terça-feira, outubro 31, 2006

De barcos e de outras memórias...

...e ficamos aqui moribundos
a morte entranha-se em nós
leva-nos a alma e as memórias
pobre o país que assim trata o seu património...

Fotografia de Barcoantigo


terça-feira, outubro 24, 2006

A tua janela

…E eu perco-me nos dias de chuva miudinha.
Olho a tua janela, e as gotas escorrem como lágrimas...
Porque tens cortinas novas? Assim não te vejo nunca
E fico resumido a um vulto na noite à esquina da rua onde moras...
Ás vezes vejo-te no meio da tal chuva miudinha, é uma chuva de verão esta.
Tem que ser.
Porque ao teu lado caminha o arco-íris e tu volteias qual bailarina em pontas.
Então a rua amanhece e eu vejo-te à janela...

domingo, outubro 22, 2006

Divagação de ti…


Na minha cabeça passam muitas histórias ao mesmo tempo. Chamo-lhes histórias para não dar outro nome qualquer. A minha cabeça já não é o que era antigamente.
Ás vezes deixa-me ficar mal. Está a deixar-me ficar mal muitas vezes seguidas. Ou então sou eu que confundo as histórias e as omito ou as guardo. Uma espécie de cofre com chave e código secreto de alta segurança. Tanta que até eu me perco da história ou a própria história não existe fora da minha cabeça.

Mas hoje estou feliz. Soube de ti. Porque me parecias já, mais uma história na minha cabeça e não quero que sejas. Pelo menos tu. Não quero que sejas mais uma história na minha cabeça, daquelas a que nem eu já tenho acesso. Porque a minha cabeça já não é o que era dantes. Acho que entre o dantes e o agora presente em que soube de ti, e te escrevo, se passou alguma coisa. Alguma coisa que está dentro de mim escondido. Mas é culpa da minha cabeça mesmo, eu acho, porque já não sei o que é, mas se passou. Os anos passam. Os dias passam. As horas passam. Os minutos passam. Acordo e adormeço todos os dias, e as historias, ou serão estorias? Não sei. Qualquer coisa se passa, porque a minha cabeça regista e depois guarda e depois eu já não sei onde ficou guardado e fico aflito.
Por vezes tudo isto é uma espécie de filme. Eu estou no cinema. No ecrã passa um filme com som surround, efeitos especiais. Luz, cor. E tu estás lá. És a personagem principal. Adoro a tua interpretação. Venero-te. Admiro-te. E tu estás lá. Eu é que sou anónimo e mero espectador. Nem te posso oferecer um ramo de flores. Nem posso esperar um autógrafo à porta do teu camarim porque és uma artista de cinema. Ainda se fosses uma artista de teatro. Tinha a remota possibilidade de ir aos camarins e descobrir o teu nome na porta em letras douradas, ficar esperando para te oferecer as tais flores. Seriam rosas vermelhas. Gosto delas vermelhas porque significam paixão. Mas assim não sou capaz. Volto à minha cadeira na sala escura deste cinema onde te contemplo. Agora estou a escolher a sala, a minha cabeça processa a informação que existe como um computador. É mais lenta porque é antiga, do tempo das válvulas. Pesada portanto, em contradição aos modernos portáteis com não sei quantos gigas de velocidade e uma memoria de dúzias de elefantes pelo menos. Definitivamente eu não sou assim. Ouço Brel no momento, não vem ao caso, mas ele é ainda mais antigo que eu e canta, coisa que eu não faço. Canta e eu escuto as suas palavras e deixo-me ir na sua voz. Sou um apaixonado pelas canções francesas, gosto da sonoridade da Edite, do Leo, do Brel, sei lá. Gosto. Não se explica. Sente-se.

Ainda estou a processar a informação que tenho escondida no cérebro. Escolho a sala de cinema. Socorro-me das minhas memórias, dos meus tempos de cinéfilo. Acho que devo escolher uma sala emblemática para te contemplar no ecrã. Mundial, Monumental, São Jorge, Tivoli, Lettes, Batalha, eu sei lá. Algumas salas já não existem, outras são centros comerciais outras não sei o que são. Olho-te então numa pequena sala estúdio intimista, com as paredes a negro. Umas luzinhas vermelhas nos degraus e números a branco brilhantes, espécie de marcas de uma pista de aviação de emergência. As colunas estão dispostas ao redor em 5.1 este moderno sistema já ultrapassado pelo 7.1 ou outro que surja por ai. E a tua voz, o teu riso entoam por dentro dos meus ouvidos em ondas sonoras que são vagas de um mar ora calmo ora violento, e eu como sou um homem do mar sinto-me como em casa, não interessa a tempestade ou se hoje chove. O teu riso, a tua voz, são o alimento para os meus ouvidos. E o teu rosto, o teu olhar não tem explicação. Como eu costumo dizer existem coisas que não se explicam, sentem-se. Não gosto de te explicar, gosto de te sentir o que é verdadeiramente mais reconfortante. E esta sala não existe.
Estou ainda no cinema. Alheio-me do enredo do filme, só de ti quero saber, espero que dure mais de quatro horas, numa realização do Manuel Oliveira pelo menos. Assim tenho tempo de me abarrotar de ti, de saciar a vista. Conhecer a tua arte de representar. Espero que possas sair do ecrã e vires então sentar-te à minha beira a assistir ao resto do filme. Sabes, já vi isto uma vez no São Jorge, um filme do Woody Allen: Star dust memories, se não me falha a lembrança. O artista principal saiu do filme e foi uma confusão. Também me lembro de uma outra história passada na Fuzeta no cinema Topázio, mas não vem para o caso esta lembrança.

Vês! A minha cabeça a misturar as histórias. Já não sei onde ia eu. Tenho de parar e fechar os olhos uns momentos para que regresses. Espero que regresses, porque eu confesso que não sonho, pelo menos a dormir. Descobri um mecanismo em mim que se desliga completamente. Fico ausente. Por isso sou um marinheiro ausente. Por vezes dou-me conta que ando ausente mesmo acordado e não me apercebo das coisas diárias. Os testes nucleares na Coreia do norte, os assassínios dos jornalistas na Rússia, os massacres em África, os atentados suicidas em Israel, os Palestinianos à pedrada uns contra os outros, uma espécie de intifada santa portanto eterna como o Cristo. As mortes no Iraque, os atentados no Afeganistão, a loucura do Bush, espécie de Deus moderno e visionário. As mentirinhas do nosso primeiro-ministro. O Portugal cada vez mais pequenino que somos. Uma espécie de monarquia ibérica que querem que sejamos e se calhar tem razão. (Afoguem os velhos do Restelo todos de uma vez. Afundem as caravelas e as naus que partiram do Tejo à descoberta do novo mundo, porque já não existem a não ser na memória. Esqueçam a língua porque ela pertence à Galecia portanto não é nossa…) Ás vezes ando ausente, mas acho que é uma espécie de protecção pessoal, um anti vírus que aprendi dos computadores. E já me desviei de novo de ti. A minha memória é assim como um vento que se desvia ou como um rio selvagem em busca da foz. Como já não temos rios selvagens não encontro nunca a foz e ando meio perdido para não dizer ausente.

