sábado, outubro 31, 2009

passeio nocturno a sul




Passo a deixar um rasto de palavras, como esteira de navio rápido sulcando águas rumo a sul. A cidade adormeceu embrulhada na luz amarelo pálido, os gatos vagueiam nas ruas velhas, sentem o odor do peixe, por vezes por entre as fitas caídas na porta das tabernas saem vozes emaranhadas no vinho ácido nas gargantas já. Os barcos bamboleiam no porto, não os vejo. Sinto-os a percorrerem-me a pele e sinto o nevoeiro frio a tolher-me os ossos. Dos olhos correm dois rios quase secos, na praia quase extinta dois pescadores tardios lançam a linha noite dentro. São dois, um fuma um cigarro, sinto-lhe o cheiro a tabaco abafado. Os meus pés agora caminham pela beira-mar, o corpo permanece adormecido na atalaia. Quatro centenas de gaivotas cinzentas, não mais acordam ao mesmo tempo e levantam voo aos gritos, esvoaçam por cima de mim e pousam mais atrás. Ainda lhes senti o arfar das penas como seda a rasgar-se na noite. A cidade não vai acordar tão cedo. Só os gatos vagueiam na calçada de ruas velhas, e algum bêbado tardio em busca da porta velha. O meu corpo permanece sentado nas pedras da índia a olhar a enseada tomada pela névoa. Imagino velas alvas e imponentes navios negros navegando no silêncio húmido. Sou eu que os imagino, um corpo sem pernas, umas pernas a caminharem na beira do mar, a areia fina. Pequenos detalhes para uns olhos cansados, quase dois rios secos. Nas margens brotam pequenas pétalas de flor de sal cheias de ternuras espalhando-se pelas rugas do rosto. Passaram 3 horas e eu sem sono vagueio, a cidade vai acordar no alvor da manhã, os gatos recolheram-se, a ultima taberna antiga com a idade da memória cerrou a velha porta, escutei as duas voltas do ferrolho metálico a entranhar-se na pedra. As fitas, não lhes distingo cor. Permanecem quietas como cabelos de sereias longos e negros. Não sei se as sereias têm cabelos, se são negros se ficam quietos, se algum dia ficaram pendurados a servir de fitas na porta de uma taberna. Ainda me faltam tantas respostas e tantos sonhos. O castelo tem as portas cerradas, ando à sua volta. Gama permanece altivo encostado à parede a olhar o mar, por um momento sinto um aperto no coração. O coração de Gama é um coração de bronze, ou o mais certo esqueceram-se de lhe fazer um coração de bronze, de o colocar por dentro do peito. Gama é uma estátua adormecida também…
As pernas voltaram da beira-mar, o corpo descansado reúne-se de novo levanto-me desço a escadaria velha tomo a estrada rumo a sul, quem sabe um dia chego a São Torpes.


João marinheiro, Inéditos 2009
Fotografia de Smith Fragata

segunda-feira, outubro 26, 2009

(livro de contos)


– Bom vou deixa-los porque tenho alguns afazeres ainda diz Filipe enquanto se levanta. A despesa é por minha conta. Prazer em o conhecer João Pedro, apareça um dia destes para dar-mos uma volta por Lisboa se quiser.
- Obrigado pode ser que aceite o seu convite, ainda vou estar por Lisboa mais uns dias antes de ir para Londres.
Olho Esmeralda nos olhos, está a sorrir, o seu rosto espelha alegria, os olhos são dois pontos brilhantes, duas pérolas luzidias que sobressaem aqui nesta esplanada tão concorrida, tão a transbordar de pessoas. Ou sou eu que me admiro com a sua serenidade o seu ar feliz. Esmeralda é uma mulher bonita que prende a atenção, simpática, sou tentado a querer conhece-la melhor, mas a minha timidez, não me deixa à vontade para lhe perguntar quem é, sei lá se não me vai achar uma pessoa demasiado curiosa ou intrometido.
Durante uns momentos, demasiado longos acho, estivemos calados, sinto que agora é Esmeralda que me observa, tenho outra vez aquela sensação de estar a ser observado.
- O João Pedro acredita em coincidências, ou nas partidas do destino?
- Não sei Esmeralda porque pergunta isso?
- Se lhe disser que já o conhecia. Acredita?
- A Esmeralda está a dizer que já me conhecia? De onde? Como pode ser possível?
- Partida do destino ou a tal coincidência João Pedro. Diz Esmeralda a sorrir enquanto solta uma pequena gargalhada. E não faça essa cara de incrédulo ok. Deixemo-nos de formalismos, eu não gosto de tratar os amigos por senhor, nem doutor nem comandante ok, tu, para mim és um amigo que quero descobri, conhecer melhor, afinal à mais de 5 anos que desapareceste e não sonhava encontrar-te de novo. Muito menos no hotel onde agora trabalho. Foi uma surpresa quando abriste a porta do quarto e te levei o jantar.
Mas de onde me conheces Esmeralda? Pergunto cheio de curiosidade.
Daqui de Lisboa mesmo, temos, ou tínhamos uma amiga comum, Laura, diz a sorrir enquanto me olha inquiridora, já estiveste com ela?
Sim estive, respondo, estive em casa dos seus pais a almoçar hoje, e estive com ela, ainda sinto o efeito do reencontro. É natural diz Esmeralda.
– Laura casou com um colega médico, vivem no norte, está de bebé, falei com ela ontem pelo telefone. Não lhe disse que te tinha encontrado aqui em Lisboa, foi a tal coincidência que te falei à pouco, hoje ela veio com o marido para um congresso de medicina e passou em casa dos pais e tu, por coincidência hoje foste visitar os seus pais e foste em sua busca. Partida do destino, hoje eu que estou de folga estava aqui com o Filipe e tu vinhas descendo a avenida meio perdido nesta cidade viva de movimento, ou não é verdade. Demasiadas coincidências.

- Conheço-te do tempo da Escola Náutica. Lembras o café onde paravas, onde ias com Laura, é dos meus pais, era porque já o venderam. Na altura estudava Relações Internacionais fazia o 2º ano da faculdade, Laura estava em medicina também no 2º ano, tu fazias a especialização. Cumprimentamo-nos duas ou três vezes só, durante esse ano. Depois quando foste embora, cheguei a falar com a Laura muito sobre ti.. Laura sofreu um bom bocado, foste demasiado duro e insensível com ela, acho que te amava, embora fossem só amigos. Nunca me disse mas notava-se o seu grande carinho por ti quando falávamos as duas.
- Imaginavas uma coisa assim. Uma partida do destino destas. Os dois aqui no Rossio a falar de um tempo à cinco anos atrás. As probalidades, uma num milhão de aqui estarmos, tu e uma desconhecida que sabe de ti, da tua passagem por Lisboa, do amor marinheiro deixado no porto a desaguar nas águas frias do Tejo. ..

