segunda-feira, julho 30, 2007

Eu sei...


Já não existem sereias no mar profundo para escutarem os nossos pedidos, morreram desiludidas...Resta-nos o silêncio esse ruído baixo e ensurdecedor que nos aflige por dentro.
Porque tem tudo de ser assim?
João 2007
Foto de Fernanda Veron

segunda-feira, julho 23, 2007

1º Encontro internacional de embarcações tradicionais de Aveiro


Um bom motivo para ver de perto as embarcações ...

...São as pequenas embarcações de trabalho, usadas para o mar e para os rios. Embarcações de pesca, de transporte ou de lazer, que sobreviveram até aos nossos dias, a que agora chamamos “embarcações tradicionais”.

São afinal as embarcações que foram construídas de forma artesanal, envolvendo os conhecimentos de várias gerações de carpinteiros navais, armadores e profissionais do mar.

Estão condenadas ao progressivo desaparecimento. Em 1986 a política de redução da frota pesqueira por parte da CE, incentivou o abate indiscriminado de embarcações. Conhecida como “lei do abate,” a troco de uma recompensa monetária ao proprietário da embarcação, sem salvaguardar as embarcações de trabalho com interesse histórico e tradicional.

Em 1996 o quadro do sector pesqueiro era assustador: o número de embarcações tinha sido reduzido a menos de metade, Portugal foi o país europeu que mais embarcações abateu à frota de pesca, e as embarcações de pesca longínqua tinham-se extinguido em quase todos os portos armadores. Atrás vinham a extinção das fábricas de conserva, de redes, as fundições, serralharias marítimas, fábricas de plásticos para a pesca e outros aprestos navais. A construção naval acompanha este declínio.

A montante e a jusante do barco coabitam uma infinidade de artes e ofícios que se interligam e se completam e que se extinguem pura e simplesmente com a extinção do próprio barco.

Existem hoje muitos meios de transporte e comunicação mas foram as embarcações os primeiros e mais bem sucedidos meios de transporte, permitindo passar de uma margem à outra de um rio em segurança, pessoas, bens e ideias, políticas, religiosas e culturais. Permitiam também deslocações de um sítio a outro e em alguns casos são embarcações aptas ao rio e ao mar, fazendo cabotagem e entrando pelos rios dentro, transportando mercadorias e pessoas.

As qualidades náuticas apuraram-se sempre em função da ecologia do lugar e do rio, da carga a transportar e das capacidades de quem a construía ou mandava construir. Por isso são muitas as tipologias de embarcação de transporte fluvial, variedade que garante a riqueza patrimonial de cada comunidade ribeirinha

As embarcações que ainda existem são as que sobreviveram nos estuários de rios porque continuaram a trabalhar até aos nossos dias, ainda que obsoletas e velhas.
Poucas das grandes embarcações sobreviveram e mesmo estas só pela boa vontade de Municípios, Museus, Associações e pessoas particulares.

As embarcações menores, afinal o grande universo das tipologias navais portuguesas, sobreviveram porque eram funcionais e facilmente transformadas para o motor fora-de-borda ou motor central.

Nenhuma sobreviveu pela sua inegável qualidade estética, náutica, tecnológica ou pelo seu intrínseco valor cultural ou histórico.

Só nos últimos 20 anos a sociedade científica e civil se apercebeu desta verdadeira catástrofe da qual resultou a extinção de parte significativa do nosso património náutico, marítimo e fluvial, património integrante da nossa identidade cultural como País.

Assistimos hoje à própria extinção das comunidades ribeirinhas.

Com a visibilidade que nos dão os Encontros de Embarcações Tradicionais, resta-nos a esperança de estarmos, juntos, a fazer finalmente a diferença.


Excerto da comunicação "Embarcações tradicionais Portuguesas, apresentada nas jornadas técnicas que decorreram no VIII Encontro de Embarcações tradicionais da Galiza de 05 a 8 de Julho na cidade de Ferrol

sexta-feira, julho 20, 2007

hoje...


Hoje almoço sozinho. As minhas pernas procuram instintivamente as tuas, os teus pés. Encontro as pernas de aço da mesa. Estendo as mãos, amarfanho a toalha de papel. Ajeito o teu prato acerto os teus talheres. Dobro de novo o teu guardanapo. Na mesa em frente deitam-me um olhar de espanto, comentam sorrindo baixinho. - O gajo é doido, está a falar sozinho.

Eu sei que sou doido. Que fico doido. Que endoideço. Mas hoje almoço sozinho e o ritual é o mesmo, só o teu olhar não…


João 2007
Fotografia de May Garcia

quinta-feira, julho 12, 2007

Os últimos dias…





Os últimos dias passei-os a navegar. Já não é a mesma coisa. Arranjei outro barco. Inevitavelmente tinha de arranjar outro que o nosso ficou na última viagem que fizemos os dois.
Lentamente regresso ao mar, ao nosso mar de amores, ao mar onde posso deixar correr as lágrimas no rosto cansado. Ao mar onde me perco na saudade. Ao mar onde me sinto perdido sem ti. E depois regresso lentamente. Muito lentamente a curar as feridas que ardem salgadas. Sinto-me perdido e esgotado. Esgotado da vida já.

