segunda-feira, setembro 04, 2006

O importante a tua chegada...


Chegaste agora.
O importante que é a tua chegada.
Perguntaste-me: - Então novidades?
-Novidades neste tempo em que estive ausente? E eu fiquei calado. Olhei-te nos olhos. Aprendo a olhar-te nos olhos. Não disse nada. Não existem novidades. Os dias correm iguais sobre 24 horas espaçadas.
Como dizer-te. E não digo. Remeto-me a um silêncio perturbador. O silêncio sempre, para dizer-te o que não se diz por palavras. Como dizer-te que contei os dias em que tu não estavas. Como dizer-te que percorri os mesmos caminhos ainda poucos por onde andamos juntos. Como dizer-te. Como dizer-te para que saibas que em mim ficou guardado na esperança do teu regresso, o calor das tuas mãos nas minhas por breves instantes. Um calor por entre os dedos que circula por dentro para que não se perca. E eu o guardo como um pouco de ti. Demasiadamente pouco de ti. E que fiquei sem noticias tuas, porque sabia que ias partir. Que ainda não estou preparado para a partida. Que me dói a ausência sempre, desde pequeno. Que a minha vida é feita de muitas ausências e de muitas outras coisas mais que sinto. E que sofro de uma espécie de nostalgia perene.
Como dizer-te tudo isto que sinto e penso sem que te apercebas nos momentos breves em que te olho de olhos nos olhos. Reprimo a vontade de te dar a mão, porque a magia que estava a habitar em nós se ausentou também. Foi contigo, e eu só, perco-me em pensamentos de solidão e abandono. Como dizer-te tudo isto que sinto sem te magoar a ti a quem aprendo a querer. Como dizer que agora retorno ao principio dos dias claros, porque os quero claros, azuis celestes, mas que por vezes me tenho de contentar com dias cinzentos, com chuva pelo meio e vento e frio. Autênticos dias de Inverno. Temporal no mar ao longe que escuto. E nestes dias especialmente me recolho na esperança vã de te encontrar e eu retornar a ti, a encontrar-te de novo. Como falar-te do dia anterior à tua partida. O dia anterior para mim. O dia em que cometi dois pecados seguidos. Pequenos eu sei. O terceiro pecado que não cometi, porventura o mais importante e mais desejado fica adiado ad infinitum.
Gostava de te escrever uma carta explícita mas não consigo. Estou como o dia cinzento, ainda no verão mas cinzento. Cinzento e ventoso. É Setembro mas não foi em Setembro que te conheci, não, mas é em Setembro que te recordo, me dou conta da tua falta em mim. Da complexidade dos dias, da complexidade da vida, da prisão dos sentimentos. Só o sonho é livre. Sou livre quando sonho contigo.
É madrugada, cinco e tal da manhã, a cidade deserta como eu gosto, pálida. A luz amarela dos candeeiros a meia potencia, Iluminam o suficiente e eu caminho pela avenida devagar. É assim que gosto desta cidade, vazia, em silêncio, interrompido só pelo chilrear assustado dos pássaros nas arvores, acordados pelo barulho de meus passos no granito velho da avenida. Sinto um cheiro no ar a pão cozido, e fica-me um sabor doce na boca, o desejo de comer pão quente e beber um café forte. Se fumasse com certeza para afastar o desejo acendia um cigarro, aspirarava o fumo de um trago, e nesta pausa de acender o cigarro, olhava ao redor. Mas não fumo. Assim desci a avenida abandonado, as mãos nos bolsos, o corpo frio, um estremecimento da pele arrepiada. Sinto a humidade nocturna e o sabor do pão quente nas narinas. Penso em ti de uma maneira que nunca tinha pensado, talvez por me encontrar só, com frio, nesta cidade deserta a descer a avenida principal em direcção ao rio. Penso em ti nua sob os lençóis na tua cama que não imagino. Não sonho a esta hora da noite tardia, ou do dia demasiado cedo. Não sonho com certeza mas penso em ti. Não devia a esta hora imprópria, mas és tu que estás em mim, plena. Não penso em ti de maneira pecaminosa, lasciva. O facto de te imaginar nua sob os lençóis, é assim que gosto de dormir, penso que será assim que gostas. Imagino-te portanto, nunca te perguntei como dormes, prefiro imaginar-te hoje enquanto o sol a nascente abre os olhos devagarinho. Penso em ti, a posição que ocupas na cama, os desenhos do teu cabelo solto na brancura dos lençóis. Tudo tem que ser branco na tua cama. Toda a roupa. É assim que te imagino. Pura! Branca! Diáfana! É importante o desenho dos teus cabelos na cama. A tua face bonita e serena, os olhos fechados, o respirar tranquilo, as tuas mãos abandonadas dormindo, como gosto das tuas mãos pequeninas. Como és na intimidade da noite dormindo. Desculpa estes meus pensamentos descabidos. Não são pensamentos impuros acredita. O amor é puro. Só não sei se sinto amor. Sinto a tua falta, já é um princípio e agora tudo é diferente, não sei porquê mas é assim que sinto, estamos diferentes, mais fechados em nós, protegidos. Não faço perguntas mas sei que ficam as dúvidas que persistem em mim. Socorro-me dos momentos breves em que estamos juntos para dissipar as incertezas. Na distância que medeia cada encontro, sonho. Nesses espaços sonho. Umas vezes nada. Outras contigo. Quase sempre sonho contigo, nunca o disse por palavras ou pessoalmente, não o sei dizer. Fica a perdurar o tal silêncio que se instala em nós e que diz tanto. Transparente, cristalino.
Queria escrever-te uma carta, a carta com as novidades mas não posso. As novidades não existem em mim, os dias são iguais, avizinha-se o Outono nas estações cíclicas e em mim, o mais não sei.
Cheguei entretanto ao fim da avenida, passo por um conjunto de táxis, vindo de um deles entoa uma música, fico atento. Reconheço. Acho que nos últimos tempos me persegue o ouvido, será um sinal? Não faço ideia, levo-a comigo agora também e sinto-me inexplicavelmente feliz…