( continua)




domingo, outubro 18, 2009

(livro de contos)


Apetece-me beber um copo. Lisboa é para mim uma cidade estranha hoje, sou um estrangeiro por cá, é isso. Lisboa é uma cidade bonita interessante para se desfrutar com uma companhia, para se partilhar. Dou-me conta que nos últimos anos tenho sido só, sem partilhar o tempo e as emoções. Desço a avenida em direcção ao Rossio, gosto de me sentar na esplanada da pastelaria que não lembro o nome, só a reconheço pela escultura de Pessoa o poeta. Espero que esteja ainda aberta, gosto de me sentar ali e observar o movimento das pessoas. Lisboa é uma confluência de culturas e de raças agora, já o era quando aqui estive a estudar, mas hoje são muito mais as pessoas que aqui deambulam, de raças diferentes, mais africanos, mais asiáticos, mais dos países de leste, é fácil de os reconhecer, pelas roupas, pelo tom de pele, pelos modos. Lisboa é uma cidade de contrastes.
A pastelaria está aberta, hoje o fim de tarde é esplêndido, quente e luminoso. A esplanada completamente cheia, nem uma mesa vaga, olho em volta, pareço meio perdido na névoa, é assim que me sinto por breves momentos. Apetece-me sentar-me em qualquer lado e descansar um pouco, sinto-me terrivelmente cansado. O almoço em casa dos pais de Laura, o reencontro com Laura ainda estão dentro de mim a fazer estragos, ou sou eu que ainda não tive tempo para clarear as ideias. Por breves momentos tenho a impressão que estou a ser observado. Uma sensação que sobe por dentro do estômago à garganta, uma espécie de pânico silencioso. Instintivamente busco com o olhar alguém ao redor. Debaixo de um guarda-sol acenam-me, acho que me acenam, um casal está sentado, dirijo-me para eles e reconheço Esmeralda, a funcionária do hotel onde estou hospedado.
- Sente-se aqui connosco Sr. comandante, a esplanada está cheia diz Esmeralda. Obrigado, aceito o vosso convite, estou cheio de sede e de calor, digo enquanto me sento ao lado do jovem que acompanha esmeralda e me apresento. Sou o João Pedro estou hospedado no hotel onde trabalha a menina esmeralda digo enquanto estendo a mão num comprimento.
– Olá João, sou o Filipe irmão da Esmeralda, a minha irmã disse-me quem era quando o viu descer a avenida. Olho Esmeralda neste repente, os seus olhos estão a observar-me, e sinto outra vez aquela sensação estranha de estar a ser observado sem saber de onde.
– Obrigado de novo Esmeralda pelo convite a partilhar a vossa mesa, a verdade é que não se arranja lugar a esta hora, e mesmo que alguma mesa estivesse vazia é sempre mais agradável estar aqui sentado com companhia. Lisboa é uma cidade para se desfrutar em companhia acho eu, mas posso estar enganado.
– É capaz de ter razão comandante, costuma-se dizer que Lisboa é uma cidade mágica, mas eu pessoalmente penso que a magia existe nas pessoas e não depende do lugar ou do momento, diz Esmeralda a rir.

(continua)

terça-feira, julho 14, 2009

chuva de julho...


Chove torrencialmente e é Julho de um verão que teima em meter férias e não estar presente. Da janela onde olho o mar ao longe as gotas de chuva caem grossas batidas pelo vento norte fresco, obliquas em traços descendentes e ao pensar na forma oblíqua da chuva lembro-me instintivamente das palavras oblíquas de Pessoa.


Tenho uma janela e uma porta que dá para uma varanda de cinco por um metro, mas dessa varanda já um dia escrevi, acho que um dia de Agosto chuvoso, estava sentado da mesma maneira a aproveitar o pouco de luz natural que me chega. Não estava constipado como hoje me sinto, nem a música era a que escuto no momento.


Os momentos são partes do tempo breves. Temos um tempo demasiado breve em nós e não nos damos conta.


Da janela vejo um barco. Mesmo que não visse sei como são os barcos e podia imaginar um com todos os pormenores. Conheço os barcos como me conheço a mim. Já fui um bom barco, novo, esbelto, possante. Agora sou um barco velho, um barco antigo. Um homem é como um barco. Quando nasce é a direito, escorreito e aprumado, um barco é assim, de proa altiva, de quilha direita esbelta. Depois o tempo, os pedaços de tempo, os tais momentos breves pesam em nós e o corpo verga submergido no peso e descai para a frente a tentar o equilíbrio possível, no barco passa-se o mesmo, alquebra-se e a proa descai a popa descai e o porte esbelto desequilibra-se e o barco torna-se vagaroso a arrastar-se no mar como eu me arrasto na areia da praia do fim do mundo para onde o meu pensamento vai quando te imagino.


Da janela onde olho o mar já não vejo o barco que passou por breves momentos, era um veleiro breve de duas velas pardas e distante, rumava a norte numa bolina acertada e rápida. Sete, oito nós, não mais que o vento não é muito, mas o suficiente para encapelar o mar aqui na linha de costa e transformar a água em espuma miraculosamente branca como algodão ou a neve da serra.


Gostava de passear pela serra e comer medronhos no tempo deles.


Algumas vezes fui contigo passear pela serra. Agora invento os caminhos de memória, são caminhos breves que não passam de invenções que ficaram registadas na memória e eu julgava perdidos para sempre. Não gosto verdadeiramente da frase, para sempre é demasiado tempo, e o tempo já me dei conta é demasiado breve para ficar em nós. Deixa-nos marcas, o que é verdadeiramente mais doloroso e duradoiro, ou o contrário. Por vezes o contrário e passa demasiado rápido, sem marcas e sem memórias, só um vazio e um silêncio perene a substituir o tempo.


A varanda tem uma mesa redonda branca, plástica, com duas cadeiras plásticas à volta também brancas e molhadas. Da mesa corre um fio de água em direcção ao chão, o chão é em mosaico castanho de uma fábrica que já não deve existir, feitos por mãos que fizeram milhares e sabe-se lá quantas histórias teriam para contar. O tampo da mesa está transformado numa espécie de pequenos lagos de água reunidos. Entretanto a chuva parou. A maré prenha de mar está no máximo de amplitude, quase maré viva. E hoje estranhamente ainda não vi uma gaivota, só o veleiro que passou rumo a norte. Nem de propósito uma gaivota cinzenta paira por breves momentos emoldurada na janela e prende a minha atenção, os meus olhos cansados e fico por uns momentos a registar o seu voo na memória, quem sabe um dia me fará falta, quando já não conseguir avistar gaivotas e a ver só de memória. Alquebro-me como o velho veleiro.


Estamos no verão. É Julho, princípios de Julho, o solstício de verão já foi, já se fizeram os rituais e as oferendas ao rei astro, e eu socorrendo-me da memória construo de novo os amanheceres e os nascer do sol nas milhentas vezes que o vi e me fez companhia, o esplendor da luz a leste de mim. Algumas vezes, poucas, fizeste-me companhia, um dia até esperamos que ele nascesse para darmos um beijo e jurar o amor, tínhamos combinado que o sol seria a testemunha para sempre. Compreendes porque a frase me parece um exagero agora.


Passam mais duas gaivotas cinzentas rápidas. Afinal ainda não se tinham ido embora, estavam atrasadas, só isso. E ao fundo na linha do horizonte calmamente surgem a silhueta de umas velas, primeiro uma, um pequeno veleiro ruma a sul depois outra mais próximo, ambos só levam içada a genoa a vela que amura na proa, navegam calmamente a uma popa livre e despreocupada. Eu aqui ainda a deixar a memória livre ser levada.