Pronto acabou o filme. Foste embora. Agora sei que te posso encontrar numa sala de cinema qualquer, daquelas onde se comem pipocas e se bebem coca colas ao verdadeiro estilo americano enquanto no ecrã se desenrola a trama da vida. Gosto destas coisas modernas e vazias. Quando abandono a sala nem sei já o nome do filme, mas isso é um defeito meu, não do filme. E tu? Tu não és um filme ou és? E tu? Olha as histórias que invento para te fazer esta pergunta simples. Tu quem és?
Gosto tanto de ti nos momentos breves em que sorris. Gosto tanto de ti quando sei que me esperas. Eu é que nunca chego. E invade-me uma tristeza difícil de explicar por palavras porque é uma tristeza interior que não sinto em palavras. Mas passa como passam os dias e os anos e as horas ou os minutos que antecedem as horas, ou os segundos que antecedem os minutos. A vida é um anteceder de coisas que acontecem no futuro próximo, porque no presente estou eu e tu és a minha estoria presente, para a qual ainda não encontrei um final feliz ou uma continuação capaz de te prender ao guião. É difícil portanto este meu papel de artista das palavras, não poeta, que não o sou, mas criador de palavras, criador de sonhos, porque tenho já a plena consciência que as palavras que escrevo não são meras palavras, encontram sempre o tal porto de abrigo no coração de quem lê e sente o que elas querem dizer, mesmo que não digam ou passem só, de uma simples criação especulativa do cérebro em movimento atando as pontas das histórias que sucedem, construindo assim uma espécie de rede onde vão emalhar os sonhos misturados com os peixes cor de prata.

Hoje soube de ti. Coisa breve. Um relâmpago da memória. Não és uma história inventada. Invento a tua ausência para te sentir próxima, isso invento, porque não te posso ter por perto. Mas também não tem importância, isso. Assim posso criar a tal obra do artista, uma espécie de escultura perpétua no tempo. Chamo-te de minha deusa, parece uma coisa pagã. Minha deusa. Mas não é. Não sei ainda é outro nome para denominar esta escultura. Dou-me conta que não precisas de ser real. Dou-me conta que não precisas de ter um corpo físico belo e perfeito, preciso só que existas em mim, a minha criação de artista e assim posso dedicar-te os meus pensamentos, as minhas palavras, a minha admiração silenciosa, o meu querer, quando fecho os olhos na esperança que chegues e me faças uma festa no cabelo, ou me brindes com o teu sorriso maravilhoso, ou me olhes de olhos nos olhos, o teu olhar que mais parece o sol. Perdoa-me o não olhar-te de frente, de olhos nos olhos, é que o sol é muito forte e a minha vista já começa a dar sinais de fadiga, tenho que a proteger com uns óculos grandes, escuros para que tu ao fitares-me, não possas ler e assim saberes o que o meu olhar revela e eu por timidez não tenho a coragem de te falar. Escrevo-te. É outra forma de te falar. Escrevo-te e as palavras escritas ficam. Se guardares as folhas onde escrevo, se fizeres um print como se diz agora, ficas com as palavras escritas, porque as palavras ditas quando se soltam pertencem ao passado e são breves, escassas, por vezes têm um eco que se prolonga por segundos, mas para isso teria eu de estar a chamar por ti num vale propicio a essa faculdade para o eco se propagar. Como de certeza não te encontro num vale, não te chamo, fica em mim essa dúvida. Se existes também num vale montanhoso onde eu te possa buscar. É mais simples e menos cansativo escrever-te. Podia ligar-te mas acho que mudas-te de número, nunca atendes, e as mensagens que eu te mando também não obtêm respostas. Tenho uma função activada no telemóvel que se chama relatório e que quando te mando uma mensagem diz sempre: entregue. O meu problema aqui e que me leva já a desistir, é que não sei a quem é entregue a mensagem. Não obtenho resposta, não obtenho um eco, não obtenho nada. Assim escrevo-te. Ás vezes cartas, mas também essas já rareiam por não saber mais o que te escrever. Acho que estou a ficar sem palavras, resumido ás memórias, apagado dos sonhos, acordado ausente do sentir. Não sinto nada já. E isto é outra história que começa e não sei quando acaba, ou se me importo em que tenha de acabar, porque ainda não descortinei onde começa o principio ou se me encontro a meio de algo. Tudo é bastante confuso em mim, sombrio como as paredes da tal sala de cinema intimista que falei atrás. Não sei se existem salas assim. Na minha cabeça existem e tu estás lá. E tu destacas-te no fundo da tela. E tu és luz branca. E tu és. E tu és. Tens que ser o amor. Só podes ser o amor. Porque para mim o amor é branco e tu és branca na tela, portanto por associação simples de ideias tu és…eu é que não sou nada. Não existo. Tenho de ter cuidado para que não confundam e pensem que eu existo. Eu não existo fora de ti. Não sei viver fora de ti. Tu és a luz. Tu és a vida. Eu sou só a terra árida onde se plantam as sementes na esperança que germinem. E esta já começa a ser uma outra história. Tenho de ter imenso cuidado, uma atenção redobrada para não me perder. Porque hoje nos tempos modernos em que vivemos, já não faz sentido que me perca. Se existem gps, que dão a localização quase exacta. Se existem satélites que focam todos os lugares da terra com uma precisão que até custa a crer. Se Internet dá a possibilidade de navegar por dentro de tudo até das entranhas onde corre o sangue. Para que me vou eu perder. Até parece que não sou deste tempo. Sou. Mas sou muito ausente. Essa é a verdade que descubro aos poucos em mim. Restam-me as palavras a ti. Não te digo que te amo. Estaria a mentir. Porque para amar temos que ser dois, esta é uma constatação que observo. Temos que ser dois no mínimo e eu não existo. E tu és uma artista na tela da tal sala do cinema com as paredes negras e o som surround.
E tenho no momento uma janela de onde observo a rua torta e deserta. O céu meio cinza porque hoje choveu. Quatro rosas tardias numa cor rosada e lavada pela chuva. Um diospireiro quase sem folhas e sem frutos. E este é o mundo que observo no momento, o mundo real. E na rua, ás vezes, mas raramente, passa um carro com pessoas dentro, que são outros mundos e outras histórias que não quero nem posso nem devo conhecer, porque são de outro tempo, o tempo delas. E o meu tempo é teu. Hoje é por inteiro teu. Hoje só tu existes em mim. És tu que bates ritmada no meu coração, o músculo grande e vermelho como as rosas de paixão que te falei és tu. E andas por dentro de mim. Descobres-me todo na plenitude. Vais a cada poro do corpo, a cada vaso capilar, à ponta dos dedos. Até à ponta dos meus cabelos já grisalhos. Descobres-me totalmente. Fico sem roupa, nu. Completamente nu aos teus olhos. E não sei se me excite ou me tape com as mãos num gesto de pudor desnecessário porque estás por dentro de mim, e sabes tudo de mim. Os meus segredos não revelados, os sonhos ainda por sonhar, as histórias por contar que andam bailando no meu cérebro, baralhadas por excesso de informação, e eu ter um processador lento e pesado. Sabes tudo de mim. As chaves secretas, as passwords de acesso aos ficheiros guardados não sei onde um dia. Sabes tudo mas tudo de mim. Eu é que não sei rigorosamente nada de ti, e tu não fazes rigorosamente nada para que eu saiba e deixe de não existir, e passe a existir com vida própria fora das palavras escritas, e possa ir ter contigo aonde te encontres. Possa entrar nessa tela gigante do filme que vi, e onde tu eras a personagem principal, e posso estar como adereço no cenário onde tu vais pisar. Isso me chega porque o importante és tu, e eu sem ti continuo a não ser nada e a ser inútil, porque sem ti não vivo, porque me alimentas o sangue e me fazes bater o coração.