“ Eu gostava de olhar para ti /E dizer-te que és uma luz
Que me acende a noite / Me guia de dia e seduz

Eu gostava de ser como tu / Não ter asas e poder voar /
Ter o céu como fundo / Ir ao fim do mundo e voltar

Eu não sei o que me aconteceu / Foi feitiço / O que é que me deu? Por gostar tanto assim de alguém / Como tu

Eu gostava que olhasses para mim / E sentisses que sou o teu mar / Mergulhasses sem medo / Um olhar um segredo / Só para te abraçar

O primeiro impulso é sempre justo / É mais verdadeiro / É o primeiro susto / Dá voltas e voltas / Na volta redonda de um beijo profundo…” *

Chego por fim à minha casa vazia de ti, fecho a porta atiro-me sobre a cama desfeita, adormeço. Baila em mim a musica como flocos de algodão doce. Por fim adormeço. A carta fica para uma outra altura …


João marinheiro ausente
Fotografia Google

* Poema de André Sardet

12 comentários:

APC disse...

:-)
... Um :-) por cada palavra, linha, passagem ou expressão perfeitas... São muitos :-)s!

Paulo disse...

O silêncio, do silêncio faço um grito e a distância é um ruído de correntes que forjam o espírito....até à terra de niguém....

Paulo disse...

*ninguém

maresia disse...

amo essa musica!!

APC disse...

«Não percebes porque é que não te falo? Ainda não percebes que, na personagem que de mim eu enceno, não cabe a ameaça de uma derrota, a antecipação do desencanto, a sombra de um vexame? Não te falo, para não saber que o que eu te digo é apenas a forma contida de te dizer outra coisa, mas que essa coisa não é do teu mundo, nem do mundo que eu construí, nem do precário mundo que a nossa fragilíssima ternura mútua arquitectou. E tudo isto é literário, eu sei, mas – que queres?, a literatura é o melhor de mim e é o melhor de mim que vive dentro da minha cabeça quando estou contigo.
(...)
Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim.
(...)
Esta carta é um acto de puro egoísmo, que eu até talvez nem tivesse o direito de praticar. É-te incómoda, necessariamente, e isso bastaria para que eu me abstivesse de a enviar, dentro de um envelope azul. Mas o azul fica-te tão bem, e as cores todas ficam em ti como tu ficas no mundo: exactamente.
(...)
(E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim.)»


António Mega Ferreira
(a ler por inteiro!)

Anónimo disse...

Uma melancolia sempre presente
meu querido João...



Venho agradecer as tuas
palvaras...o teu apoio.
Um imenso abraço.
Obrigada.

Su disse...

uma ausencia spre presente....
gostei de ler.te...descreves tão bens o teu sentir...que sentimos contigo

psst execelente o excerto deixado por apc....

jocas maradas

joão marinheiro disse...

Caríssimo Paulo Sempre, ma agradável surpresa o seu blog, li e reli.
Cara APC, já li o livro em questão, porque não conhecia este, efectivamente a parte que transcreves é das mais bonitas… E tudo começou no Cabo da Roca. Engraçado, quando lá vivia ainda na Azóia não tinha chegado a luz eléctrica… tantas lembranças de lá…
Ana, minha querida amiga, obrigado pelo apoio, tenho uma pergunta a fazer-te, uma curiosidade apenas, ficou a duvida se não és do Minho…E, com tantas perguntas e respostas minhas o que não é habitual em mim, isto até parece o msn…
Abraço enquanto o vento gélido e o nevoeiro não nos largam

Anónimo disse...

Ola, aqui vai mais umas frases a parecer o MSN :))
Primeiro obrigado pelo teu abraço mareante e visita lá ao meu blog.
Qto ao teu blog voltarei com mais tempo para dar a voltinha toda;)
Sobre a tua curiosidade de saberes onde fica a praia da minha foto, é a Praia da Assenta, concelho de Mafra que dista a 10km da Ericeira, e outro 10 de Sta Cruz, ficando portanto no meio. O que ali foi feito pela mão do homem nao tem muitos anos, apenas foi com a intenção de fazer uma "piscina" mais agradavel à natação. Se existe esta aplicacao para efeitos de pesca, desconheço. Mas ali pesca-se principalmente o caranguejo, polvo, e mexilhão.
Se necessitar de mais alguma explicacao, disponha.
Beijinho*

APC disse...

É... Ele há coincidências, não é? Acredita que a minha vida também é feita delas... Assustadoras, algumas!
Mais um beijinho, desta vez com mais cor!:-)

PS - E outro para a Su!:-)

Claudia disse...

E porque as outras palavras fugiram, diso-te apenas que...

...o mais importante não é a minha chegada, mas o facto nunca ter partido...

Beijo

Anónimo disse...

Tenho lido. Tenho lido sim. Este relato, tão comprido mas longe de ser fastidioso, pelo contrário! Há pessoas que sabem como pôr as palavras de tal modo que parecemos viver nelas. E tu fizeste isso.