João marinheiro praia de Fornelos, Julho 2009
Fotografia de Barcoantigo em 2009

domingo, julho 12, 2009

Abandono…



Queria dizer-te que já abandonei os barcos. Queria que soubesses. Queria dizer-te que agora já não existem motivos para que partas, já não te troco pelo mar e os barcos são só memória. Mas é a tua que se sobrepõe a todas as outras memórias mesmo sendo a água a primeira memória da humanidade.

Só queria que soubesses isso. Que abandonei os barcos

Agora para matar o tempo, para que saibas também, passeio pela beira-mar na praia que foi a nossa no cabo do mundo. E se um dia resolveres regressar nem a vais reconhecer…

João marinheiro 2009
Fotografia de Barcoantigo em 2008

domingo, junho 28, 2009

do desencontro IX...


( livro de contos)


...Sabe Armando, não tenho muito para contar da minha vida, digo, enquanto observo que todos me olham suspensos das minhas palavras. A mãe está reformada, embora ainda esteja ligada à faculdade, dedica-se a fazer conferencias e escreve artigos em revistas especializadas. O meu pai Morris, faleceu fez três anos em Fevereiro, também se tinha reformado. Quase não aproveitou a reforma, seis meses depois faleceu, repentinamente um AVC fulminante. Eu estava no mar, recebi por mensagem a notícia. Desde que sai de Lisboa passei quatro ou cinco semanas em Inglaterra, falo com a mãe por telefone por mail ou vídeo chat, estas coisas modernas que encurtam as distancias e disfarçam as saudades. No mar habituamo-nos a disfarças as saudades, só custam os primeiros tempos, depois a rotina entranha-se em nós, e estamos tão limitados ao espaço físico do navio que tudo o que ficou para trás em terra deixa de ter significado.
Entre os capitães existe uma rivalidade disfarçada, uma competição feroz que se sente. Os navios entram e saem dos portos no menor espaço de tempo, sempre a cumprir contratos e encurtar tempos. As companhias privilegiam os capitães que lhe dêem lucros e poucos trabalhos. Eu também ando metido nessas competições, digamos assim, até ter um estatuto de reconhecimento do meu valor como capitão a luta é tremenda. Às vezes penso que nada disto vale a pena porque num minuto o mundo se vira do avesso, ou a vida se transforma. A minha transformou-se meio ano atrás.

Então que se passou João Pedro? Pergunta dona Rosário com um olhar inquiridor. O menino casou? Abandonou os barcos?

Esboço um sorriso, e desvio o olhar, começo a sentir-me aflito, bebo mais um pouco de vinho para me acalmar.

Sabe dona Rosário de repente ganhei dois pais. Dois pais mortos.

Como assim interroga Armando surpreso? Como dois pais João Pedro?

É verdade. É por isso que estou em Lisboa, tirei umas férias por seis meses, uma licença sem vencimento. Á cerca de meio ano a mãe mandou-me uma carta para Sidney, só a abri umas semanas depois quando cheguei de viagem. Quando tenho o navio na Austrália se for perto aproveito e vou até casa, foi o que aconteceu, tinha um monte de correspondência sem interesse à minha espera e uma carta da mãe. Uma carta diferente. A falar-me da sua juventude em Portugal. A falar-me de um namorado um antigo amor. Um capitão da marinha mercante como eu, que, disse-me, é o meu verdadeiro pai. Morris casou com a mãe antes de eu nascer. Como calculam para mim foi um choque, mas ao mesmo tempo as respostas para muitas das minhas perguntas interiores. A minha ligação ao mar, o gosto pelas viagens, a aventura, o estar sempre de partida, o gostar de estar aqui em Portugal. Sempre fui inglês, aliás sou pelo registo de nascença, mas ao mesmo tempo inexplicavelmente sentia-me português, não sabia explicar, agora procuro as respostas. O meu verdadeiro pai faleceu há três semanas, vivia em S. Martinho junto ao mar num lar.
A vida é uma temenda data de coincidências que se passam em simultâneo. Muitas vezes não nos damos é conta do que se passa à nossa volta de tão apressados em querer viver.
O pai que agora vim procurar aqui em Portugal reformou-se na mesma altura que Morris. Tinha uma casa cá em Lisboa que vendeu, e existe uma no Porto abandonada onde viveu com a mãe. Amanhã estou a pensar ir ao porto rever a casa.

A mãe quando enviuvou, retomou o contacto com uma amiga de infância que lhe deu a morada do pai, então escreveu-lhe a contar da minha existência. Ao mesmo tempo também me escreveu a contar a verdade. As cartas chegaram atrasadas. O capitão Júlio recebeu a que era para ele quinze dias antes de morrer. Sei destas coisas porque me deixou um pequeno computador portátil com tudo escrito. Estava à minha espera. Sem saber de mim parece que me conhecia desde sempre. Surpreende-me em cada palavra que deixou escrita para eu ler. E depois o amor que teve pela mãe foi um amor universal e único. Nesse aspecto sem o saber acho que cometi os mesmos erros que o pai. Já não terão remédio, mas quem sabe o destino assim quis. Para mim tem sido difícil tudo, estas revelações que guardo, pois não tenho com quem partilhar, é a primeira vez que revelo porque cá estou. Mas afinal também não tenho amigos em Portugal, vocês são as únicas pessoas que conheço e recordo com amizade.
Portanto estou por cá a tentar descobrir as minhas origens, e a recolher os pertences do capitão que deixou em S. Martinho para levar para Londres.
Fiquei com uma mágoa não ter chegado a tempo de o conhecer pessoalmente. Por incrível que pareça não tenho uma foto dele. Espero encontrar alguma nos seus documentos mas não tive tempo de verificar.

A verdade é que ontem à noite estava no hotel, me deu uma vontade enorme de vir até cá de os rever, de rever a Laura, enfim entendem, acho quem não me portei da melhor maneira quando estava cá a acabar o curso. Fui embora quase sem me despedir sem uma explicação. Agora é tarde, mas como dizem por cá num dos vossos ditados populares mais vale tarde que nunca.

Tens razão João Pedro mais vale tarde que nunca, diz a dona Rosário, enquanto armando esboça um sorriso e termina o resto do vinho no copo.
A Laura está para chegar ai pelas duas e meia, falta pouco, entretanto vamos comer a sobremesa e se calhar ainda esperamos por ela para o café.

Bem, continuando, não me casei dona Rosário, e os barcos só os coloquei em segundo plano por uns tempos. Precisava de umas ferias, em seis anos quase não tive ferias. Sinto-me um pouco cansado. É tempo de fazer uma análise da minha vida, traçar novos rumos e objectivos. O capitão Júlio deixou-me uma pequena carta que me fez pensar, pensar muito, por isso estou aqui.
Somos interrompidos pelo som da campainha, e eu sinto um baque no coração, um estremecer no corpo, sei que é a Laura que está do lado de fora. A dona Rosário levanta-se e vai abrir. Espero, acho que o tempo neste espaço de minutos se demora propositadamente a passar. Escuto a voz de Laura a mesma voz que tenho de memória, levanto-me e Laura entra na sala com a mãe.

