domingo, abril 02, 2006

ESCUTA!


Se um dia partir
Não quero que chores por minha causa
Sabes que és um capítulo da minha vida…
Ou a outra parte de mim por caminhos diferentes
Se um dia partir
Vais saber sempre onde me encontrar
Ou os caminhos que cruzo
Porque tudo gira em volta de ti ou de mim
Tudo gira
Quais rotundas onde as avenidas de um sentido desaguam apinhadas
Pedes-me que volte
Mas ainda não parti, e adiei a viagem
Pedes-me que fique
E eu ainda por aqui estou ás voltas…
Há tanto tempo que por aqui ando, e ainda me pedes que fique?
Já te deste conta?
Ou só agora, que estou preparando o barco
Remendando as velas, calafetando os rombos, mas adiando a partida, te dás conta? Mais dia, menos dia parto, meu amor
Consequência cíclica dos dias cíclicos
Ou então, dos actos cometidos
Porque, não sendo já o mesmo, Inocente, ou casto, ou puro
Desfraldo as velas, esperando que a corrente me afaste do cais
E a brisa quente, enfune o pano, de proa à barra e ao mar azul
Vou fazer a viagem rumo ao desconhecido ou desistindo…
E se calhar
Se o tempo ou o vento de feição o permitirem
Um dia volto
Se entretanto as tempestades não arrancarem os mastros
E rasgarem as velas do barco antigo que sou…
Ou porque se em outro porto, me acoste ao cais
E assim protegido das tempestades, ou dos ventos ciclónicos
Reconstrua de novo o barco, ou remende as velas, ou enfurne os mastros
Ou me deixe estar por ali
Como o marinheiro bêbado
De taberna em taberna, fitando o mar e revivendo, ou recordando
Ou deixando que a lágrima role
E inunde o rosto velho correndo pelos sulcos das rugas…
Os anos passam
A pouco e pouco vou deixando os projectos, as ideias, abandonando a luta…
Já não penso. Que esse acto cansa
E eu estou permanentemente cansado no momento
Hoje contemplo a beleza
A tua ou outra
Que a tua fere, pela indiferença
Outra beleza cobiçada ao pormenor, Imaginada anos atrás…
Pudera eu rebobinar a vida
Outro caminho escolhia de certeza
Que este não me realiza ou satisfaz
Outra beleza escolhia, Interior ou exterior, não sei
Mas não tu!
Que não me entendes!
Ou me queres!
Ou me amas!
Mas não tu!
Definitivamente!
Sei que os anos passam…
O rosto que vejo no espelho lentamente, desvenda-se em rugas novas todos os dias
O cabelo loiro intenso outrora, está coberto pela neve cinza da idade
Em pinceladas primorosamente executadas pelo pintor natureza
Os dias surgem ininterruptos, ora comuns ora bissextos
Nem um a mais nem um a menos
Sei que vou partir
Não é a partida que me mete medo ou mágoa
Não é o fechar os olhos, abandonados finalmente
Os anos passam
Sinto que passam e pesam no meu corpo
Penso
Repenso
Dói só! Tanto que ficou por cumprir ou por sonhar…
Ao acaso escolho-te na rua
Sei perfeitamente que não estas mais comigo
Apenas viverei o suficiente para te esquecer
Fora isso
Carrego em mim perpetuamente todos os sonhos envoltos em lágrimas e em flores
Fechaste a porta
E eu só!
Percorro esta ladeira íngreme de pedras que ferem o coração.
Chego finalmente ao cais onde embarco para o outro lado do mundo
Vou só!
E tu!
Um dia acordas!
És o meu mar salgado feito em prantos à mistura com o alcatrão negro
E as aves marinhas mortas
As palavras continuam o que são na eternidade
Simples!
À parte isso
Trago comigo todos os traumas, de todos os heróis mortos perfilados em Nassíria Envoltos em lágrimas e em flores nas notícias globais em prime time
Sei repetidamente que não estás mais comigo
Apenas viverei de novo, uma outra vez, o suficiente para te esquecer
Confesso mas não me importo já
Na nossa cidade branca, vejo da minha janela um por do sol de névoas
Os autocarros laranja continuam ainda apinhados de gente nas horas de ponta
Compreendes agora os olhares sem brilho?
És anónima na multidão apressada
Vais continuar assim por muito tempo escolhida ao acaso
E nas ruas molhadas pela chuva miudinha que cai como um choro comovente
As sirenes das ambulâncias gritam de dor, e passam velozes
Incomodado
Viro-me para o outro lado da cama e espero
Que o sono me leve para o abismo ou a morte redentora me chame
Tenho a leve esperança adiada, sei que sim
Invades o meu sono
Espero e quero ouvir-te
Fala-me de amor ao ouvido!
Como só tu sabes!
Assim, adormeço, um sono pesado

Lentamente, porque o Inverno se aproxima
As árvores despedem-se das folhas secas
E nós aqui. Surpresos!
Sem nos darmos conta da sua vinda
Ou das árvores assim desnudas
Não nos importamos com o que se passa do outro lado do mundo
A nossa história interrompida! Um deserto de sentidos!

