segunda-feira, agosto 28, 2006

O teu regresso...



Lentamente retorno ao sossego dos dias desesperadamente iguais.
Voltaste.
Dizes que voltaste,
e eu não sei se me alegre ou aguarde que te reveles.
Dizes que voltaste.
Demorou a reconhecer-te, vens diferente, distante, mais tu menos eu.
Estranho o que a ausência provoca em nós, uma reacção química complexa o que a ausência filtra em nós.
Deixamos de ser néctar para existirmos como seiva bruta de sabor estranho, ácido que embriaga. Espécie de bagaço de cana que liberta o espírito.
Lentamente retomo aos dias iguais de roda de ti, mesmo que ignores que eu vivo, respiro, ocupo um espaço próprio em mim.
Mesmo que ignores.
Ou finjas.
Lentamente retomo a escrita para me lamentar?
Um lamento parvo, inútil, desnecessário já.
Acabaram os tempos dos lamentos, da escrita sentida. Mas fica uma dúvida, se hei-de lamentar a tua ida com a consequente falta de notícias, ou o regresso que anuncias. Dizes que voltaste.
Renovada.
Diferente.
Mais ácida.
Fico com esse sabor agridoce no pensamento, logo vens diferente.
Não me importo, o importante é o teu regresso mesmo que eu já tenha partido faz anos.
Esperava-te com ansiedade porque a tua ausência fazia tempo.
O tempo que não tenho já meu
O tempo que não me pertence.
Hoje é dia do teu regresso…
João marinheiro ausente
Fotografia Google

domingo, agosto 27, 2006


Ás vezes deixo-me estar afundado neste velho sofá. Desligo-me do mundo. Fecho os olhos. Sonho meio a dormir meio acordado. Então tu chegas. Sinto o teu peso pluma sobre o meu corpo abandonado no velho sofá que me acompanha no descanso. Sinto-te. Fico feliz por estares. Desperto um pouco deste torpor que me tira as forças. Escuto na tv ligada a um canto. Não tinha dado por ela. Uma música do André Sardet. Acordei com as palavras,” …Eu não sei o que me aconteceu. Foi feitiço. O que é que me deu para gostar tanto assim de alguém…”
Sorrio por dentro de mim, o aconchego dos teus seios pequenos no meu peito transmitem o calor gostoso e minhas mãos afagam as tuas costas quentes. Estremeces ao tacto excitada. Beijas-me o pescoço. A tua língua faz maravilhas em mim. Estremeço por dentro como um choque eléctrico. Descarga e oásis de luz.
--Tu sabes! – Tu tentas-me! Gosto-te. Adoro-te. Venero-te. Quero-te! Deixo-me ficar mais um pouco. As forças abandonaram-me e eu descanso. A minha vida não faz sentido sem ti. És a chave. O segredo. O código secreto. A minha ligação à terra. Tu és o cheiro a terra lavrada que se sente molhada nos dias de chuva. Um campo imenso onde os bandos de pardais brincam ao apanha apanha. E ás vezes partes. Partes como os pardais em bandos de emoções. Espécie de andorinha negra que anuncias a primavera poisada nos fios dos telefones velhos que nos guiam as conversas ao destino. E vais. E demoras a chegar. E eu já devia de saber que és assim espaçada como as andorinhas ou os estorninhos, ou um qualquer pássaro migrante. Tenho de me desligar do mundo, morrinhar neste velho sofá quase desfeito para te ter. E ele é como eu, velho, usado, fora de moda. Só eu o uso já, afeiçoei-me a ele, ao seu jeito desconjuntado e frágil. Só assim te sinto já sobre o meu peito. Tu toda por inteiro. Completa. Quente. Gulosa. Adoras chocolate. Tenho pena de não ser um chocolate espesso.
Ás vezes afundo-me neste velho sofá. É assim que fico. Afundado mesmo. O pobre sofá perdeu a força nas molas, desconjuntaram-se. Fecho os olhos, desligo-me. Quem nunca fez uma coisa assim? Quem nunca sonhou? Quem nunca amou? Quem nunca sofreu a saudade?
Aprendi a sentir a saudade ainda não tinha sete anos. Demasiado cedo para carregar este fardo que mais parece um fado. Estranho isto de ser português e sentir a saudade. Dizem que só nós a sentimos, não sei se é verdade. E custa a saudade. Estranha forma de fado-lamento-trinado da guitarra triste dedilhada.
Ás vezes não sou eu aqui exposto nestas palavras que escrevo numa ânsia imprecisa. Tanto que te queria dizer. Tanto! E vivo com tão pouco. Quem nunca ficou assim? Cheio de nadas! As mãos nos bolsos e os bolsos vazios.