- Então João Pedro que surpresa! A mãe disse-me que estavas cá, quase não acreditava, não te imaginava em Lisboa.
Damos um abraço que me pareceu tão fugaz. Olhamo-nos olhos nos olhos e por momentos somos só nós ali. Laura está preciosa, uma barriga enorme, grávida, sorri enquanto eu a olho.
- Gémeos. Estou de oito meses João, vou ter um casal de gémeos, incrível não é. Tenho já uma Margarida com dois anos, ficou com os avós no norte, eu vim com o Carlos o meu marido e aproveitei para visitar os pais, mas tu és uma surpresa hoje.

Ainda não consegui dizer uma palavra, de repente sinto-me aliviado, invade-me uma ternura imensa, Laura está bem, sei que está, vi isso nos seus olhos, o brilho de felicidade, uma luz intensa, Laura tem uns olhos magníficos que me encantam, sempre soube disso, eu ficava momentos intermináveis a olhar os seus olhos, até se fartar e me chamar doido. Uns olhos grandes de um negro misterioso que cintilam como diamantes. De repente o desejo que eu sentia por Laura, as memórias, tudo o que lhe queria falar deixou de fazer sentido e eu sinto-me liberto de uma culpa confusa que deixei dentro de mim por resolver.

É verdade Laura sou uma surpresa hoje. A minha vida nos últimos tempos tem sido uma surpresa. Como estava em Lisboa vim à tua procura e dos teus pais, tive sorte pelo que me contas, em te encontrar hoje, tive sorte em muitas coisas hoje aliás. Já falamos sobre isso a tua mãe e eu.
Somos interrompidos pela Fernanda – vamos tomar café meninos. A Laura não toma café pois não?

Tomamos o café na biblioteca, a Laura tem que se sentar e lá estão mais confortáveis diz Rosário, os meninos tem muita conversa a colocar em dia e leva Laura com ela, vamos atrás eu e Armando. Fernanda serve o café em chávenas de porcelana finíssimas, nem sei porque reparo sempre nestes pormenores aqui, a pequena colher com cabo de prata lavrada, uma preciosidade rara nos dias de hoje. Armando trás uma garrafa de aguardente velha e serve-me um cálice. Provo, excelente, boa para rematar uma suculenta refeição, e o café saboroso intenso aromático. Tudo demasiado perfeito hoje. Parece que o tempo se dispôs a abrir a porta da perfeição, do paraíso e permitiu que eu pudesse durante umas horas usufruir desse paraíso dos sonhos imaginário. Laura sentou-se ao meu lado, sinto o cheiro do seu cabelo brilhante, ainda usa o cabelo longo pelas costas negro a contrastar com a pele morena, nota-se que é uma mulher feliz, que não ficou perturbada pela minha presença. Ainda bem. A sua ausência fez-me desejar um amor impossível que nunca aconteceu de verdade, criar expectativas irreais em mim, porque o tempo que é um carrasco de nós avançou sem mim. Fiquei parado à porta do tempo e ela lentamente fechou-se e transformou-se em memórias que só alimentam o cérebro e não nos deixam viver no tempo presente. Somos assim, capazes de viver em tempos diferentes ao mesmo tempo sem nos darmos conta, e quando damos esse mesmo tempo avançou sem nós e ficamos perdidos, desiludidos e velhos. Acho que foi isso que aconteceu com o capitão Júlio, vivia em dois tempos diferentes, e eu estava a seguir o mesmo rumo? Estou a tempo de corrigir.
Tinha no coração a preocupação de Laura estar presa ao mesmo tempo passado à minha espera, ainda bem que isso não aconteceu, vive no tempo presente, e no futuro que se avizinha. Espero que me conte, porque eu verdadeiramente tenho demasiado pouco que contar, um baú cheio de memorias e pouco mais. ...
(Continua...)


Fotografia de Barcoantigo em 2009

quinta-feira, maio 28, 2009

do desencontro... VIII (continuação)




( Livro de contos)

Vou ter que lhe pedir desculpa pelos meus actos, espero que me perdoe, mas já não se podem remediar. Quando a encontrar logo verei o que dizer, o que vou sentir. Quem sabe é melhor assim esta espécie de preparação para a despedida, nas horas que faltam posso acalmar e habituar-me à ideia que Laura agora tem uma família e um mundo próprio do qual já não faço parte. Seria muito egoísmo da minha parte querer fazer parte de seu mundo, se eu optei por partir, se fui eu que renunciei e virei costas. Quando nos despedimos não disse uma palavra, ficou a olhar-me subir as escadas para bordo, enquanto os seus olhos me pareciam cada vez maiores e brilhantes. A Laura tem uns olhos fantásticos de belos. Afasto estes pensamentos da cabeça, acabo de beber o vinho do Porto de um gole. Armando está a conversar comigo há alguns minutos e não o escutei. Perdi-me. Fechei-me num mundo insonorizado por uns momentos. Volto à realidade da sala – perdão Sr. Armando, perdi-me por uns momentos. Voltando á minha vida no mar. Como pode imaginar quando acabei o curso tive a oportunidade de embarcar como 2º Imediato num cruzeiro que partiu de Lisboa para a costa leste da América, ora eu agarrei logo a oportunidade, até porque a companhia em questão também tem navios de longo curso e tinha a oportunidade de passar para essas rotas, o que aconteceu 4 meses depois.
Durante dois anos fiz o tirocínio como 2º e 1º Imediato, fui parar à Austrália, fiquei a viver em Sidney, uma cidade fantástica, tive a oportunidade de ingressar na Australian Sea, a Companhia marítima onde estou até hoje, nas rotas até à nova Zelândia, China, Japão, Indonésia, nunca vim para norte, para o hemisfério norte, nunca calhou…navego sempre no Indico e no Pacifico. Outros mares.

O estar cá hoje em Lisboa deve-se a alguns acontecimentos que ocorreram nos últimos tempos, acontecimentos dos quais eu sou parte interessada sem que o soubesse, pelo menos até seis meses atrás.

Somos interrompidos pela dona Rosália que nos chama para almoçar, e eu neste momento dou pela minha falta grave. - Perdoem, desculpem mas nem pensei na indelicadeza de aparecer agora á hora do almoço, estou a causar transtorno. – Ora essa! Exclama Armando, enquanto me dá uma palmada amigável nas costas. Sente-se aqui ao meu lado que assim podemos continuar a conversa.

Somos servidos pela senhora que me abriu a porta, espécie de governanta penso eu, e sou interrompido pela dona Rosário, – Fernanda este é o menino João é como se fosse da família, portanto nada de cerimónias. A senhora olha-me enquanto sorri e serve da terrina em porcelana a sopa fumegante á dona Rosário, um creme de legumes com um aroma fantástico. As saudades que eu tinha de uma comida assim, feita em casa, com todo o carinho e tempo dedicado. Cozinhar é uma arte que cada vez se perde mais em favor da comida industrial. Se temos uma boa coisa em Portugal é a comida. Das poucas vezes que comi aqui em cada dos pais de Laura sempre me senti bem. Não sei explicar, sempre me senti inglês, nasci em Londres, mas é em Portugal que me sentia bem. Até cerca de seis meses atrás não sabia explicar. Desde novo que aprendi a falar português porque a mãe me falava em português e fez questão de me matricular na escola Portuguesa. Hoje tudo faz sentido para mim. Se eu soubesse quando conheci a Laura quem sabe não tinha partido. Mas Portugal não era a minha pátria, não é ainda. Não sei verdadeiramente se sou de algum lugar em particular.