Na minha cabeça continuam a passar histórias, e eu continuo a chamar-lhes histórias porque efectivamente não sei que outro nome lhes dar, porque não são amor, nem desejo, nem paixão, nem outra coisa parecida. Mas o que sinto quando sei de ti. As noticias poucas que chegam. É um estremecimento interior forte. E então sinto-te acelerada em mim. Um calor que se espalha ao corpo. O sangue aquece porque és tu a responsável pelas batidas do coração que tenho.

E isso não é amor é sobrevivência.

Outono de 2006

quarta-feira, outubro 18, 2006


Vou por esta rua, esta cidade escura e fria
As sombras são a companhia.
O som dos passos, a musica que ouço
Chove.
Uma espécie de lágrimas doces e suaves
Um choro de menino baixinho
Vou abandonado e ausente
De olhos fechados. Vou só
Sou o homem que transporta os sonhos guardados
Nos bolsos vazios
Espécie de Lisboa

A cidade.

terça-feira, outubro 17, 2006

Berlenga no sinal sonoro. Aqui escutava o barulho do mar na barriga da mãe...

domingo, outubro 15, 2006

Tu não sabes…

Tu não sabes o efeito das palavras em mim
Tu não sabes
Não podes saber
O efeito devastador da ausência das palavras em mim
Tu não sabes
Não imaginas
A dor da ausência das palavras
As tuas palavras em mim
Tu não sabes
E eu não sei como fazer para que entendas
Que elas são a minha linha de vida e que sem ti não sou nada
E que o tempo que tenho já não é um tempo de esperas
Porque esperei demasiado tempo e o meu tempo passou
E que agora não sou nada
Porque estou ainda esperando as tuas palavras que já não chegam
Porque tu já não existes…
E então
O porque existes deixou de ter sentido
E assim termina por ora esperando que o Outono passe
O Inverno chegue
E cheguem as neves e o frio
E a terra cumpra o ciclo da renovação
E eu que aqui estou esperando
Sentindo a ausência
Já me dei conta não sei quando
porque lhe perdi o tempo do tempo da tua ausência
Porque tardas
E quando chegas verdadeiramente não chegas
Avivas o meu sentir
E é um sentir doloroso porque sei que existes mas verdadeiramente não existes
Portanto o que me mata não são as horas mas a tua ausência
Porque te queria mesmo sem as palavras mas a ti presente
Porque verdadeiramente só estamos presentes os dois
Quando me olhas de olhos nos olhos, de frente
O mais é invenção ou puro devaneio da escrita
E as palavras que te escrevo não são palavras mas invenções a ver se chegas
Mas tu tardas de novo
Eu é que vou
Porque me habituei à ausência de notícias
À ausência de palavras
Me habituei a esperar em silêncio, que é como fico
Quando tardas
Ou depois que partes por te ter visto por um breve momento num clarear do sol
E nesta altura da vida em que já não espero nada
Que arrumei os sonhos
Arrumo as memorias e as partilho para que fiquem como uma recordação de mim
Despeço-me de ti
E vou
Porque nunca vais saber o efeito das tuas palavras em mim
E eu não digo
Porque nunca o perguntaste
Porque na realidade não existes para além das palavras que gostas de ler
E me trazias para eu ler
E já não trazes
E eu que sou de hábitos rápidos, adapto-me como um camaleão de vida curta
Solitário
Que é como sou nas palavras
Portanto já não vou tentar dar-te a mão para não me sentir só
Porque só, tem sido a minha escrita
Uma escrita de saudade
Sabes lá o que isso significa em mim
Uma escrita de ausência
Sabes lá o que isso dói em mim
Uma escrita de silêncio
Sabes lá o barulho que faz em mim
Uma escrita de esperas
Espero faz tanto tempo que já perdi o tempo
O tempo que tenho ainda
Até fechar os olhos e abandonar de vez a espera
Porque não me quero lentamente a morrer de amor
Morro de outras coisas ou de morte natural
Ou deixo-me ir no meu mar que amo
Ou então não vou
E fico aqui esperando as notícias que tardam
As palavras que não chegam
A ausência que é
E volta tudo de novo num ciclo ao princípio de ti
E porque existes
E eu não

Tu não sabes o efeito das tuas palavras em mim…

João marinheiro ausente, 14 de Outubro de 2006

sábado, outubro 14, 2006

Berlengas...