Ás vezes persegues-me a memória. Tento ligar tudo a todo o momento. Espécie de processador com não sei quantos gigas de velocidade. Não sei se é assim que se diz? E tenho falhas. Bloqueio. Apago-me. Adormeço. Não sou uma máquina fria, impessoal, feita de microprocessadores e circuitos impressos. Tenho um sangue quente circulando nas artérias, tu sabes disso, és uma espécie de glóbulo branco gigante. Espécie de luz na noite, uma lua em noite de aurora boreal que entra em mim e me faz sentir-te. Gosto de te sentir. Fico vivo, fortalecido. Renasço em ti, como quando me vinha em ti quando fazíamos amor. Sonho com isso. Já não sei distinguir se existe uma verdade. Se fazíamos amor. Se te imagino por desejar-te, por querer fazer amor contigo. Ainda quero! Acho que fazíamos amor. Já não sei o que é o amor?

O amor é fodido diz o Miguel. Não gostava do tipo. Pronto confesso! Passei a gostar. As pessoas mudam. Eu mudei, e acho que tem toda a razão, passei a admirar a sua determinação, a sua escrita critica, sentida.
Estou fodido com o amor que sinto por ti!
Desculpa. Nunca falei mal. Não falo mal, não digo palavrões, mas saiu assim, é assim que me sinto, ou já não sinto nada e continuo fodido e deixo-me estar aqui neste velho sofá que range a cada movimento do corpo. Parece que estamos fazendo amor os dois e o sofá reclama dos movimentos rítmicos. A porra do sofá que está contra mim! E faz barulhos estranhos como que a desmoronar-se de todo de uma vez. É o meu velho sofá onde me deito ao comprido rodeado de pequenas almofadas cor de trigo que me amparam e escudam as traves que já se sentem por o sofá estar completamente afundado em si, espécie de barco só com o casco por fora e vazio por dentro.
Ás vezes. Ás vezes sinto-te em mim, e quando acordo não me lembro rigorosamente de nada. Assim acho que te estou esquecendo mentalmente mas, num passe de mágica, o tal milagre que tenho falado ou imaginado aconteceu. As palavras ficam e surgem umas a seguir às outras nestas folhas em branco no início. Prova de que penso em ti. Prova de que és real e existes em algum momento em mim. Espero acordar deste descanso merecido e mágico e reter-te. Não uma prisão que te prenda. És livre, viva, solta. Retenho-te só aqui no tal mundo redondo, no tal amor redondo que falei um dia. As palavras são um alfabeto finito, feito de símbolos. És um símbolo em mim, caracteres manuscritos a lápis no momento, é assim que te retenho em mim, um imenso alfabeto de letras juntas. Palavras reunidas em redondo à volta do tal mundo fechado onde habito. E o céu por lá é azul, e existe uma ilha só minha, que não a ilha do Farol da minha juventude que essa já não está igual, mas penso que pode ser na minha ilha das Berlengas com os Farilhões a piscarem uma luz na noite para que saibamos que estão lá, e a da Velha aquele pedaço redondo por baixo da ronca que tocava nos dias de nevoeiro, um grito agudo, longo, reconhecível na névoa pelos entendidos e por mim que por ali brincava. Pode ser a Berlenga com o castelinho, o carreiro do mosteiro, ou o carreiro dos cações, ou a quebrada. O Ruço. Um burro infeliz e só… Os sardões, os coelhos, os ratos. Os milhares de gaivotas. As galhetas que na noite parece que falam dizendo repetidamente o numero oito, oito, oito, oito, e a tal baleia que vi um dia a emergir da água pela primeira vez. Podes ser tudo. A minha infância. A adolescência. O primeiro beijo. O primeiro amor. Ou a saudade. No momento és a saudade. A saudade que tenho de ti, e a falta de coragem de ir em tua procura. Deixo sempre que venhas ter comigo quando durmo neste velho sofá. Nunca gostaste dele. Dos barulhos estranhos que fazia como que a lamentar-se de ti, da tua falta de carinho por ele, da tua falta de festas a ele. Só a mim me reconhece. Só ele me acompanha noites a fio. Os dois juntos e uma garrafa de whisky que fui esgotando aos poucos com gelo. Passou tanto tempo. Não importa. Estava dormindo e estavas comigo e o milagre aconteceu. Ficam as palavras a ti…

