cantadas assim
De uma forma estranha



João marinheiro ausente Vila Real de Santo António - Maio de 2003
Fotografia Google

quinta-feira, junho 01, 2006

JUNTOS
















Fecham-se as portas dos sonhos
Foges de ti no escuro
O teu silêncio é companhia
O som do compasso no peito
Diz que vives...
Sobreviver?
A ilusão arrasta-se prematura
Rolam areias no deserto
(...Eu sou deserto, tu és deserto...)
Mil sons ecoam no charco
A pedra está lançada agora
O silêncio do vento afaga nossos corpos
Teus cabelos outrora lindos esvoaçam sem vida
A busca é eterna...
Eterna é a morte e o silêncio
O teu silêncio é companhia
Juntos...
De mãos dadas olhos parados no infinito




(...Tristes...)


João marinheiro ausente - Leça da Palmeira Julho 1983
Fotografia Google