O pai torceu um pé a jogar futebol com os marinheiros da vedeta. A Dourada que já não existe. Foi a primeira vez que estive a bordo de um barco em ferro, um barco da marinha, pela primeira vez vi e toquei num motor marítimo. Um enorme motor marítimo de um barco de guerra. Gostava de ir a bordo com o pai, a todos os navios. Dos que mais gostava eram os Russos. Não nos entendiamos a falar mas por gestos dominávamos o mundo. Ficaram por cá as memórias de uma dessas visitas…
Um dia encostou ao socairo da ilha um enorme navio cinzento, de madrugada. Uma cidade cheia de luz como eu pensava sempre. De manhã o pai e o chefe, vestidos com as suas fardas e os chapéus com os amarelos reluzentes foram a bordo, fui com eles e soube que era um navio fábrica. Os russos arranhavam o inglês e o francês, mais gesto menos gesto, mais cigarro, menos copo, umas quantas palmadas nas costas, uns apertos de mão, o comandante, homem impressionante, com uma calma no rosto que eu nunca tinha visto lá nos disse que tinham uma avaria num gerador. Um anel do colector estava partido. Na altura não se podia ir a terra, eram comunistas e os comunistas estavam no forte em Peniche. Lembro de ver alguns trabalharem a limpar as bermas da estrada enquanto os guardas de espingarda na mão os vigiavam… Os russos eram portanto gente perigosa, estranhos, diferentes.
Afinal não eram, os russos que eu conheci eram como o pai. Sorriam, fumavam, bebiam, falavam alto, gargalhavam e tocavam umas músicas dançando uns com os outros. Gostei daqueles russos comunistas que deviam de estar presos como os comunistas portugueses, mas não estavam.
Levaram o pai a ver as máquinas e eu também fui, fiquei abismado, não eram máquinas, eram dezenas de máquinas reluzentes, potentes motores. Pensava eu que os 12 motores que tínhamos na central na Berlenga eram já muitos motores, que enganado estava. Mostraram ao pai a avaria no gerador, o pai dizia: - No problem. No problem. Ok! Ok! Um inglês de doca como ele dizia…acho que os marinheiros tem uma linguagem secreta…entendem-se. Os russos não tinham um torno grande para tornear um anel suplente, mas tinham o bronze para fazer a peça, o pai trouxe a peça defeituosa e o bronze para a ilha, veio um chefe de máquinas com ele arriscando-se a ser preso por estar em terra estrangeira sem autorização. Mas alguém queria saber, estávamos ali abandonados à nossa sorte no Inverno. O barco ás vezes nem sequer atracava na ilha devido ao mau tempo. Gostava desse tempo de maresias, de ventos fortes, do mar cinza e branco da espuma das ondas, dos gritos das gaivotas, do troar das ondas nas grutas… Uma altura estivemos quinze dias sem que o Berlenga atracasse. Foi o melhor tempo, cozemos o pão no forno que existia para esse efeito. Tínhamos rações, que o chefe distribuía se necessário. Éramos auto-suficientes para um mês… Volto ao pai e aos seus trabalhos. Num dia maquinou a peça, torneou, frezou e furou. Na montagem funcionou à primeira. Já não existem homens assim nos faróis, também já não existem faróis assim…hoje caem aos pedaços. Sem alma, automatizados…
Os russos ficaram agradecidos, tanto que nos encheram o barco de marisco, nunca tinha visto lagostas tão grandes nem lavagantes. Trouxemos não sei quantos maços de tabaco, um tabaco forte de fumo espesso, e vodka, uma quantidade de garrafas enorme, não trouxemos mais porque o barco não aguentava a carga. E eles lá foram. Levantaram ferro deram 3 buzinadelas e lá foram mar adentro. Mas tarde soube que os russos também tinham um foguetão chamado Sputnik que era para irem à lua…Não foram eles mas foi uma cadela a bordo. Estranha gente…

...Memórias d`um menino…

Memórias d`um menino...

quinta-feira, outubro 05, 2006

Uma história...O final possível

Este é o final possivel para uma história que um dia postei aqui no memórias virtuais.Porque este blog tem esse proposito, fazer jus ao nome. As minhas memorias virtuais agora, porque não passam de memorias espaçadas no tempo, espessas no tempo, láminas no tempo...
Obrigado a quem tem a paciência, o trabalho de ler. Gosto de escrever admito, quando escrevo sou outro, como quando navego. Quando sinto o vento e o sabor do sal na boca, sou livre, fora disso deixo de ser o marinheiro ausente que sou...
VIII

Vou até ti…

Quero ir até ti. Em tua busca. Estou farto de olhar os números do telemóvel que ficaram e não tenho a coragem de premir. Pareço um puto de volta do brinquedo. E estou exausto acredita. Chego a um ponto, uma espécie de promontório ventoso de onde não sei sair. Acho que estou viciado. Viciado em ti, nem sei se é um vício o que sinto já, não sei, sei que me fazes falta, és uma espécie de presença que existe mas não se toca. Tentei substituir-te, como uma peça de um carro que avaria, mas tu és demasiado especial, peça única valiosa, nem te dás conta do valor que tens em ti, não consigo substituir-te, fico com o carro cheio de defeitos…
Tentei escrever-te, não sei se recebes as minhas palavras, porque agora que já passaram todos estes anos e eu me sinto mais triste, acho que já não vale a pena escrever-te. Também acho que já não tenho a coragem para te procurar, para dar os passos que me levem até ti. É o que mais desejo acredita. Para recomeçar ou matar de vez o amor que sinto. Porque, dou-me conta, não é um amor bonito este que sinto. Existe uma espécie de véu que me tolda o olhar, sempre, e me impede a amar de novo completamente outra mulher. Assim sobrevivo e o teu amor mata-me lentamente. O mais grave é que tu já não me amas, então tudo isto não passa de uma teimosia minha ou uma loucura. Enlouqueço aos poucos, fecho os olhos para não te ver, mas tu vens, vens profundamente. Assim, construo um outro mundo paralelo onde vivo e escondo o teu para que não se saiba que é doloroso e obscuro, um lugar construído em silêncios e paixão. Quero ir até ti. Mas vou só no tal mundo paralelo de ruas estreitas. Tenho medo. Parece que te encerrei numa masmorra com porta espessa e paredes de metro onde o sol não entra e o barulho da vida não existe. Não consigo olhar-te de frente. Ou libertar-te.
Que me adianta ir pelo meio da rua, que me adianta olhar as pessoas. Sabes, deixei de olhar nos olhos de frente, deixei de olhar os olhos de outra mulher com medo de me apaixonar, o medo de revelar um amor que existe encerrado e em segredo em mim. Tu não sabes. Tu não imaginas. Não é importante o pormenor. Mas, as lágrimas assomem aos meus olhos quando te escrevo. Porque a tua saudade mata-me aos poucos, tira-me as forças, sangra-me. Por isso tento não te lembrar para não morrer de amor por ti. Mas hoje não resisti. Olha o resultado. O que acontece. Como fico extenuado…
Acho que errei em algo na minha vida, já te escrevi a dizer isto mesmo, que o meu amor por ti padece de algum mal misterioso. Ficamos a meio de nós, e eu pareço o vagabundo doido a meio da ponte pênsil em dia de ventania. Balanço ao sabor dos ventos que me esfriam o corpo, mas vou sempre seguindo mesmo a medo para o outro lado de mim. E tu não estás para me dar a mão.

Queria navegar até ti. Encontrar-te uma última vez na nossa praia do cabo do mundo. Dar-te a mão. Não precisas de me dizer nada. Basta que estejas ali tu, com a tua presença o teu perfume, o brilho do teu olhar. Basta-me isso. Já te disse que me contento com pouco e a tua presença já é mais que muito, já é tudo para quem não tem nada. E eu de ti não tenho nada. Só a saudade e o pequeno livro com dedicatória que me ofereceste um dia lá no sul junto ao Guadiana. Mas já o li não sei quantas vezes, preciso que me ofereças outro urgentemente. Preciso de ti. De te olhar, mesmo que já não olhes para mim da mesma maneira. Quem sabe assim não me curo de vez. Não tenho uma imensa desilusão, e assuma que tudo não passa de um labirinto confuso que eu construo dentro de mim para me sentir vivo. Quem sabe. Temos de fazer a experiência pois só experimentando se sabe e se aprende.
Existe um problema que é grave em tudo isto. É que o beijar-te não foi uma experiência. Ás vezes, nas noites onde me sinto perdido, envolto nos pesadelos, agitado, tu chegas e beijas-me de novo, eu sinto os teus lábios, a tua boca pequena em mim, o calor dos teus seios junto ao meu corpo, então sereno dissipam-se os pesadelos, finalmente descanso.
E isto é muito grave, porque não sei se imagino já, ou acontecemos os dois um dia. Assim vivo sempre num dilema desde que foste embora. Se te perpetuo na memória ou te renegue. Mas és tu que me acalmas nas noites de temporal, nas noites de sofrimento quando me sinto com o corpo dorido, as minhas dores de costas que não passam, são uma espécie de hera trepadeira que me envolvem. Tu tens o dom de me acalmar. A tua voz serena-me. As tuas mãos que afagam são um linimento milagroso nas minhas costas. Toda tu és um milagre de amor que acontece, e eu que já não acreditava em milagres sinto as dores passarem pela imposição do calor das tuas mãos pequeninas.