Hoje já não te quero. Estou curado de ti. Não te amo já. A revelação é simples e branca como a neve. Fria como o gelo. Já não estás! O mais sou eu a tentar enganar o sangue nas artérias, a desviá-lo do coração para que ele desfaleça e te renegue. Renegando-te nego-te. Negando-te não existes. Não existindo tu fico eu só.
O amor é fodido!
O Miguel tem razão.
Estou fodido!

João marinheiro
Praia de Fornelos , Agosto de 2006
Fotografia de Barcoantigo

quarta-feira, agosto 23, 2006

Vês a gaivota que vem ao sabor da brisa húmida de norte. Vês?
Trás as asas do desejo. Já passou o porto de abrigo, o porto onde repouso da viagem e retempero as forças, saro as feridas.
Pedes-me que parta de novo...
E eu vou, uma viagem pelos sentidos com o sentimento à flor da pele. Já não vou só, deste-me a mão. Ensino-te os caminhos, o lugar das coisas nos seus sítios, aprendes a sentir a alma do velho barco... E eu estou lá em cada ranger das tábuas, em cada roçar das velas pelos brandais...Ensino-te a pegar no leme, a olhar a agulha, traçar o rumo, perscrutar o horizonte, ver nas nuvens o anúncio de borrasca, nas andorinhas do mar o aproximar de terra. Aprendes a amar o meu mundo azul e os temporais, as calmarias imensas. Somos de novo crianças, corremos na beirada da praia, apanhas estrelas e conchas vazias que guardas junto ao coração. Faço barcos das cascas de pinheiro que partem, e eu vou junto vogando nas ondas...Chegas-te a mim, e então retorno ao porto de abrigo. Dás-me a mão, continuamos sorrindo, a gaivota perde-se no horizonte...
(…Escrevo porque me inspiras...)

quarta-feira, agosto 16, 2006

Não sei se eras tu?