As areias deste deserto magoam-nos a pele e ferem o olhar
Estão seguros os estandartes, e as flâmulas ondeiam ao sol e aos ventos
As espadas, e as lanças, brilham ao sol
O sangue rubro mancha as mãos com o pecado original
Já não existem Virgens, e as Burcas escondem o medo como cortinas
Então pela TV, entram-nos em casa os heróis mortos nas notícias
As bombas passeiam nas ruas com as crianças
As pedras lançadas. Os gritos os clamores
O Deus estranho! Que desconheço. Mas omnipresente!
As palavras deixam de ser simples ou inocentes
Nenhuma palavra é inocente!
Finalmente passaste o cabo das tormentas
Vencido que foi o Adamastor
Ironia do destino ou predestinação das almas
O mar continua o mesmo. Misterioso e salgado!
E se de novo ao acaso te escolher na rua
Repetitivamente num acto de busca ou procura premeditada
Não vires costas desagradada
Pára um instante e vem comigo
Já não precisas de me dar a mão
Somos finalmente dois desconhecidos, e somos os únicos no momento…
Este é um jardim deserto onde me encontro
Dos bancos onde me sentava
Do banco onde um dia gravei teu nome nada existe
As árvores estão em silêncio mortas
Os pássaros partiram
Arrumei o amor num qualquer compartimento obscuro do cérebro
Deixei de me preocupar que a tua voz num repente deixasse de procurar a minha Deixei de pensar em ti ao meu lado
Fartaste-te de mim?
Do meu corpo cansado?
Das minhas mãos que te envolviam e adiavam a despedida
O nosso amor; – Só sexo!
Esta é, uma frase que lembra um romance condensado
Sem prólogo, epílogo ou emoção
Conto barato
Estou a aprender a viver sem ti
Ou sobrevivo
Apareces no meu sono
Invades o meu sonho, e então acordo em sobressalto
Sentir o cheiro e o calor do teu corpo.
És mestra no disfarce
Descobriste as passwords de acesso directo ao cérebro
E estás ai como uma tela de ecrã plano nas paredes
Já não te peço para que fiques comigo hoje
Enfrento o frio sozinho e nem a lareira acendo desta casa em pedra prisão
Fazes-me falta porra!
Cheguei de uma viagem dolorosa e tardia, demandando a barra traiçoeira
O barco cansado e velho acostou ao cais imenso desta ribeira
E tu!
Já não estavas aí à minha espera
E eu que tanto sonhei o momento, não desembarquei
Tu!
És o meu mar salgado feito em ondas de saudades,
Que carrego como mendigo num saco velho cheio de segredos
Estrelas-do-mar, cavalos-marinhos, corais brancos
Tesouros que te queria dar
Contar a história verdadeira de cada um ao pormenor, detalhadamente
Esta é mais uma noite fria sempre igual
Onde num gesto de rotina, leio um livro noite dentro
Sentado aqui
Recolhendo o calor das cinzas desta lareira apagada
Deixando que o espírito liberto e em paz acompanhe o pensamento
E porque o pensamento voa só, liberto, atravessa um mar atlântico em fúria
E perde-se em tua busca
Eterna é a busca
Eterno é o sonho
Este é um dia frio em que penso em ti
O coração gela
Já não sei se existes?
Este é um mundo de impulsos, ou de pulsões
Quero-te!
Não te quero!
Quero-te de novo!
Abandonas-me!
E eu vou na correnteza do rio
Mas sei nadar
E não me importo que as águas traiçoeiras me engulam nos redemoinhos
E as cachoeiras de espuma gritem um som húmido
Abafado e líquido
Onde o meu grito por ti se confunda e se perca infinito
Num clamor de peixes cor de prata que brilham ao sol
Por entre nenúfares, libélulas, e os jacintos de água...
João marinheiro ausente

9 comentários:

Anónimo disse...

Ao ler estas palavras comovi-me, pareceu-me ver á minha frente as várias etapas da vida de alguem.
Alguem q já sofreu e continua a sofrer. Revejo-me um pouco nestas palavras, por isso te envio este singelo comentário assinalando assim a minha passagem.

Um abraço amigo.
Sandra

lena disse...

encantei-me e consegui escutar-te


Belo!


beijinhos

Anónimo disse...

Enfrenta o Atlântico, sobe ao mastro da mezena, procura no horizonte, aporta em porto seguro, quem sabe não estará ai a tua felicidade? Muitas vezes a vida cria-nos ilusões, fantasias e nós, que teimamos em não aceitar a realidade embarcamos nesses sonhos de desejos. Não vale a pena sofrer quando o nosso amor não é correspondido, não nos podemos deixar levar pelas declinações verbais ou pelas terminologias linguísticas sejemos realistas. Sabes, sinto-te a navegar num frágil barco, por águas traiçoeiras, deixando para trás as mágoas e marés, tentando uma fuga prestes a naufragar às portas do fim do mundo. Tu tens que ser feliz ms essa felicidade tem que partir de ti e não dos outros. Um abraço

Anónimo disse...

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim

Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos.

Anónimo disse...

Escutei!!!...sabes que escuto...que vejo além do que escreves...e de momentos da tua vida, fizeste algo belissimo...este poema que acho simplesmente fantástico. Um beijo eterno mar...e que o vento sul te sacuda as velas levando-te a porto seguro se é que existe um....beijos doces polvilhados de ternuras.

Vica disse...

Nossa! Fiquei sem fôlego!

Anónimo disse...

Fiquei sem palavras...
Um Beijo.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

..Pedes que volte, e eu ainda não parti..

Acho que esta frase diz tudo...

Susie disse...

Um beijo e obrigada por teres passado no meu porto de abrigo!