Provo a sopa, excelente. Excelente sabor. Difícil de encontrar palavras para definir, um creme aveludado de favas com pequenos cubos de pão alentejano frito em azeite, uma iguaria típica, que nunca como senão aqui em casa deles.
Parece que adivinharam que eu vinha, se há sopa que mais goste é desta que aqui provei pela primeira vez, um creme de favas divinal – Parabéns dona Rosário e parabéns também à dona Fernanda que é uma cozinheira impar.
O Armando sorri enquanto me serve um copo de tinto Periquita reserva, um vinho que aprendi a gostar e que não bebo faz anos. Na escola náutica quando saiamos para o mar, a bordo bebia-se Periquita, um vinho terras do Sado, península de Setúbal. Recordo-me em particular de uma das viagens a bordo do navio Polar uma Goleta de dois mastros, bonito veleiro onde naveguei durante o tempo que estive em Lisboa a acabar a especialização e onde o apreciei pela primeira vez a caminho dos Açores.

A dona Rosário fica a sorrir enquanto exclama, – coincidência João! Hoje são uma data de coincidências. Nunca nos passava pela cabeça que aqui pudesses estar hoje, mas ficamos muito contentes que estejas, acredita. Até parece que o almoço foi escolhido porque vinhas, diz a rir, já vais ver se tenho ou não razão.
Fernanda recolhe os pratos vazios da sopa, e eu bebo mais um pouco deste vinho suave e intenso.
Em casa dos pais de Laura sempre se sentiu, se respirou paz e harmonia. Equilíbrio. As coisas certas nos lugares certos, um culto do belo sem exageros, uma refinada mestria, o almoço ou o jantar sempre foram servidos e ainda hoje com regras de eficiência certas, nobres direi. Se eles fossem da nobreza. Penso, a mesa longa em madeira de carvalho, uma toalha em linho imaculada de branco, e as loiças, porcelana Vista alegre. O mesmo serviço ou parecido, os copos em cristal Atlantis vejo no copo alto de balão onde bebo, talheres em prata, os cabos trabalhados em baixos relevos, balanceados no peso, obras de arte autenticas, dá gosto comer assim aqui, qualquer simples comida aqui assume um sabor para lá do óptimo, esta casa, esta família emana um calor humano que nunca encontrei em lugar nenhum.
Mas sou eu que sou demasiado ausente, demasiado habituado a viver no mar, com os gestos automatizados e rotineiros. Agora tudo me parece um deslumbramento.

Levo o meu pensamento a mais de mil processamentos de informação por segundo, é um tropel de recordações de sensações de emoções esquecidas, adormecidas em mim que regressam todas de uma vez, tantas que me fazem ficar ausente por breves momentos que se notam sempre.

Fernanda regressa com uma travessa fumegante. Cabrito assado no forno com batatas que coloca frente a dona Rosário, regressa com outra pequena travessa de arroz seco alourado no forno e uma salada envolta num molho de maionese aromática. Fico a olhar meio surpreso. Devo ter feito uma cara de espanto porque a dona Rosário começou a gargalhar, – não te disse João que hoje o almoço era uma data de coincidências. Como sabia que vinhas? E como sabia que estes são os pratos que aprecias? – Não sabia! Mas o facto é que aqui estamos hoje, e como tal aproveitemos o momento.
Diz enquanto me serve um naco de cabrito suculento e algumas batatas.
Aguardo que todos se sirvam para provar o cabrito, está excelente.
– Então! Gostas? Que tal está de sabor, interroga a dona Rosário, enquanto Armando me enche de novo o copo, e eu começo a sentir o efeito do vinho em mim a amaciar-me os sentidos, a folgar os músculos, a abaixar a tensão dos nervos.
– Como calcula não tenho palavras dona Rosário. Tudo aqui está perfeito, direi demasiado perfeito para a vida a que estou habituado.

Armando retoma a conversa de novo – Então andas pelos mares do Pacífico? Questiona. Mas isso é muito longe. – Olha lá, e esses mares não são perigosos com os temporais que por lá andam? Costumamos ver nas notícias, ainda á uns anos, lembras, o Tsunami que varreu as costas da Indonésia com aquela devastação toda, por onde andavas?

Claro que lembro Armando. Nessa altura estava em Melburne.
A navegação agora é mais segura, temos sempre informação meteorológica ao momento, rotas, tempos, ventos, tudo. Os satélites vigiam lá de cima, temos de ser atenciosos ás informações que chegam e decidir da melhor forma. Agora não se navega à aventura, temos prazos a cumprir, planos rígidos de segurança, tempos de chegada e de partida, os navios valem milhões, e no fundo tudo é um negócio, e os negócios tem de ser rentáveis para valerem a pena. Por isso os capitães dos navios são quase todos europeus, porque estamos habituados a navegar e não facilitamos, só os tripulantes são naturais dos países das cercanias, Singapura, Paquistão, Indonésia, Malásia, uma mistura de raças e de credos que é preciso saber gerir com muito cuidado a bordo. Costumo fazer equipa com um imediato canadiano, o chefe de máquinas é alemão assim como o primeiro maquinista, todos os oficiais que navegam comigo são ou europeus ou americanos.


Já naveguei com alguns marinheiros portugueses e brasileiros também, mas em viagens de um lado a outro. As tripulações estão sempre em mudança, o que por vezes se torna muito difícil de gerir. Acontecem por vezes falhas a nível de segurança a bordo em algumas aflições por que passamos por falta de prontidão e preparação da tripulação. Mas é tudo uma opção das companhias. Baixos salários e baixa preparação dos marinheiros, alguns nunca andaram no mar, e os barcos são a porta de saída para fugirem à miséria nos seus países de origem.


( Continua)
Fotografia de Barcoantigo em 2008

domingo, maio 24, 2009

Do desencontro...VIII parte...


( Livro de contos...)


Tenho de reorganizar as ideias. Sábado quero estar em Londres, mas primeiro vou resolver os assuntos que estão pendentes por cá. A casa no Porto, os pertences do pai, e principalmente quero resolver o meu envolvimento com Laura. Toda a noite estive acordado a pensar a repensar, acho que não posso exigir nada a Laura, não acho tenho a certeza, aqui quem se portou mal fui eu, que fui atrás de um sonho de um projecto de realização profissional onde ela não teve lugar, errei, fui demasiado egoísta e ciumento. Verdadeiramente não tínhamos um compromisso assumido, éramos só dois bons amigos, mas ambos sabíamos que a nossa amizade estava muito para alem dos actos e dos afectos, era amor que sentíamos um pelo outro, mas não quisemos assumir o compromisso, sempre disse a Laura que estava de passagem, que a minha vida era em Londres e a dela em Lisboa, sorria e dizia-me que a vida dela seria onde o coração se sentisse bem, fingi sempre não perceber as suas palavras…que egoísta fui. Que procuro agora? Como vamos reagir no momento em que nos encontremos? Bem tenho de me deixar de suposições e resolver logo de uma vez o assunto. Não posso viver agarrado a expectativas e lembranças passadas porque o mundo avança e o coração das pessoas muda, tem que mudar para melhor, acho que o exemplo do capitão Júlio me serve de lição, um amor único para toda a vida em pleno século XXI não resulta pelo menos se não for correspondido, partilhado em todos os momentos. Tenho as mãos vazias e o coração abandonado e carente, cheio de pequenas recordações cada vez mais escassas e longínquas.