Não sei se eras tu?
Fiquei a tremer por dentro porque não estava preparado para te encontrar. Não sei se eras tu. Queria que fosses mas não ganhei a coragem suficiente para aceitar uma rejeição tua ou o fingires que eu não existo. Por isso não me aproximei. Agora fico na dúvida. Eras ou não eras? E isto consome-me. Estou já habituado à ausência. Haja o que houver. Eu sei que não voltas. Eu sei na plenitude do sentir. Tento substituir-te, mas são enamoramentos precoces, ninguém é como tu porque és una e omnipresente em mim. Espécie de hera trepadeira que ganhou raízes por fora e dentro do corpo. Ninguém está ao teu nível. Eras, foste tudo. O resto são tentativas ou aproximações a ti. As imagens são sempre difusas. Só tu és perfeitamente visível mesmo na noite cerrada nas minhas navegações mar adentro, só a ti te sinto na brisa ou no vento forte da tempestade que fustiga as velas, retesa os cabos, abalroa o casco deste meu velho veleiro onde aprendeste a ser marinheira…És a brisa da manhã, o sol que nasce, o calor na pele, e eu aqui sozinho navego aproveitando a tarde quente, o vento de norte que me afasta de ti. Nada mais que uma viagem que me afasta de ti. Nada é já urgente, fora a angustia que sinto por dentro, e me faz ficar confuso e triste. Percorro um oceano imenso em tua demanda, e não tive a coragem de me aproximar a ver se eras tu efectivamente. Tem coisas para que um homem não está preparado, e eu não estava no momento. Agora estava, mas estou de novo longe. Navego rumo ao sul, sopra um norte fresco, aproveito o embalo bonançoso, o balançar ritmado do meu companheiro barco de viagens e escrevo-te de novo. Esta é a minha libertação de ti. O meu fantasma que habita por dentro e me faz ser assim, o olhar cansado, distante. O corpo sempre ausente insatisfeito. Vou só que é como costumo navegar, em solitário, o mar e eu sobre um pedaço de madeiras com alma o meu barco-antigo. Recordo-te ao meu lado junto à roda do leme no início em que tudo era estranho para ti, a novidade, a emoção, o quereres dominar o vento e o mar, aprendeste depressa que o vento e o mar não se dominam, são livres, fortes, amigos ou inimigos implacáveis sem compaixão. Aproveitamos o melhor de cada um, num respeito mútuo, nunca, mas nunca em momento algum os podemos subestimar, ou ultrapassar os limites sob pena de sermos engolidos pela sua fúria, a sua força. Subestimei-te também a ti, eu que sou um marinheiro habituado a ver ao longe, a entender os sinais do mar, das nuvens, dos pássaros a caminho de terra. Perdi-me de amores por ti a assim perdido deixei de ser eu para tentar ser tu, e isso não é um caminho seguro, de bons resultados, não podemos ser outro no amor, temos de ser nós, verdadeiros e unos. O amor é partilha, igualdade complemento um do outro. São precisos dois para amar lembras. Para amar na plenitude, assim é sofrimento porque é um amor sem eco, silencioso utópico, platónico. Sei lá as palavras para te explicar o que é no momento ou o que sinto. Já não te importas. Já não vale a pena. Mas gosto de pensar em ti, nos meus momentos de fraqueza em que me sinto a sucumbir, a fechar os olhos, busco-te com o pensamento e tu vens. Poderosa. Diáfana. Sublime. Transbordante de amor. E todos os meus males, os pensamentos negros, as dores, tudo desaparece e eu renasço em ti de novo fortalecido porque te amo e o amor é imortal. A sorte que tenho de te ter a ti como mulher feiticeira ou deusa que povoas os meus sonhos, os meus pensamentos, acalmas os meus temores, ajudas a vencer os medos e as fúrias dos ventos, a força do mar. Um dia regresso definitivamente a terra. Encalho o barco numa ilha distante, só nossa e venho embora. Irei em tua demanda. Irei. Chego tarde eu tenho a plena consciência disso. Demasiado tarde para mim, para ti, para nós. Nunca é tarde para o amor é tarde para amar o que é diferente do amor. Amor é o que sinto por ti, não sei é já se te amo. Pronto! Confesso que te amo ainda, que me fazes falta, que me sinto só. Incompleto. Amor é isso. Uma palavra forte, plena sentida, grande, redonda. O amor é redondo! Volto sempre para ti! As voltas que o mundo dá em mim…O meu amor é redondo!
Não sei se eras tu? Estavas de costas do outro lado da rua. Olhavas a montra, andavas às compras. Os sacos nas mãos denunciavam isso. O coração disse-me que eras tu, eu é que não quis acreditar no que os olhos viam e o coração dizia. Continuas bonita. O cabelo perfeito sobre os ombros. Continuas uma mulher plena. Os anos não passam, passo eu apressado.
Hoje é dia de Assunção dia de festa, 15 de Agosto. Durante uns anos, muitos, lembro que era dia de carregar o andor na procissão, tradição da família que se perdia nos tempos. Hoje já não. A família dispersou. Morreu a avó, acabaram os laços. Acabou a casa. O andor lá vai, aos ombros de anónimos…Desde miúdo que lembro isso, nunca te contei, a minha ligação à tradição da família, ao religioso, à fé demonstrada no sacrifício de carregar o andor mais pesado por quilómetros sob um sol quente, as costas a cederem pelo peso e o esforço para chegar ao final e recolher de novo para o ano seguinte, hoje nem lá vou, abandonei a terra o santo a capela.
Lembro também a festa na Póvoa na igreja junto à minha casa na Lapa a imponência da bênção aos barcos todos engalanados com bandeiras e as sirenes a tocarem em agradecimento ao santo protector de cada um. Sr.ª das Dores Sr.ª da Bonança, Sr.ª da Assunção, São Pedro, São José, Sr. dos Navegantes. O santo particular de cada um. Até estremecia o coração tal a emoção que se sentia nesse tempo, o respeito instalado enquanto o padre Telmo fazia a homilia da bênção e os foguetes durante uma hora troavam no céu. Único e assustador também.
Hoje não vou a esses lugares da memória, deixo-os dentro de mim como os senti, para não serem maculados com a globalização do progresso. Nem sempre o melhor progresso, coisas de cada um…Tu sabes que eu gosto das coisas antigas, das tradições que se perdem. Tu sabes que gosto do mar. E o mar é um sacrifício para o pescador. Os naufrágios que assisti. Os amigos que se foram… Tu sabes porque muitas vezes te falei nisso. Acho que ainda te lembras. Se não te lembrares já não faz mal. Não será importante em ti. E estas são recordações tristes, portanto esquece o que te disse ou o que desabafei contigo nos nossos serões junto à lareira ou nas navegações que fizemos juntos… Gostava de te ver com a minha camisa de xadrez e a minha boina basca na cabeça e os cabelos em cachos sobre os ombros ao vento quando vinhas ter comigo pela manhã e fazias durante um tempo o quarto ao leme, gostava de contemplar a tua atenção à agulha a corrigir os desvios por força das vagas pequenas a saltitar por sobre o mar imenso. As saudades que tenho da tua companhia a bordo. Acho que o barco nunca mais foi o mesmo sem ti, perdeu a alegria deixou de ser altivo e dócil ao movimento do leme. Envelheceu junto comigo. Precisa de uma reforma profunda desde a quilha ao convés…Está pesado e cansado de tantas milhas náuticas. O tempo agora é imenso, custa a passar, as noites são longas, as vigias penosas, faltas tu a bordo e o barco dá-se conta da tua falta. O barco tem alma. A alma da gente. Não sei da tua?
A minha perde-se na ardência deixada na esteira…
Lembro um poema, acho que nunca te falei que gosto de ler poemas, no entanto agora escrevo-te, não sei se algum dia vais ler o que escrevo para ti, não sei se serão poemas algumas das palavras a ti dedicadas, sejam o que forem, o importante é que são sentidas porque saem de dentro como a água das entranhas da terra pura. Portanto são puras as minhas palavras a ti porque saem de dentro de mim onde a poluição ou a contaminação não chegou ainda. E lembro um poema. Nunca te tinha falado nos poemas que gosto acho, mas deste gosto e quero partilhar contigo, não sei se conheces o autor, Hamlet L. Quintana e diz assim:

…Ninguém tem o rosto da minha amada
Um rosto onde os pássaros
Distribuem tarefas matinais.
Ninguém tem as mãos da minha amada.
Umas mãos que se aquecem ao sol
Quando acariciam o pobre da minha vida.
Ninguém tem os olhos da minha amada.
Uns olhos onde os peixes nadam livremente
Esquecidos do anzol da estiagem,
Esquecidos de mim que os espero
Como o antigo pescador da esperança
Ninguém tem a voz com que fala a minha amada.
Uma voz que nem sequer roça as palavras
Como se fosse um canto permanente.
Ninguém tem a luz que a rodeia
Nem essa ausência de sol quando se abisma.
Às vezes penso que ninguém, mas ninguém, tem isso tudo,
Nem sequer ela mesma.

Gostas?
Eu gosto deste poema por isso hoje me apeteceu partilha-lo contigo.
Porque ainda estou na dúvida se eras efectivamente tu que estavas na rua ontem. Pena que eu tenha vindo a descer e tu estivesses do outro lado. O coração diz que sim que eras tu, mas o coração já diz coisas estranhas, sente coisas estranhas, está estranho. Vou estar atento agora e subir a rua Formosa do lado onde estavas, quem sabe o destino não me prega uma partida e tu está lá de novo. Agora vou estar preparado, eu acho.
Mas verdadeiramente não sei se eras tu.

João marinheiro ausente
Praia de Fornelos 15/08/06
Fotografia Barcoantigo

sexta-feira, agosto 11, 2006

Cheguei agora...


