segunda-feira, abril 10, 2006

AS PALAVRAS



Que confessam o meu amor por ti são um composto químico fora de validade
Uma mistura de emoção, fluidos e suor frio
As palavras simples de outrora já despiram a beleza
São cruéis, frias e solitárias no momento
Palavras de Inverno e temporal no mar
Mar salgado em lágrimas e prantos de naufrágios
Eu que fui um imenso barco de quatro mastros naufraguei hoje
Ao demandar a barra do Douro. Rio do meu desencanto
Inundado em fluidos do olhar que brotam
Lágrimas de saudade…Fora de validade!
Não é válido o nosso amor. É imaginação minha
Portanto um composto químico fora do corpo
O teu não existe
Sinto o meu preso no aço
A garganta envolta nas correntes que garroteiam a voz…
Nem me lembro da tua voz! Será que existe? Será que tem som? A tua voz!
Este foi um naufrágio doloroso
A dor de abandonar a Cantareira rumo ao sul
Para longe. O outro lado do mundo. Sempre uma direcção contrária
As palavras que confessam o meu amor por ti não têm letras
São folhas de papel em branco. O livro branco do desamor
Ou em última instância, no derradeiro fôlego
A ausência do amor
O nosso amor! O corpo preso na lâmina, o fio da navalha…
Toda a minha vida é um imenso fio da navalha, de ponta e mola!
E tu!
Degladias-te bramindo a lâmina no espaço, brilhando ao sol
O brilho ofusca o meu olhar
Assim cego
Tacteio as paredes húmidas do salitre que escorre lentamente bem por dentro.
Uma mistura perigosa de água e cloreto de sódio que corrói,
E envelhece o aço que aprisiona o corpo.
Confesso que um dia, corroídas que forem as grades prisão,
Vou de novo em tua busca. E ai sim.
Disfarçado de Arlequim ou Deus Apolo,
Levo comigo os trovões, o vento, as tempestades, o mar, as medusas, e os tritões.
Os bandos de gaivotas atrevidas.
As andorinhas do mar.
Os corvos negros, os mergulhões.
Todos os golfinhos, os arroazes e as toninhas.
Liberto das grades, a prisão esfera de aço.
Emergindo das profundezas, do silêncio azul retorno ao Douro,
Às pedras centenárias do cais na Cantareira,
Aonde me sentava contigo ao fim de tarde,
Onde as gaivotas e o por do sol, partilhavam os nossos beijos,
As juras eternas do amor que não existe.
Porque este não é o meu Douro ou o meu rio…
E os teus lábios estão cruelmente frios como o aço da lâmina!
Serei o Deus renascido, a Fénix, ou Ícaro?
E tu!
Continuas a rir, e a degladiares-te com a aflição que sinto.
Espécie de Minotauro em fascículos descontínuos…
Deixo que o barco se abandone à sua sorte numa praia qualquer.
A madeira minada pelo taredo, ferida de morte!
Aos poucos, lentamente larga a ossada, as cavernas desconjuntam-se.
A roda de proa tomba! Altivamente! Orgulhosamente! Heroicamente!
A amura descai, o través, a popa.
Uma dor que sinto, pedaços de mim à deriva.
O vento do norte junta-se ao festim e trás a areia que grão a grão,
Milhões de grãos, me dão a sepultura possível,
Longe do olhar dos homens que me abandonaram.
Eu que também fui homem e barco com alma.
Perdi a minha, no dia que confessei o meu amor por ti!
Morro só! Sem alma e só!
E tu!
Um dia quando tiveres tempo e te lembrares, ou releres a tua agenda.
Vais encontrar as folhas em branco, as nossas folhas…
Fora de tempo e sem validade.
Nesse instante!
Se ainda existir em ti um coração. Tenho essa esperança.
Vais sentir o sabor do meu mar.
O meu mar de salitre que corrói!
O meu mar salgado em lágrimas e prantos de naufrágio
O meu mar de negro!
Do crude pestilento!
O meu mar de luto!
O meu mar sem alma!
E eu vou estar bem no molhe Junto à Cantareira sentado.
Serei um dos velhos lobos-do-mar ao acaso descritos por Redol…
E por entre os clarões do farol,
Vou ver o brilho das tuas lágrimas assumidas como estrelas.
Lágrimas de saudade e da ausência consentidas!
A tua ausência.
À qual me habituei desde que me conheço.
Já não me vais reconhecer meu amor.
Sou todos os rostos dos velhos
Pintados num quadro, do pintor anónimo em fim de semana…
Confesso que tudo isto é confuso.
O amor. A saudade. O mar. A ausência de noticias. Ou imaginar-te.
O ser um barco dos antigos,
Com quatro mastros,
Mas sem as velas que me levem na brisa, ou me empurrem até ti.
As tuas lágrimas assumidas como lâminas.
Do punhal que me rasga a carne, e me faz sangrar.
Confesso que o coração ainda bate,
Leva nas artérias a dor, e trás nas veias a saudade…
Porque as palavras que confessam o meu amor por ti
Continuam um composto químico fora de validade…
Sem tempo!
João marinheiro ausente

5 comentários:

claudia disse...

Bonito como sempre:)

Se poderes passa no meu aquário:)

~~~~~~~~~Bj obrigado~~~~~~~~

Anónimo disse...

É linda a forma como escreves. Aprecio a profundidade das palavras.

bjinho
Sandra

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

...as lágrimas assumidas como lâminas...

belo, quanto triste...

Miriam5 disse...

Muito bonito, os amores têm que ser contados, "amar alguém em segredo é dizer adeus sem dar por isso"
Um beijinho

Anónimo disse...

Sempre no fio da navalha mar...o sangue escorre-te pelos dedos...Simplesmente lindo o teu cantico de amor sofrido.