Possivelmente esta é a ultima vez que te escrevo. Já não vale a pena, sinto que já não vale a pena confessar o meu amor por ti.
Este que é um amor puro. Branco. O amor puro é sempre branco, os outros podem ter todas as cores. Ás vezes são negros, mas isso não é amor verdadeiro, os amores negros são perigosos. Este é um amor branco verdadeiro, da cor do linho puro. Um amor que perdura para alem da distância ou da saudade. Não envelhece. Eu sim. Desfaleço todos os dias. Imagino-te sempre perfeita. Ficaste parada no tempo, não envelheces, o teu riso tem ainda o mesmo timbre, o olhar o mesmo brilho, os cabelos o mesmo perfume, os teus gestos de manhã são os mesmos. Gostas de acordar devagarinho, eu observo-te ao acordar, gosto de passar os meus dedos nos teus cabelos espalhados na brancura dos lençóis, gostamos do branco os dois. Gostas de ficar frente ao espelho na casa de banho lavando lentamente o rosto. Eu gostava de te agarrar e beijar no pescoço. De envolver os teus seios redondos nas minhas mãos grandes. Estremecias sempre, e eu queria-te ainda mais…Gostava de ver como espalhavas o creme, para evitar as rugas dizias a sorrir. Ficas parada nesse tempo na minha memória. E hoje nem sei se vale a pena alterar esse tempo sublime e breve porque sei que não estamos mais iguais ou se nos iríamos reconhecer.
Estou a escrever-te neste computador que me tem acompanhado ao longos dos anos, também ele se ressente, mas vou trocando as peças, acrescentando memória, gravando e apagando no disco, em mim não consigo fazer isso. Ás vezes tenho vontade de carregar no reset e iniciar tudo de novo, na esperança vã que o tempo ande para trás e voltemos ao início. Sei perfeitamente que isso nunca vai acontecer por ser impossível, assim vivo com o possível no momento e com este computador por onde espero que surjas on-line, mas não surges nunca, ou se surges não é aqui no meu computador. Acho que também já não é importante isso.
Tenho medo de não te reconhecer, de seres uma estranha para mim. De eu ser um estranho para ti. Sei qual é a sensação de ser estranho na nossa terra. Sei por experiência pessoal porque o tenho sentido ao longo da vida. Já não me reconheço na terra onde nasci. Tenho medo que sintas isso por mim e eu por ti. Que já não sejas a mulher que amei um dia e que habita em mim num lugar secreto. Por mais que se estude o coração, a máquina fabulosa que é, nunca se chega a compreender o seu sentir. Dizem que se guarda o amor no coração, eu não sei onde guardo o teu amor, acho que és um todo em mim. O amor tem de ser inteiro não pode ser aos bocados, interrompido, isso não é amor, pode ser paixão ou outra coisa qualquer mas amor não é de certeza, pelo menos da forma como eu o concebo, grande, pleno, puro. Envolvente. O nosso amor foi assim, durou foi pouco tempo, foi breve mas forte, gravado a fogo, perdura escondido no meu corpo num lugar de acesso difícil. Sente-se, é isso. Sinto-te como um movimento perpétuo em mim.