Olho a rua quase nada mudou nestes últimos cinco anos na Brancamp Freire, só a porta de entrada do prédio de Laura é agora moderna em alumínio, olho os botões da campainha dos andares, tenho o peito a bater forte, a respiração apressada, imagino-me no meio de um temporal no Cabo Horn, não posso vacilar, tenho de ser frio como uma máquina e raciocinar ao milionésimo de segundo, sou o capitão do navio, sou o responsável supremo aqui nesta minúscula imensidão do oceano, não posso falhar, não devo falhar, carrego no botão terceiro direito. Espero, não acontece nada, espero, agora o coração quase que para, a respiração quase que para, os olhos fixos ali, o botão redondo cromado em latão, o cromado comido pelo uso, as letras gravadas em baixo relevo quase sem tinta preta. E se não habita ninguém já aqui? Lisboa tem mais de um milhão de habitantes, como faço? Sinto-me por momentos um náufrago abandonado numa pequena balsa no oceano sem fim. Mecanicamente toco de novo, mais demorado desta vez, olho o relógio no pulso, doze e dezassete minutos, hora de almoço, hora de estar alguém em casa, o trinco eléctrico interrompe os meus pensamentos com o seu barulho metálico vibrante, empurro a porta, entro, transponho esta espécie de fronteira e o coração dispara de novo, e as pernas tremem e sinto-me aflito, com medo, respiro fundo, olho para cima a clarabóia em vidro branco a iluminar as escadas em madeira velhas, impecavelmente lavadas, são três andares, seis lances de escadas, coloco a mão no corrimão em madeira polida, lembro-me das vezes que temerário e doido o descia sentado, com a Laura a correr escada abaixo aflita atrás de mim. Que doido era. Subo mais um lance, aqui junto a este vaso com esta avenca viçosa dei o primeiro beijo à Laura. Estas recordações tem a faculdade de me acalmar e de me decidir a continuar. Hoje vou em busca do ano que falta na minha vida, ou o encontro ou o perco para sempre. O sol incide na clarabóia, sinto o seu calor apaziguador, e o coração a acelerar outra vez, bato à porta, ouço o som de um rádio ou televisão, espero, é a espera que me angustia, mesmo breve é sempre demasiado longa. Abrem a porta, não conheço a senhora. – Perdão, gostaria de falar com a menina Laura é possível? Olha-me com surpresa, murmura – um momento e encosta a porta. Penso nem sei quantas possibilidades de combinações possíveis nesta fracção de tempo, pareço um imenso cubo mágico. Sinto de novo passos em direcção à porta, fico expectante controlo-me. Quem abre é a mãe de Laura, a mesma senhora linda e de olhar azul, que fica surpresa a olhar-me de olhos arregalados durante uns momentos que me parecem outra vez demasiado longos de transpor. Tudo me parece demasiado longo vagaroso hoje. – Olá João Pedro, que surpresa nos pregou o menino, entre, entre, diz de rompante como se eu ainda ontem lá estivesse estado. Obrigado dona Rosália murmuro enquanto avanço pelo pequeno corredor em direcção à sala ao fundo. – Armando, olha quem nos veio visitar, entro na sala o pai de Laura estende-me a mão com um sorriso a cumprimentar-me.


- Então João Pedro o que é feito de si? Pelo que vejo a vida corre-lhe, de perfeita saúde, moreno e elegante como sempre. Não me passava pela cabeça encontrá-lo de novo. Mas sente-se, vamos para aqui para a salinha. Olhe fica para almoçar, e não admito uma nega, fica e pronto, temos muito para conversar, é para conversar que cá veio não é? Para conversar e saber da Laura. Sente-se, que já colocamos a conversa em dia.
Fiquei sem reacção. O Sr. Armando armado com o peso dos anos a experiência da vida nem me deixou murmurar uma sílaba. Dei dois passos, autónomo, em direcção ao sofá que me indicou com a mão, e deixei-me literalmente cair, com todo o peso a afundar-me na almofada macia. A dona Rosália dirige-se a mim de braços abertos, levanto-me de novo e deixo que me abrace, enquanto me murmura baixinho, quase um sussurro ao ouvido – o menino foi um doido e agora já não tem remédio…
Fiquem aqui a conversar que vou colocar mais um prato na mesa, diz enquanto me larga e se afasta. Que surpresa! Que surpresa o menino João aqui! Que surpresa vai ser logo! Escuto a querida senhora falando baixinho enquanto entra na cozinha. Olho a sala está tudo na mesma, só os móveis são diferentes mais claros, modernos, a sala de jantar com as paredes pintadas numa cor diferente a condizer com a mobília. As coisas que me passam na cabeça num repente, espécie de flashes, de clarões da memória que julgava perdidos, sem importância. Demoro o olhar na estante dos livros. As fotos expostas dos pais da Laura e da Laura, observo uma em particular, a Laura vestida de noiva, e outra, a Laura frente ao altar com o noivo. Começo a sentir uma espécie de agonia, um nó no estômago, o coração a descompensar. O Sr. Armando dá conta, e exclama. Então João o mundo avançou, são fotos da Laura sim, do seu casamento. Olhe, mais logo ela vem cá visitar-nos, se quiser pode ficar e também a cumprimenta e fica a conhecer toda a família. Não sei se o Francisco, o seu marido vai vir, ele está cá em Lisboa num congresso, é médico neurocirurgião. A Laura também está em medicina embora agora esteja em casa.

Mudemos de assunto. Fale-me de si que tem feito? Vais fazer 6 anos que o João foi embora de viajem não é verdade? Pergunta enquanto me serve um cálice de Porto vintage.

- Sim vai fazer 6 anos que comecei a viajar exclamo enquanto cheiro o vinho do porto. O melhor vinho do porto que bebi em toda a minha vida foi aqui em casa dos pais de Laura, o Sr. Armando tem uma colecção excelente de vinhos do porto.
Sempre excelentes os vinhos por cá, exclamo enquanto bebo um pouco. Armado esboça um sorriso, e eu penso numa fracção de segundo como resumir todos estes anos da minha vida de forma coerente, quando o que eu queria era saber pormenores da vida da Laura e que os ponteiros do relógio galgassem as horas que faltam e que ela entrasse pela porta. Para que eu a pudesse ver uma última vez, e depois ir embora fechar esta porta este capitulo ainda em rascunho na minha vida. Vem-me à memória um verso que escutei estes dias numa música da Mafalda e que me ficou a bailar dentro do corpo.

…“Era uma vez um pensamento teu
Quase podia ser segredo meu e teu
Era quem sabe um tempo de inventar
Subir o teu corpo
Cair do teu sonho
E ficar em nós”…




(continua...)


Fotografia de Barcoantigo em 2008

sábado, abril 25, 2009

abril...

abril

25

tomo a liberdade nas mãos
e armado de papel e pena
escrevo-te
espécie de libertação
fingimento de revolução a dizer-te da saudade tua que sinto hoje
e dos cravos vermelhos que oferecemos um dia um ao outro
enquanto a rua se enchia de gritos e bandeiras e gente e revolução

era em Abril

25

era eu
eras tu
e o Rossio ainda sem Pessoa imortalizado no bronze

é Abril ainda

25

e o coração deserto…



João marinheiro 25 Abril 2009

domingo, abril 19, 2009

foto...