Cheguei agora. Aproveito a inspiração para te escrever. Ou porque me dou conta da tua falta em mim. Não me livro disto. Já viste o que significas em mim. És como uma árvore de folha perene. Uma espécie de carvalho secular e viçoso em mim. Nunca sei de ti, dou-me conta que nunca sei de ti. Acho que invento as coisas. Invento-te todos os dias manhãzinha ao acordar. Invento-te quando conduzo, principalmente quando conduzo. Acho que já te falei nisso mais do que uma vez, nos meus pobres poemas/desabafos, os monólogos que faço com a estrada pensando que és tu que ao meu lado dormitas, enquanto eu atento à condução acelero numa corrida desenfreada com a estrada e a máquina que conduzo. Tento sempre chegar a tempo e tu que vais comigo não te importas da minha aflição ao chegar. Estou só. Por isso acho que te invento todos os dias.
Todos os dias são bons para dizer que te amo. Todos!
Mesmo nos dias em que o sol não brilha, ou nos dias de hoje em que o fumo dos pinheiros que ardem invade o céu. Mesmo hoje em que as labaredas iluminam a noite e os bombeiros extenuados fazem mais um esforço hercúleo para deter a besta ou adiar o reacendimento. Estamos a ficar doidos todos? Eu fico. Eu estou porque te invento. O meu amor por ti, a tua ausência. Já viste, se é que te importas, que te falo sempre da tua ausência em mim. Que semente deixaste em mim? Que espécie de doença progressiva e duradoura é esta? Que queres que faça mais? Um anuncio na Tv? Nos jornais? Via satélite pela Eurovisão a dizer que me fazes falta, porra! Mas todos os dias são bons para dizer que te amo. Todos! Tens a dimensão do que te confesso em ti?
Sei que tudo isto é uma mistura já, um misto de ficção e realidade. Eu não existo, tu não existes, sobrevivemos os dois.
Ficam para a eternidade os teus lábios nos meus, a tremura do teu corpo colado ao meu, o teu abraço, as noites pela beira mar sob as estrelas, as promessas mútuas sempre que uma estrela cadente fendia o céu com um risco de luz.
Ensinei-te a ler nas estrelas lembras? A encontrar o norte na estrela Polar. A vires comigo mar adentro navegando. A sentires o alvor da manhã, a brisa fresca de levante. A saberes noite dentro pelas luzes que brilhavam em relâmpagos precisos, os faróis em terra. A traçares os rumos na carta. Fiz de ti uma marinheira, e tu foste então, não sei se de barco se de outra forma qualquer. Largaste as amarras que te prendiam a mim, voaste como uma andorinha-do-mar. Não estás faz demasiado tempo. E o tempo, o meu tempo torna-se escasso para te dizer tudo o que sinto, porque me sinto sem forças para o confessar ainda meu amor. Perdoa dizer-te desta forma: - Meu Amor. Serás sempre na eternidade o meu amor. Eu é que já não sou o teu, consequência do progresso ou dos dias aziagos.
Cheguei agora de mais uma extenuante viagem, centenas de quilómetros onde me saciei de ti, da tua memória, os meus monólogos a ti, (já não navego sabes, aos poucos despeço-me do mar com saudade...). E porque as palavras me vão com uma impressionante rapidez da memória, vim a correr escrever-te para que lembres se um dia leres, (se não leres já não faz mal, já me habituei ao teu silêncio ensurdecedor), mas se um dia leres estas palavras, vais recordar e quem sabe, sentir um enternecimento no peito, e então lembrares que este que te escreve ainda, continua a dedicar-te as memórias e a chamar-te de amor que é isso que és ainda, o meu amor eterno, a minha eterna namorada de todos os dias, mesmo aqueles em que me sinto mais desfalecido, mais doente, mais velho, mais a abandonar o barco num imenso naufrágio. Então tu apareces vinda do nada e estás dentro de mim, na minha memoria, sinto o teu perfume inconfundível, o sabor dos teus lábios, sei a cor do teu batom, o teu sorrir, o sorriso que me ofereces, o sol do teu olhar. Fico reconfortado, renasço, ganho as forças que me dás e vou de novo para a luta que travo diária. Não ganho a guerra, mas vou ganhando pequenas batalhas que me mantêm vivo. E vivo porque te amo essa é uma certeza. Se existes já não sei, porque tudo se vai tornando cada vez mais distante, confuso, distorcido. Confesso já não consigo lembrar teu rosto assim nítido a sorrir para mim. Tenho de fechar os olhos e abstrair-me deste mundo apressado para te rever na quietude amena dos dias claros. Confio no coração para que ele me alerte e diga se um dia te encontrar pelo Porto na Cantareia, por Vila Real ao sul junto ao Guadiana na foz, ou numa rua qualquer em qualquer lado, o importante é que apareças e que eu esteja lá para te ver. O importante é isso mesmo. O importante és tu. Eu sou uma mera memória presa a ti.
Hoje era isto que tinha para te dizer, são as palavras que me ficaram a bailar no pensamento das tantas que te dediquei hoje nas centenas de quilómetros percorridos, nas horas ao volante como uma violência de esforço. A minha memória atraiçoa-me. A vista foge-me já. Sabes uso óculos para ler, acho que nunca te tinha dito isto, é a ternura da idade diz o médico e eu acredito. Fico com o corpo velho aos poucos…
Agora vou, e vou reconfortado porque te escrevi de novo estas poucas e frias palavras porque não transmitem o que sinto, porque o que sinto não se explica por palavras, sente-se no peito. Revela-se no olhar. Escuta-se na alma. A minha está em ti, e a tua?
Abraço-te do modo que gostavas e imagino-te a sorrir.
Agora vou porque me sinto terrivelmente cansado.