Já não sei que faça. Dói-me a cabeça. Hoje acordei com a necessidade de te escrever. De saber de ti. De te querer. De te ligar. Tenho dias assim, acho que estou a ficar doente pois os dias assim são cada vez mais. Mais uma vez não o faço. Sei que não atendes por saberes qual o meu número. Podia ligar de um número privado, não o faço. Não o faço porque me parece mal fazer isso. Espero que um dia me atendas se eu ganhar a coragem para te ligar. Passar dos pensamentos aos actos. Não olhar só para os números mudos e frios no mostrador. Tenho de arranjar um telemóvel inteligente, que me leia os pensamentos e que por iniciativa própria te ligue, e que te diga o que já deves imaginar e eu não disse. Sabes. O que existe é uma falta de comunicação em nós, isso é o que existe. Mas respeito a tua opção o teres saído da minha vida sem uma despedida sem um adeus. Eu também não me despedi de ti. Ficamos a meio de nós, entendes, uma espécie de história interrompida. Falta-nos o fim. Fico sempre esperando que voltes, que a tua ida tenha sido um até mais logo, um até breve. O breve tornou-se longo e o longo tornou-se distante. A distância dilui-se no tempo o tempo já não existe em nós. Um dia escrevi sobre o tempo, umas palavras de que recordo só o nome: “O tempo que temos” acho que nunca leste o que escrevi. Tenho a impressão, quase a certeza que nunca lês o que escrevo. Eu também já não te envio nada do que escrevo. Faz anos que não te mando nada, que não partilho os meus escritos contigo, mas todos os dias quase como uma rotina diária ao abrir o pc o teu endereço aparece em primeiro lugar, já tentei apaga-lo mas arrependo-me. Pode ser que um dia me queiras escrever, ou possas de novo aparecer no msn, esta coisa nova que dá para teclar à distância e mascarar as saudades. Sei que estou bloqueado no teu pc, só pode. Um dia falaste disso, uma das últimas conversas que tivemos já a magoar os sentidos. Disseste e fizeste, não te sabia tão determinada. Mas admiro isso em ti, essa força que tens de não te amarrar a nada, de não teres saudades, de não olhares para trás para o passado. De seguires sempre em frente. Tu tens razão. Admiro-te por isso. A tua força. Eu já não sou assim. Tenho andado em busca de uma explicação para isso, para este meu sentir, para a dor que sinto, as saudades que incomodam, deve ser coisa da infância, só pode. Tive uma separação que me marcou em menino. Deve ser disso, as saudades que sinto devem vir dai. Hoje falo-te nisso. Quer dizer, não te falo, escrevo, e ao escrever liberto-me de mim, de ti, da memória conjunta. Tenho já dificuldade em recordar o teu rosto nítido. Tenho de fechar os olhos para te ter plena, abstrair-me do mundo ao redor. Mas isto é a evolução natural do tempo. O tempo tudo cura, tudo patina com a capa da distância dos anos. O envelhecimento é lento e progressivo, chegamos ao auge e depois definhamos. O tempo é o melhor remédio para tudo, e eu, à medida que vou tendo mais tempo para mim vou deixando de ter tempo para ti. Queria saber parar o tempo por uns tempos e ter-te de novo, fazer o tal reset milagroso. Depois deixava-te ir como uma andorinha que parte no início do Outono. Reparo que as que por aqui faziam os ninhos já partiram, estamos no Outono, nem me dou conta do tempo. Eu vivo, não existo. Deve ser isso, esta falta de atenção ao que me rodeia. Escrevo-te enquanto escuto musica do Leo Ferré, “Cette Blessure”, gosto de escutar as musicas do Leo, falei nisso um dia, dizias que não eram musicas para a tua idade, eu sei, temos uma diferença de idade que se nota mas não é importante. Gostavas de me oferecer as musicas que gostas de ouvir, agora não sei se gostas das mesmas, ensinaste-me a conhecer novos grupos, novos estilos. Durante não sei quantos meses só tocaram os teus cds, sentia-te assim mais próxima. Mas afastaste-te, até porque eu comecei a saber de cor cada faixa de cada cd. A coisa começou a tornar-se repetitiva, e na música como no amor não podemos ser repetitivos sob pena de definharmos, de entrarmos num círculo rotineiro e perigoso que tende ao extermínio do amor e á abolição da música. Assim mudei os cds, fui ás compras, escolhi alguns dos mesmos grupos, penso que tu também gostas destes que comprei, fica a duvida e a impossibilidade de saber a resposta. Também comprei novos livros que leio. Livros diferentes dos que costumava comprar e ler, já não leio livros que falam dos barcos antigos e do património que permitiu o nosso reencontro, lembras? Agora compro livros de autores da moda, alguns que falam do amor, alguns que nem sei do que falam mas também isso não é importante, o importante é que leia e me distraia de ti. Dou-me conta que tudo o que te escrevo, tudo junto parece um livro. Pena eu não ser um escritor famoso, se o fosse dedicava-te um livro, escrevia para ti um livro com dedicatória, e isso seria o motivo para ir em tua busca, para te oferecer o livro, seria um motivo mais que suficiente para fazer isso. Como não sou escritor, não te escrevo o tal livro em tua memória com dedicatória, nem vou em tua demanda. Como vês tenho quase tudo contra mim…Digo quase porque não desisto. No dia que desistir deixo-me afundar juntamente como o navio dos meus sonhos e afogo-me de vez, afinal o mar corre-me no sangue e é lá o meu último lugar, no mar profundo. Não sei se gostas do mar, acho que nunca falamos disso em pormenor, gostavas de me acompanhar na beirada da praia no cabo do mundo e apanhar beijinhos, aquelas conchas pequeninas e mágicas. Mas isso não quer dizer que gostes do mar da mesma forma que eu, ou o sintas como eu. Mas também não é importante saber isso de ti. Dou-me conta que não sei nada de ti. E isso assusta-me. Assusta-me não saber nada de ti, e assusta-me o já não ser importante o saber algo de ti. Parece uma contradição tudo isto. E é, somos uma enorme contradição, assim anulamo-nos, não nos queremos, não nos amamos. Aqui discordo. Eu ainda amo, não me adianta é rigorosamente nada, o que é outro universo bem diferente do universo onde te guardo e habitas em mim. Já te falei disso no início das minhas palavras.
Acho que estou a ser extremamente monótono. Repetitivo, acho que mesmo estúpido. Mas peço-te desculpa por te maçar com estas palavras que escrevo, não é uma carta, não tem o propósito de ser uma carta, é mais uma história nossa, à qual eu tento dar um final feliz como todas as historias de amor que se prezem. Não vou é terminar com a frase: E foram felizes para sempre…Porque não corresponde à verdade. Ainda estou a tentar descortinar um final para nós, um final onde eu não me sinta vencido ou impotente. Porra! Na lei dos homens, os homens ganham sempre, ou não é assim. No amor e na guerra, devíamos ganhar sempre, afinal somos o sexo forte. Quer dizer, sei de alguns que ganham sempre, ás vezes leio isso nos tais livros que comprei, mas fico com a impressão que não falam de amores brancos, falam de amores com outras cores, e para mim o amor é branco, não vou repetir de novo o que já te disse atrás e penso ainda recordas. Tu ganhas-me em matéria de amor. Mas também não deve ser um facto importante a esta distância. Eu não vivo, existo. Lembras? Na maioria dos dias sobrevivo, o que já é uma enorme vitória pessoal, assim também sou feliz, pode ser pouco, mas para mim já é muito. Sobrevivo sem ti. Aprendi a não te buscar em cada rosto de mulher. A não olhar nos olhos directamente., A não olhar o céu sempre que escuto um avião, já me habituei porque moro num sitio onde eles passar regularmente. Também cresci por dentro e envelheci por fora, mas não me importo. Tu é que estás igualzinha para mim. Não tenho uma foto tua para comprovar isso, as que tinha perderam-se um dia, uma história que não quero recordar. Até porque a minha memória ao contrário do computador não dá para acrescentar. Noto que está em movimento decrescente a esvair-se, fica só a memória antiga, a memoria presente é fugaz, como clarões que passam e isso traz-me muitas dificuldades no dia a dia. Acho que também isto se deve ao facto de ter abusado em novo do mergulho em profundidade, as minhas apneias prolongadas ao limite do folgo, durante anos, os anos intensos que vivi no Algarve, agora o cérebro ressente-se da falta de oxigénio desses tempos…a cabeça não tem juízo e o corpo paga. Pode ser mais tarde mas paga, dou-me conta que paga. Adiante que não quero falar-te de mim, ainda se fossem coisas bonitas, agora estas coisas que não são importantes. Se calhar é porque já não sei o que te dizer mais, além de dizer quer me apetecia ir até ti hoje. Mas é uma tarefa impossível eu sei. Vou de memória como tenho feito estes anos todos. E tu estás em casa sitio onde pouso o olhar. E ás vezes descanso o olhar em ti. Tu não estás é certo, mas é como se estivesses, és como eu queria que fosses. Perfeita. Ao redor o mundo é que é imperfeito, e eu como faço parte desse mundo também sou, cheio de arestas vivas que cortam ao toque, por isso foste embora, com medo de te cortares. Eu sou uma espécie de vidro reciclado grosseiramente, daqueles cheios de bolhas de ar prisioneiras por dentro. Tem graça que é assim que me sinto muitas vezes. Prisioneiro desse mundo paralelo, encerrado numa bolha de ar. A diferença é que por lá o ar está rarefeito, perigoso, pouco, e eu noto a arritmia em mim, o desfalecimento, a vertigem, a embriaguês da narcose. Vou ao fundo. A custo liberto-me do lastro como tenho feito muitas vezes e subo à superfície, quase a sucumbir, os pulmões a arderem, a quererem sair do peito. Queimam por dentro. Nunca faças uma coisa destas por favor, eu fiz por sobrevivência, para me testar, para saber os meus limites, agora não faço porque tenho já medo, e, descobri que afinal não tenho um coração perfeito, as batidas que sentia lembras, eram prenuncio de algo. Faz tempo despedi-me do mergulho. agora vivo das lembranças, da liberdade que sentia, do