E como gosto de te sentir a minha miúda bela e forte ao meu lado. Como gosto da tua presença em mim. Como gosto do teu sabor em mim. A tua paz em mim. Tu em mim! E como gostava de te ter em meus braços, e não ser a fantasia, o sonho o delírio, ou o devaneio do homem disfarçado em poeta maltrapilho. E porque os meus gostos não passam mesmo disso, gostos, meras palavras que provocam a arritmia incerta quando me olhas. Vou eu entender o porquê! Beijo-te à minha maneira. E fecho os olhos porque te sinto pulsar com desejo assumido e quente. E porque gosto do teu desejo forte intenso como o meu, de olhos fechados adormeço embalado em ti, e perco-te no sonho...
Já não sei sonhar a dormir, então acordo aflito, em tua busca de novo, não te encontro no momento, e fica perene no tempo a fragrância do corpo teu que venero, como um perfume testemunha da tua passagem por mim. Aprendo a querer-te, a vencer medos, quem sabe a ser ousado ou louco...
...Porque no momento vais comigo
João marinheiro, palavras soltas 2007
Foto da Net- Fotografos Latinos

sexta-feira, março 20, 2009

dos oceanos a fio...



Gostava de te encontrar pela manhã dos dias azuis
Descias a ladeira que te trazia à vila
E eu, sabedor das horas anunciadas pelo sol madrugador esperava-te
Nunca deste por mim
Nunca te dirigi a palavra
Ficava-me a olhar-te graciosa enquanto caminhavas
Os teus cabelos esvoaçando na brisa que se sentia impregnada com o cheiro das camélias em flor.
Um dia não vieste
Soube que foste embora em busca do amor
Dei-me conta nesse dia que o meu tinha partido
Nunca deste por mim, ou pelo cheiro das camélias que já morreram
Cansado
Um dia parti também
Quis o destino pregar-me a partida, ou quem sabe
Reencontrei-te na cidade à beira mar onde habitas
Depois de atravessar oceanos durante anos a fio
E quase ter esquecido o cheiro das camélias.
Os dias madrugadores de cor azul
Ou a ladeira por onde caminhavas em direcção à vila.
Ficamos os dois parados, tolhidos pela surpresa súbita
A partida do destino
Então sorriste
E então falaste
Então sorri
E então falei-te
Palavras breves como os segundos que marcam os intervalos do tempo




João marinheiro 2009
Foto, Mara Mitchel

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

rumo a Oeste...




as velas prenhas de ventos e de ideais
o rasto nas águas frias do navio
uma ardência de fluorescências que desenham riscos de sal sobre as ondas breves

acabaram-se os ancoradouros antigos
os meus navios foram sempre uma miragem alucinada
um sonho por cumprir
demasiados naufrágios

morrem-me os dedos nas mãos vazias
e a pena perde o tino nas palavras
seca na folha amarelecida a tinta azul água
o diário de bordo de um capitão velho

rumo a Oeste de nada
uma carta náutica falsa, sem valor
as coordenadas imperfeitas
longitudes, latitudes, declinações magnéticas por corrigir

um imenso erro a escrita
dou-me conta
um marinheiro não pode ser poeta, ou o contrário
não existe poesia na rudeza do sentir no mar

as velas ainda se içam ao vento e enfunam
prenhas, redondas, alvas
é assim que as imagino
mas todo eu sou um engano…



João marinheiro Fevereiro de 2009
Fotografia de Barcoantigo em 2009

domingo, fevereiro 15, 2009

É de compreender que sobretudo nos cansamos


…Há um grande cansaço na alma do meu coração. Entristece-me quem eu nunca fui, e não sei que espécie de saudades é a lembrança que tenho dele.
Caí contra as esperanças e as certezas, com os poentes todos.

…Estou hoje lúcido como se não existisse. Meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir. E estas considerações, que formo e abandono, não nasceram de coisa alguma - de coisa alguma, pelo menos, que me esteja na plateia da consciência.

Talvez aquela desilusão do caixeiro da praça com a rapariga que tinha, talvez qualquer frase lida nos casos amorosos que os jornais transcrevem dos estrangeiros, talvez até uma vaga náusea que trago comigo e me não explico fisicamente…

Disse mal o escoliasta de Virgílio.
É de compreender que sobretudo nos cansamos.
Viver não é pensar…

In livro do Desassossego, Bernardo Soares
Imagem, Google

domingo, janeiro 04, 2009

Do desencontro...VII parte


( Livro de contos...)

Parece que apanhei um murro violento no estômago. Fiquei sem reacção sem forças, vazio por uns momentos demasiado demorados, parece que o tempo se esqueceu de mim e me deixou abandonado nesta aflição, este sufoco na alma, um arder por dentro. Cada vez estou mais angustiado e abismado, admirado com este homem misterioso a quem não pude olhar, a quem não pude chamar de pai.
De repente vem-me à ideia que não sei como é, nunca vi uma foto sua, não faço a mínima ideia de quem seja. Como é o seu rosto, a cor dos olhos, dos cabelos, se alto se baixo, nada! Tudo é tão estranho. Sinto-me preso a abafar sem reacção, o olhar inundado de sal. Batem à porta. Acordo, deve ser o que pedi para jantar, sinto uma fraqueza a invadir-me o corpo e a mente. Acordo deste torpor em que estava a submergir-me depois de ler a carta no pc. Abro a porta num gesto autómato, a funcionária com um sorriso avança com o carro bar com a refeição. Quase não lhe falo – entre, digo. Brinda-me com um sorrido simpático. Meigo, imagino que o seu sorriso é meigo porque os olhos são meigos, de um verde paz meigo. No espaço de segundos processo mil pensamentos ao observar esta jovem, reparo em pequenos detalhes, a cor das unhas, a forma como estão cortadas, a cor dos cabelos, o perfume suave e discreto que usa, o uniforme impecavelmente limpo a sua forma elegante, esbelta, não deve ter mais de vinte cinco, vinte oito anos, um metro e sessenta e cinco, tiro a medida da sua altura quando ela se volta para mim – desculpe, quer que sirva o jantar ou deixo ficar? – Importa-se? – Importa-se de me servir? Retorqui enquanto a observo, enquanto lhe descubro o nome na placa dourada no peito, mesmo por cima do coração – obrigado Esmeralda. Obrigado. Olho-a nos olhos. À quanto tempo não olho uma mulher nos olhos? Vejo um sorriso nos seus lábios, um rosto bonito. Vejo por instantes. Por instantes faço comparações. Olho as suas mãos, as unhas cuidadas. Verniz vermelho vivo. Obrigado digo outra vez, quase sem palavras. Num ápice dispôs o prato na mesa, bife com molho tártaro, legumes salteados e arroz com frutas secas, serviu o vinho, dispôs o pão, duas fatias de pão integral, colocou a sobremesa, os talheres impecavelmente dispostos, o guardanapo branco, arrumou o carrinho, e com o mesmo sorriso luminoso, – por favor quando terminar a refeição queira solicitar à recepção para podermos retirar o carro. Tenha um jantar agradável e disponha se precisar de mais alguma coisa. Obrigado Esmeralda falei outra vez, enquanto ela se dirigiu para a porta e a fecha atrás de si.
Estou de novo só. Por um momento pareceu-me que estava em casa, que tinha uma família, que tinha uma esposa que colocava a mesa com a habilidade característica das esposas. Por um momento só. Sento-me para jantar, mais logo ligo à mãe, ela fica acordada até tarde. Agora vou saborear este bife e o arroz com pinhões e passas. Faz muito tempo que não como assim uma refeição. Sorvo um pouco de vinho. Um tinto encorpado do Douro, bom vinho, demoro-me a ler o rótulo. Gostava de ter aqui uma companhia feminina com quem partilhar este vinho, com quem pudesse brindar a vida e também conversar. Preciso de uma companhia por perto. Ainda sinto o perfume de Esmeralda no quarto, ainda o sinto nas narinas, e isso excita-me e faz-me sentir desejo, e faz-me sentir saudade.
Janto a correr. Bebo dois copos deste vinho rubro forte, 14 graus e meio, sinto o seu efeito relaxante a entrar em mim lentamente. Não estou habituado já a beber vinho. Fecho os olhos por uns momentos a descansar, a recuperar as forças, pareço um navio adornado na tempestade, a não se deixar adormecer e vagarosamente retornar ao seu ponto de equilíbrio, à posição vertical para ganhar rumo de novo.
Estou em Lisboa faz quase um mês. Durante duas semanas aluguei um carro andei de um lado para outro ai pela costa, de sul para norte de este para oeste, sem rumo. Demorei tantos dias a decidir-me ir visitar o Capitão e aconteceram tantas coisas entretanto. Ainda estou estranho.