João marinheiro ausente, Agosto/ 2006
Fotografia de Barcoantigo

terça-feira, agosto 08, 2006

Como uma borboleta te recordo...


Nunca exististe para alem do desejo que eu tinha em que fosses real no tempo. Exististe durante um breve momento como as borboletas. Como elas eras fantástica. Perfeita. Gostei de ti, mas foste breve. Como as borboletas. Não sei em que te transformaste. Durante uns tempos sempre que via no céu um avião pensava se vinhas dentro de regresso. Fugi sempre à tentação de ir ao aeroporto esperar não sei bem o quê. Se disfarçada de borboleta virias? Mas se viesses. Ou se eu ganhasse a coragem de ir mesmo sabendo a desilusão que seria. Se viesses eu saberia que vinhas. Porque te reconheceria no meio da multidão apressada. Das malas. Dos abraços. Dos beijos. Dos presentes. De certeza que chegaria tarde, que outro ocupa em ti o lugar que nunca foi meu. Chego sempre tarde, um atraso inexplicável. Desde pequeno que me atraso no tempo. Lembro a propósito um dia que me atrasei para ir à cidade grande com o Pai, escutei o silvo do comboio a vapor ao partir e eu estava longe ainda, na Praça do Almada. O que eu corri. Fiquei com o cheiro a carvão nas narinas e o fumo branco do vapor a dissipar-se no ar. Acho que nunca te falei destas minhas memórias de infância, não tivemos tempo para falar de nós. As borboletas têm a vida curta. A tua vida em mim foi um esvoaçar de asas.
Ás vezes tento substituir-te mas não existem borboletas iguais.
Tu foste única no desenho de tuas asas. O brilho do teu olhar. A suavidade da tua pele. O perfume do teu corpo. A tua nudez. O calor do teu abraço é único. Não volta e eu sei disso. Cheguei atrasado a ti.
Volto ás memórias de infância, assim renasço e pode ser que o tempo pare e te encontre novamente. Existe a remota possibilidade, ou um milagre. Pode ser um milagre, não me importo que seja mesmo não o crendo. E tu rompes da crisálida e vens de novo ao meu encontro e eu estou cá de braços abertos e coração arrítmico. E continuo a amar-te porque o tempo passado não existiu e existe a partir do momento em que os meus lábios encontram os teus. A partir do momento em que os teus olhos fitam os meus olhos e tuas mãos me agarram, as minhas mãos tão vazias de ti. Espero que exista o milagre! Volto às memórias. Estou atrasado eu sei. Já não reconheço a estação da Póvoa…
Houve um tempo em que existiram comboios a vapor na minha infância, neste tempo distante gostava dos atrasos, a falta de pressão na máquina para chegar a tempo à Trindade. Cinco minutos já eram um tempo a mais de viagem que adorava. Gostava tanto dos comboios a vapor. Lembro que chorei pela sua perda quando li no jornal que tinham feito a última viagem na linha da Póvoa. Tudo acaba…tudo é breve… tudo esquece.
Somos pequenas borboletas voando minha querida. Como uma borboleta te recordo. E hoje o comboio é eléctrico e chama-se Metro, e eu não sei porquê? Mas também não me importo com ele, porque não é o comboio da minha infância…