prazer que era. Já não é, porque a vontade ainda é muita de ir de novo para o silêncio azul. O mar puxa-me para ele porque ele sabe que o amo e principalmente o respeito, pronto! Revelo-te, não sei se alguma vez desconfiaste deste meu amor pelo mar. Não existe ciúmes, ele está sempre lá, eu, é que sou um marinheiro muito ausente mesmo. Não te vou dizer para que não tenhas ciúmes deste meu outro amor, seria extremamente ridículo dizer-te isso. Até porque tu já não me tens amor, que eu sei, eu sinto essa verdade, estou quase como uma balança defeituosa, de dois pratos mas só com um, portanto inútil. Não pesa, finge, e os pesos estão errados por lhe faltar a tara. O meu amor de respeito pelo mar não faz concorrência desleal com o que sinto escondido por ti. São diferentes. Um de existência, outro de sobrevivência. Sobrevivo sem ti. Vê lá a imensidão deste amor. Aqui ele toca-se, as tais linhas paralelas que ás vezes falo, aqui tocam-se finalmente. A imensidão do meu amor por ti confunde-se com a imensidão do mar que amo. Ás vezes, ao olhar o horizonte és tu que vejo caminhar sobre as ondas lá onde o sol se põe, na linha do horizonte, e vens resplandecente, é por isso que me farto de fotografar o por do sol, a ver se de uma vez por todas fico com uma foto tua mesmo distante, uso um zoom de dez vezes mais o digital, e a máquina no máximo das definições possíveis e impossíveis, mas nunca apareces na foto, só os meus olhos te vêem. Assim não posso provar nada. Que te vejo a caminhar sobre o mar. Passo por louco. Mas só o Cristo tinha o dom de caminhar sobre as águas, e acalmar os mares, e multiplicar os pães, e transformar a água em vinho, e ressuscitar os mortos. Estou meio moribundo dou-me conta. E não era isto que eu queria hoje, queria ir até ti com todas as forças, no máximo do meu vigor. O mais alerta possível nos sentidos. Excitado até, tu sabias como me dar a volta, ou me excitar…Às vezes ainda me dizem para não me prender ao passado. Como pode ser possível não me prender. Se não me prendo fico vazio, sem nada, será isso viver? Um homem vive vazio de nada? Eu não vivo, vivo com pouco, não sou de muitos gastos, a tua memória alimenta-me, não será um manjar, será um pão ázimo, sem fermento, uma espécie de pão da última ceia, portanto respeito este pão que me alimenta o suficiente para me manter vivo e lúcido. E quando penso em ti, tu renasces porque o meu espírito que é livre te visita e vela por ti para que nada te falte, para que te sintas feliz. Porque se estiveres feliz eu também estou. Amor é isso. O meu amor de branco, como gosto de o ver é isso. Uma dádiva de partilha sem algemas, sem prisões, livre como o pensamento. Confesso que por momentos te queria prender nos meus braços como antigamente, mas isso sou eu a cometer um pecado egoísta. Tu és livres de voar. Não voaste, foste de avião, eu fui levar-te ao aeroporto. Nunca mais lá voltei àquele aeroporto, dizem que já está diferente, as tuas pegadas na porta de embarque já não existem, substituíram o piso do chão e diariamente lavam com uma máquina que põe o chão a brilhar. Perdi portanto o teu rasto. Não sei efectivamente por onde te procurar. Na tua rua ninguém sabe de ti, só lá passei recentemente. As janelas estavam com os estores cerrados. Tu não estavas. Mas se estivesses era como se não estivesses. Vieste uma vez pelo natal lembras. Quando ligaste a dizer que me querias ver e eu fui, fui demasiado depressa acho que em excesso de velocidade. Excesso de amor por ti. Vim embora devagar. Lentamente. As separações a mim custam-me muito. Não gosto de me separar de nada mas separo, as coisas acabam naturalmente, são como as flores colocadas na jarra viçosas no momento, depois murcham e deitamos fora. Desculpa eu ter deixado morrer as flores que te ofereci. Mas foi impossível fazer com que elas vivessem eternamente. Foram cortadas do tronco da roseira, a partir desse momento tinham o destino traçado e efémero. Perdoa-me por isso. Podia ter guardado e seco as rosas envoltas num jornal, como fazia nas aulas de ciências quando estudava as plantas. Não me lembrei e deitei-as ao lixo. A saída mais fácil. Afinal tu não estavas e as rosas já estavam todas caídas, as pétalas secas no chão. Deu uma trabalheira limpar tudo. Também já escrevi sobre este episódio que se passou. Não sei porque recordo tudo isto agora, quando o que eu queria hoje era ir até ti. Mas tu foges sempre, parece que estás do lado de Matosinhos e eu do lado de Leça, e temos a ponte móvel aberta permanentemente. Assim não consigo chegar à tua beira. Já viste a volta que tenho de dar. Quando chegar tu já não estás á minha espera por pensares que eu não vou. Eu vou, demoro é muito tempo porque vou a pé pela ponte nova, e demoro-me a olhar os navios no porto a descarregarem. Fascinam-me os navios. Sonho com viagens que nunca fiz. Mas posso sonhar. Ainda posso sonhar. O problema que verifico no sonhar é que me perco de ti, já não estás em sitio nenhum. Não devia sonhar com barcos e partidas. Devia sonhar contigo a todo o momento. Mas isso era privar-te da tua liberdade. És livre como o pensamento. Quero-te livre para cresceres, porque em mim ainda és como naquele tempo, a mulher perfeita na plenitude da beleza, não envelheces. Estás numa cápsula do tempo, uma espécie de épave, como as que encontro nos mergulhos arqueológicos, onde os destroços permanecem incólumes há séculos, e assim podemos reconstituir a história. Só não reconstituímos o sentir dos esqueletos que por vezes encontramos, os ossos não falam, são o testemunho só. Lembro-me da Papoa em Peniche. Esse é um testemunho que ficou, foram uns amigos que estudaram o naufrágio. Amigos que não revejo, faz anos. Mas tudo isto são fugas minhas a ti. Tudo são pretextos para te prender, para que te interesses pelas palavras que escrevo, sei perfeitamente que não é uma área que te interesse. Te apaixone. Eu é que tinha a leve esperança que tu gostasses do que eu gosto. E gosto de poucas coisas acredita. O mais vou convivendo delicadamente com elas, uma espécie de fio da navalha. Também escrevi um poema com este nome; O fio da navalha. Já nem sei porquê, mas as coisas saem sem que eu me dê conta, acho que as palavras não são minhas. São de alguém que me usa para as alinhar na escrita para que se percebam. Fico muitas vezes com essa impressão, por não me reconhecer nas palavras escritas. Por não me lembrar delas depois, por não conseguir de memória dizê-las num acto de declamação, como o que assisti um dia, num almoço, o dia que passei perto da tua casa como já falei atrás. Podia ter tocado á campainha. Mas já não sei o andar nem o número nem nada. A minha memória atraiçoa-me muito. Sei que escrevi num papel a direcção certa, mas também não sei onde o guardei. Um dia aparece amarelecido pelo tempo e fora de prazo…
O tempo de hoje era para ir até ti. Em tua demanda. Uma espécie de Dom Quixote em demanda dos monstros que rodopiavam. A imagem não vem a propósito, mas à tempos, numa das minhas viagens ao mediterrâneo, vi os geradores eólicos alinhados a girarem nas suas rotações certas e lentas, e lembrei-me disso, o susto que o Sancho Pança, o fiel escudeiro teria para convencer o seu amo a não investir contra aqueles monstros…Mas o Dom Quixote era um cavalheiro sonhador, gostava de defender as donzelas. Eu também sonho, só já não encontro as donzelas daqueles tempos, e nem tenho escudeiro, nem ando a cavalo. Mas sei como são os moinhos de vento, isso sei. Porque em pequenino levava o milho com a avó para moer. Mas isso também já não interessa. O importante és tu de novo, e esta é certamente a ultima vez que te escrevo desta forma pública. Sabes, tenho a secreta esperança que te disponibilizes a ler o que te tenho escrito ao longo destes anos. Que o teu coração se enterneça e possa receber noticias tuas a dizeres que te encontras bem, mesmo que já tenhas envelhecido como eu, mesmo que tenhas um corte de cabelo diferente, ou tenhas mudado de perfume, por o que eu gostava já não ser o que gostas actualmente.
Acho que a dor de cabeça se dissipa aos poucos. Vês o que me fazes ainda, mesmo à distância. Basta-me pensar em ti com desejo, com amor, para as dores desaparecerem. Para me sentir vivo, para esboçar um sorriso, acho até que o olhar fica mais brilhante quando penso em ti. Só não sei se será mesmo amor o que sinto ainda, porque, dou-me conta, não vai a lugar nenhum isto que sinto. É uma espécie de dependência, uma droga desconhecida que cria habituação. Uma obsessão. Tenho rapidamente de encontrar uma clínica onde me interne e cure de ti. Levar uma transfusão de sangue completa para que o coração não descubra o caminho até ti, um sangue frio, impessoal, sem sentimentos. Uma espécie de plasma sintético. Uns glóbulos brancos pouco brancos, e uns vermelhos pouco vivos. Pode ser que seja a cura, porque o que sofro é uma doença rara, não vem nos livros de medicina. Não se estuda na faculdade. Sente-se só. Tão simples como isso. Sente-se só. E porque para amar são precisos dois, eu não amo porque estou só.
O mais nem sei que escrever, queria só que soubesses que hoje acordei com a vontade estranha de ir em tua demanda, chegar a um cais onde tiveste um veleiro, soltar amarras, içar o pano e atravessar o atlântico em tua demanda. Queria fazer isso. Não o faço porque deixei o veleiro faz anos. Não é importante que o saibas. O importante és tu. O importante és tu. O importante és tu.
A primeira vez que te vi…
O telefone está mudo e neste pc tu já não habitas, eu é que persigo a tua memória, porque hoje ao acordar queria-te comigo e estou só. E agora vou de novo, já te escrevi esta longa carta de despedida. Já terminei a história, dei-lhe mais um capítulo. O oitavo. Não é o final que queria, entende, é o possível na tua ausência. O final perpétuo. Se voltares um dia então terminamos a história. Eu só não sou capaz.