Deixo-me ficar mais um pouco, a noite iluminada por uma luz baça entra pela janela do meu quarto esbatida. Daqui deste oitavo andar olho o casario velho de Lisboa os telhados cinzentos e negros e ao fundo, a silhueta da Ponte a piscar. Vejo também o Tejo a luzir, as luzes a espelharem-se nas águas escuras no rio das mil descobertas. Andei a caminhar estes dias pela beira Tejo junto à Praça do Comercio. Faltam as colunas. O Cais das colunas desapareceu. Mutilam a cidade branca e ninguém se importa.
Aqui impera o quase silêncio, quase, porque se escuta ainda um ruído abafado e distorcido do movimento de carros na avenida. A cidade prepara-se para adormecer, para fingir que dorme, é uma espécie de movimento perpétuo. Lisboa não pára nunca. Parece que adormece mas não pára. Só eu me sinto cansado e a parar. Gostava de olhar outra vez a funcionária do hotel. Ver o verde paz dos seus olhos. Sentir desejo outra vez. Sonhar outra vez. Gostava de conversar. De escutar uma voz de mulher durante um bocado a conversar comigo. No fundo é isso, é um vazio que existe em mim, um fosso difícil de encher agora. Sou um turista em Lisboa, sou um estranho em Lisboa. Um numero de estatística turística. Na Escola Náutica já não conheço ninguém do meu tempo, e era a única ligação que tenho a Lisboa, quase a única. Vim cá acabar a especialização durante um ano. Apaixonei-me. Depois parti, não devia ter partido, é esse ano que me falta. Sou um parvo. Um doido por estar a pensar estas coisas a esta hora. Ligo para a recepção – Por favor podem dizer à senhorita Esmeralda do restaurante que pode vir levantar o carro com o jantar.
– Obrigado!
– Espero! Espero!
É o que tenho feito este tempo todo, esperar. Espero que a Laura ainda more no mesmo sítio; Rua Brancamp Freire.
Espero. Espero que esteja em casa.
Espero. Espero ter coragem de tocar à campainha, e subir até ao terceiro andar direito do seu prédio e tocar.
Espero. Espero que seja ela a abrir a porta. Que ainda ali more.
Espero tanta coisa adiada. É um ano que falta na minha vida. Insubstituível porque não posso voltar atrás.

Olho a noite, tenho a janela aberta e a cortina corrida a um lado. Gosto de ver o sol nascer, mas estou de costas para ele. Sinto-me nervoso a andar de lado para lado aqui. Os meus passos são abafados pela alcatifa vermelho escura. Olho pela primeira vez com atenção a decoração do quarto, uma pequena suite, casa de banho, sala de estar e quarto. Olho pela primeira vez os quadros na parede. Janelas. Janelas de Maluda a pintora das janelas de Lisboa. São, bonitas. Copias a enquadrarem no papel de parede branco, branco sujo e ondulações ocres e pardas. A mobília em negro wengué e vidro vermelho fogo, a alcatifa a condizer. Acolhedor o sitio.
Ainda sinto o perfume, ou sou eu que o imagino. Só pode ser. Costumo guardar pequenos detalhes durante anos na memória. Ouço bater na porta. Abro, é ela, venço a minha falta de palavras – olá Esmeralda bem vinda de novo! – Entre! – as minhas recomendações ao chefe de cozinha, o jantar estava muito bom. Olha para mim a sorrir, não diz nada, percebe que quero meter conversa. Claro! Deve estar farta de ser assediada, é uma mulher muito formosa. Apetecível. Sinto o seu cheiro e involuntariamente aspiro prolongadamente a entranhar em mim o seu perfume, para me ficar dentro a durar tempos. Arruma num ápice toda a mesa, aspira as pequenas migalhas de pão com um pequeno aspirador portátil, tudo pensado ao pormenor, eficiente. É assim que gosto de saber as pessoas, eficientes e competentes. Acabou. Olha para mim outra vez – o Sr. comandante João deseja mais alguma coisa? Fico surpreso, sabe o meu nome e profissão, esboço um sorriso, e toda a tensão que senti ao longo do dia se desvanece diluída pelo som da sua voz. O pequeno gesto de me tratar pelo nome, de falar comigo, não me tratar como um turista, um estranho na nossa cidade. Demoro a responder enquanto me olha, olhos nos olhos a desafiar, de frente, com personalidade. O que eu penso ao milionésimo de fracção de segundo. Respondo calmo
– Obrigado Esmeralda! Posso tratar assim, Esmeralda? – Não preciso de mais nada por hoje vou descansar que tive um dia complicado, demasiado emotivo. Gostei que me tenha tratado pelo nome. Demonstra muito profissionalismo de sua parte e da equipa do hotel, afinal já cá estou quase há um mês hospedado, e estava a sentir-me um estrangeiro. Um turista na minha terra.
– Obrigado. Não disse mais nada. Sorrindo dirigiu-se para a porta com o carrinho, olhou-me uma ultima vez a sorrir, sempre a sorrir. Tenha uma noite descansada Sr. Comandante. Amanhã o pequeno-almoço é das sete às 10 horas na sala Oriente. E saiu.
Fiquei a sorrir também. A imaginar que por um momento era a Laura que ali esteve comigo a falar-me a olhar-me. Por um momento lhe senti o cheiro, quase o sabor da pele, a textura das mãos, o desenho dos lábios…

Estou doido. Antes de me deitar tenho de ligar à mãe, quem sabe se ainda hoje me sinto com coragem e ainda vou descobrir mais segredos no pequeno pc do capitão.

(Continua...)
Fotografia de Ana Guerreiro, www.olhares,com