domingo, dezembro 31, 2006

Hoje chove no cabo do mundo…


Hoje chove
Sinto a chuva a cair lentamente
Pequeninas gotas
Uma chuva suave
O dia é cinzento hoje
Chove
As gotas batem nos vidros e eu estou do lado de dentro contemplando o mar
É um dia bom para ler um livro no cabo do mundo
A minha praia de memórias agora que o ano termina
Estou só no carro mais o livro, a chuva, o dia cinza
Às vezes passam as gaivotas rumo a norte, mas não me ligam nenhuma
Os seus pensamentos são outros.
Estou só no carro e o tempo arrefece
Sinto o frio a subir em mim pelos pés
Espécie de torpor, de hipotermia suave
Chove lá fora, no chão espécies de charcos, lagos doces
Onde os pardalitos se banham em breves esvoaçares de asas
Perco-me da leitura que me trouxe até aqui
E queria estar recolhido longe do mundo, só
Aqui neste sitio mágico onde confessei o meu amor por ti
Já não sei quando
Lembro que nesse dia estava sol, um sol por bonito
E o mar calmo e o vento calmo e os nossos corações apressados em sobressalto
Mas hoje chove
E a chuva escorre no vidro como as lágrimas que sinto por dentro
Tu não sabes
Que venho aqui muitas vezes ao longo do ano
Que aqui fico como hoje tentando ler um livro
Mas que o olhar vagueia dorido da tua ausência.
E as folhas ficam paradas, sem virar a página
E tu também não sabes que comigo trago as músicas que me ofereceste um dia
E as repasso enquanto tento ler o livro que não consigo
Porque afinal
Hoje chove
E o livro é só o pretexto para aqui vir de novo
A este sitio deserto
No cabo do mundo
Encontrar-me contigo
A tua memória
A imagem de ti
No cimo da pedra em contra luz, o sol a pôr-se nas tuas costas
E eu, meio tonto, a estender-te as mãos e tu a sorrires
E o teu cabelo ondulando ao vento suave, e eu feliz por te amar.
E o livro é só o pretexto
A chuva as lágrimas que sinto por dentro
O carro vazio do teu perfume
Os meus pensamentos são outros…
Finda mais um ano
E eu findo em ti de novo
Encosto a face ao vidro e está gélido
Repete-se a tua música de novo, a nossa música
Bailam em mim as palavras…
Chove
E esta chuva calma é uma espécie de fronteira
Já não te toco, não te sinto, não te beijo ou te abraço.
E esta chuva é uma espécie de fronteira
Uma espécie de mar profundo onde me afogo na saudade tua.
Porque hoje chove
E eu vim mais uma vez
Reencontrar-me num equilíbrio precário da tua ausência.
Porque, meu amor me dói a tua ausência.
Me dói ainda este amor que guardo em cada respiração
E porque me sinto abandonado
Outra vez e outra e outra e sempre desde que partiste
E venho aqui sempre
Quando a saudade aperta e me sufoca
E aqui só, deixo que o soluço rompa de dentro
Ou as lágrimas se confundam com a chuva
E eu descanse, repouse o pensamento por breves momentos
Em que chegas e eu te sinto por inteira.
Então viro a página do livro que trouxe para ler e que era só pretexto para te ter
E continuo a olhar o mar e a chuva a cair lá fora
O dia escureceu já, agora negro, um cinzento negro.
Finalmente ganho a coragem de partir
Despeço-me de ti fechando o livro desligando a musica limpando a chuva no vidro.
Ligo o motor. Acelero, e esqueço-me que existes.
Volto para trás, o caminho de casa. A vontade outra.
O teu abraço que me faz falta…Tu não sabes
Mas virei ainda aqui mais vezes no ano que se aproxima
Nos dias de chuva
Ler o livro
Hoje amo-te ainda!

João marinheiro Dezembro 2006
Fotografia de Barcoantigo

6 comentários:

Anónimo disse...

E não é que chove mesmo? :) Feliz ano novo João.

Anónimo disse...

Feliz Ano João e já agora gostava de saber onde é o cabo do mundo, simples curiosidade, nada mais, beijo com ternura.

joão marinheiro disse...

Eu genia.
Perguntas-me pelo cabo do mundo, não te posso dizer desse sitio mágico para mim. Não devo porque o guardo na memória. Assim não te posso satisfazer a curiosidade. Mas com um pouco de pesquisa chegas lá...

Beijo daqui.

Anónimo disse...

Fico triste, as pistas que me dás são poucas ou serei eu que não as consigo interpertar, em todo o caso o meu muito obrigada João, virei aqui mais vezes... sempre....

joão marinheiro disse...

Eu genia,
Não fiques triste, já tenho demasiadas pessoas tristes á minha volta.
As pistas como dizes, são escassas, mas as possíveis no momento. E para uma simples curiosidade chegam. Desculpa o meu mau jeito, mas um marinheiro é um pouco assim, rude no falar rude no sentir.

Abraço. Serás sempre bem vinda

Anónimo disse...

Muito belo!...
Dou-te daqui a minha mão