Os últimos dias, passei-os a navegar. A sentir o vento na vela. Em manobras. A sentir-te em cada bordo, cada virada rápida, cada caçar a escota, cada afinar a inrrasa. É um barco pequenino este. É que tua memória cada vez é menos. Assim como o barco é pequenino consigo ter-te mais próxima de mim. Consigo ver-te sentada no banco do meio da pequena catraia enquanto ela navega. Consigo olhar-te. Consigo imaginar-te na minha frente à distância da minha mão. Consigo sentir-te os cabelos ao vento e o teu perfume no vento. Consigo sentir o brilho dos teus olhos como dois sois a cintilarem enormes. Tu sabes que os teus olhos me fascinam ainda. Às vezes dou por mim a olhar os olhos de uma estranha na rua a ver se brilham como os teus. Não brilham. Pareço um velho doido.


Este é um dia em que preciso falar-te para não enlouquecer.
Escrevo-te. Tu já não estás. Mas é como se estivesses guardada dentro de mim.
Dás-te conta da cidade vazia de ti. Dos caminhos que já não és. Só eu aqui fico a tentar enganar o tempo e o coração. A tentar abrir a porta de mim para deixar entrar o vento. Fui para o mar outra vez. Vencer o medo de te perder na memória agora. De ti só tenho a memória guardada em mim. Escrevo-te de memória. Todo este meu sentir é um sentir de memória. Memória virtual. Em tua memoria sempre. Cada vez mais funda, mais funda. Quase a não ser memória. Fico aflito se te perco de vez. No mar reencontro-te e reencontro a paz que preciso.



Hoje o tempo é tempo de ventos, de barcos, de velas e de memória tua. Sempre. Para sempre. O céu está mais azul. A agua mais cristalina. Aqui afastado a costa a perder de vista na linha do horizonte vejo-te a vires navegando até mim. Vens ao leme. Perfeita. Toda amor e memória. Passas por mim e eu aceno-te. Não dás por mim. Reconheço o barco. O nosso antigo veleiro, todo ele eras tu. O ar que respirava era teu. O chão que pisava era teu. Sempre que baldeava o convés eram as tuas canções que embalavam o tempo. As velas cheiravam a ti, às tuas mãos quando as recolhias no meio do temporal. O teu perfume entranhado nas madeiras no nosso beliche, nas roupas. Na almofada. A tua foto ficou lá. Ficou tudo teu lá.
Doía-me, entendes.
Doía-me demasiado a tua falta a bordo.
Todos os lugares eram teus. Não os podia ocupar de novo…
Hoje navego de encontro ao sol. Fecho os olhos e sinto-te no rosto a arder. Logo depois do anoitecer volto a terra lentamente. Pelo escuro da noite
Não quero que saibam que fui ao mar em tua busca…



João 2007
Fotos,Barcoantigo

quarta-feira, julho 04, 2007

Será importante saberes…


Hoje sentaste-te na minha frente a jantar. A mesa redonda em demasia. O restaurante demasiado grande. Já não conseguimos estar sós. Até a cidade é demasiado grande.
Disseste-me de fugida que não devia olhar para ti. Que é perigoso o meu olhar em ti. Que os teus amigos dão por isso. Que não queres.
Porque me ensinaste a olhar de olhos nos olhos se durante anos e anos não o conseguia fazer. Imaginas o esforço que fiz. Para todos os lugares que olhava era o teu olhar que me olhava. Como consegues entrar assim dentro do meu sentir.
E agora que faço?
Finjo que não se passa nada?
Finjo que não sei quem és?
Que não me conheces?
Que não te conheço?
Que fizemos ao amor que temos tanto dentro de nós para partilhar.
-Tenho saudades tuas.
De te dar a mão e caminhar na longa praia de areia quente. De molhar os pés contigo na agua morna. De te dizer das nuvens que estão ao longe. Ensinar-te que são nuvens de nevoeiro que chegam devagarinho pelo entardecer, e das outras cinzentas como farrapos no céu, nuvens de chuva anunciada neste verão que parece um Outono. Falar-te das ondas, dos ventos, das andorinhas do mar e das gaivotas que voam de encontro ao sol vencendo o vento norte que sentimos na face. Dos barcos. Falar-te dos barcos que gosto. Ontem enquanto os barcos partiam iluminados na noite rumo ao mar e eu te dizia que eram barcos modernos do arrasto despedias-te de mim. Ainda me perguntas porque estava estranho eu.
-Tenho saudades tuas.
De te enlaçar em mim. De te abraçar e levantar e rodopiar na areia enquanto os teus cabelos se colam na minha barba. De me deixar cair na areia quente abraçado a ti. De te sentir. De sentir os teus lábios quentes em mim enquanto me beijas com a sofreguidão da primeira vez. Sentes como estremeço por dentro.
- Tenho saudades tuas.
Saudades das tuas mãos. Saudade da cor das tuas unhas. Saudade do teu cheiro em mim.
Saudades dos teus olhos negros que me fascinam.
Ontem pela madrugada despedias-te de mim, e eu fiquei sem conseguir falar-te. Acho que parti num dos barcos que rumavam ao mar…
Será importante saberes que em todos os lugares que vejo é o teu olhar que me olha. Será?


João 2007
Fotografia Piotr Walski