PS: Não é importante que saibas que te amo ainda.
Não é. É importante que te sintas feliz, isso me basta para ficar feliz também. Até sempre meu amor…

João marinheiro ausente, Outubro de 2006

quarta-feira, outubro 04, 2006


Esperava-te.
Hoje tardas...
Nunca chegas!
Fotografia de Barcoantigo

domingo, outubro 01, 2006

Historias de marinheiros...

CONVERSACIÓN REAL GRABADA DE LA FRECUENCIA DE EMERGENCIA MARÍTIMA CANAL 106, EN LA COSTA DE FINISTERRA (GALICIA), ENTRE GALLEGOS Y NORTEAMERICANOS, EN OCTUBRE, 16 DE 1997 (es verídico)

Gallegos: (ruido de fondo).... Les habla el A-853, por favor, desvíen su rumbo quince grados sur para evitar colisionarnos...
Se aproximan directo hacia nosotros, distancia 25 millas náuticas.

Americanos: (ruido de fondo)... Recomendamos que desvíen su rumbo quince grados norte para evitar colisión.

Gallegos: Negativo. Repetimos, desvíen su rumbo quince grados sur para evitar colisión.

Americanos: (otra voz americana) Al habla el Capitán de un navío de los Estados Unidos de América. Insistimos, desvíen ustedes su rumbo quince grados norte para evitar colisión.

Gallegos: No lo consideramos factible Ni conveniente, les sugerimos que desvíen su rumbo quince grados sur para evitar colisionarnos.

Americanos: (muy caliente) LES HABLA EL CAPITÁN RICHARD JAMES HOWARD, AL MANDO DEL PORTAAVIONES USS LINCOLN, DE LA MARINA DE LOS E.E.U.U.

EL SEGUNDO NAVÍO DE GUERRA MÁS GRANDE DE LA FLOTA NORTEAMERICANA. NOS ESCOLTAN DOS ACORAZADOS, SEIS DESTRUCTORES, CINCO CRUCEROS, CUATRO SUBMARINOS Y NUMEROSAS EMBARCACIONES DE APOYO.

NOS DIRIGIMOS HACIA AGUAS DEL GOLFO PÉRSICO PARA PREPARAR MANIOBRAS MILITARES ANTE UNA EVENTUAL OFENSIVA DE IRAQ. NO LES SUGIERO...

LES ORDENO QUE DESVÍEN SU CURSO QUINCE GRADOS NORTE!!!!!

EN CASO CONTRARIO NOS VEREMOS OBLIGADOS A TOMAR LAS MEDIDAS QUE SEAN NECESARIAS PARA GARANTIZAR LA SEGURIDAD DE ESTE BUQUE Y DE LA FUERZA DE ESTA COALICIÓN.

UDS. PERTENECEN A UN PAÍS ALIADO, MIEMBRO DE LA OTAN Y DE ESTACOALICIÓN...

POR FAVOR, OBEDEZCAN INMEDIATAMENTE Y QUITENSE DE NUESTRO CAMINO!!!

Gallegos: Les habla Juan Manuel Salas Alcántara.

Somos dos personas. Nos escoltan nuestro perro, nuestra comida, dos cervezas y un canario que ahora esta durmiendo. Tenemos el apoyo de Cadena Dial de La Coruña y el canal 106 de emergencia marítimas. No nos dirigimos a ningún lado ya que les hablamos desde tierra firme, estamos en el faro A-853 Finisterre, de la costa de Galicia.

No tenemos la más puta idea en que puesto estamos en el ranking de faros españoles.
Pueden tomar las medidas que consideren oportunas y les dé la puta gana para garantizar la seguridad de su buque de mierda, que se va a hacer hostia contra las rocas, por lo que volvemos a insistir y le sugerimos que lo mejor, mas sano y más recomendable es que desvíen su rumbo quince grados sur para evitar colisionarnos.....!!!!

Americanos: Bien, recibido, gracias.


O Mediterrâneo aqui tão perto...