João marinheiro ausente, Agosto de 2006
Fotografia Google

quarta-feira, agosto 02, 2006



Não estás!
Hoje não estás comigo, e eu por não te encontrar ando novamente de roda das palavras para te dizer o quanto és importante em mim. Não estás. Tardas. E a tua ausência já não sei se me dói ou se me habitue a ela. Guardo-te comigo nas palavras. Hoje fui comprar livros, muitos livros, para aprender as frases bonitas na moda. As palavras que lés de não sei quais os autores, e vou desfolhando os livros e lendo e relendo. Paro aqui, paro ali. Penso. Esta passagem com certeza que gosta, é bonita, sentida, grande no voar. Como gostaria de te dar a mão e voar contigo, para um outro lado só nosso, feito de miríades cores. Árvores perfumadas. Magnólias. Não sei se te disse que gosto das magnólias, ficas a saber. Como gostaria de te abraçar. Perder-me na tua cintura, os meus braços como asas de um condor imponente, e voar. Mas tu tardas! Nem sei já se algum dia virás ou tudo não passa de uma fantasia minha, sei que não é um sonho porque estou acordado aqui esperando que chegues. A porta está semi fechada, e tenho a luz acesa para que saibas que estou em casa à tua espera. E tu tardas. Não sei se sabes mas tardas hoje. Logo hoje que eu queria dizer-te uma palavra importante. Logo hoje.
Olha, enquanto não chegas vou escutar umas músicas do Joaquin Tabuada, de um Cd que comprei um destes dias, do qual gosto muito, não sei se te disse já, ou se conheces o músico. Entretanto também folheio os livros, os livros que ando a comprar para me enriquecer de leituras. De palavras. Porque não sei as palavras bonitas que escreves nas tuas cartas, e lembro. Já não me escreves cartas. Dou-me conta da sua falta em mim, as tuas cartas, espero que não seja nada de mais grave que não um esquecimento ou uma falta de tempo. Que eu sei és muito ocupada, por isso te encontro sempre de fugida. Costumas fazer uma visita de medico. Dizes a brincar. Tenho de arranjar uma doença bastante grave para que demores a consulta, quem sabe assim podes ficar mais um pouco comigo.
É quase meia-noite e não chegas ainda, e tenho sono, sinto o corpo cansado, e tu por onde andas? Não sei se continuo ainda a esperar-te. Nem sei se vale a pena. Mas tu és mesmo assim, uma mulher misteriosa, envolvente, quente. Não sei o que vi em ti ou tu em mim. Em ti eu sei o que vi, claro que sei. A paixão, o desejo, o proibido apetecido. Claro que é isso, agora tu? Que raio valho eu, um velho ridículo nas ideias, desajeitado no trato. Que valho eu? Nem sei. Sei que espero por ti diariamente com a luz acesa da sala, a minúscula sala onde me lês os livros que trazes e eu te sirvo um chá naquele serviço velho e frágil de porcelana chinesa, com as tais bailarinas que sorriem para nós quando sorvemos o chá, gosto de te ver sorridente aquecendo as mãos, as tuas mãos pequeninas ao redor da chávena, bebendo em pequenos sorvos o chá fumegante. Sei preparar umas boas infusões de chá, isso eu sei. E acho piada, em pleno verão um calor sufocante e tu a beber o chã e a aquecer as mãos na chávena, dizes que assim te sabe melhor. Gosto de te olhar assim. Dou por mim com o olhar perdido em ti. Dou por mim a imaginar-te minha. Como seria beijar-te, dar-te a mão. Dou por mim…
-E não chegas! Fico preocupado, sabes. O chá esfria.
Logo hoje que te queria dizer uma palavra importante.
Não faz mal, tenho de me habituar à tua ausência. Vens quando te apetece, quando queres aquecer as mãos e saborear um chá. Quando te apetece ler uma passagem que achas bonita num livro que estás a ler. Obrigado por vires.
Acabou a música no Cd, vou colocar a tocar de início, tenho ainda a ténue esperança que voltes. O chá está frio já. Faço outro se vieres. Mas tu tardas.
Acho que já não te vou dizer nada. Acho que foste embora mesmo.
Não estás!

João marinheiro ausente 02/08/06
Fotografia Google