domingo, maio 24, 2009

Do desencontro...VIII parte...


( Livro de contos...)


Tenho de reorganizar as ideias. Sábado quero estar em Londres, mas primeiro vou resolver os assuntos que estão pendentes por cá. A casa no Porto, os pertences do pai, e principalmente quero resolver o meu envolvimento com Laura. Toda a noite estive acordado a pensar a repensar, acho que não posso exigir nada a Laura, não acho tenho a certeza, aqui quem se portou mal fui eu, que fui atrás de um sonho de um projecto de realização profissional onde ela não teve lugar, errei, fui demasiado egoísta e ciumento. Verdadeiramente não tínhamos um compromisso assumido, éramos só dois bons amigos, mas ambos sabíamos que a nossa amizade estava muito para alem dos actos e dos afectos, era amor que sentíamos um pelo outro, mas não quisemos assumir o compromisso, sempre disse a Laura que estava de passagem, que a minha vida era em Londres e a dela em Lisboa, sorria e dizia-me que a vida dela seria onde o coração se sentisse bem, fingi sempre não perceber as suas palavras…que egoísta fui. Que procuro agora? Como vamos reagir no momento em que nos encontremos? Bem tenho de me deixar de suposições e resolver logo de uma vez o assunto. Não posso viver agarrado a expectativas e lembranças passadas porque o mundo avança e o coração das pessoas muda, tem que mudar para melhor, acho que o exemplo do capitão Júlio me serve de lição, um amor único para toda a vida em pleno século XXI não resulta pelo menos se não for correspondido, partilhado em todos os momentos. Tenho as mãos vazias e o coração abandonado e carente, cheio de pequenas recordações cada vez mais escassas e longínquas.


Olho a rua quase nada mudou nestes últimos cinco anos na Brancamp Freire, só a porta de entrada do prédio de Laura é agora moderna em alumínio, olho os botões da campainha dos andares, tenho o peito a bater forte, a respiração apressada, imagino-me no meio de um temporal no Cabo Horn, não posso vacilar, tenho de ser frio como uma máquina e raciocinar ao milionésimo de segundo, sou o capitão do navio, sou o responsável supremo aqui nesta minúscula imensidão do oceano, não posso falhar, não devo falhar, carrego no botão terceiro direito. Espero, não acontece nada, espero, agora o coração quase que para, a respiração quase que para, os olhos fixos ali, o botão redondo cromado em latão, o cromado comido pelo uso, as letras gravadas em baixo relevo quase sem tinta preta. E se não habita ninguém já aqui? Lisboa tem mais de um milhão de habitantes, como faço? Sinto-me por momentos um náufrago abandonado numa pequena balsa no oceano sem fim. Mecanicamente toco de novo, mais demorado desta vez, olho o relógio no pulso, doze e dezassete minutos, hora de almoço, hora de estar alguém em casa, o trinco eléctrico interrompe os meus pensamentos com o seu barulho metálico vibrante, empurro a porta, entro, transponho esta espécie de fronteira e o coração dispara de novo, e as pernas tremem e sinto-me aflito, com medo, respiro fundo, olho para cima a clarabóia em vidro branco a iluminar as escadas em madeira velhas, impecavelmente lavadas, são três andares, seis lances de escadas, coloco a mão no corrimão em madeira polida, lembro-me das vezes que temerário e doido o descia sentado, com a Laura a correr escada abaixo aflita atrás de mim. Que doido era. Subo mais um lance, aqui junto a este vaso com esta avenca viçosa dei o primeiro beijo à Laura. Estas recordações tem a faculdade de me acalmar e de me decidir a continuar. Hoje vou em busca do ano que falta na minha vida, ou o encontro ou o perco para sempre. O sol incide na clarabóia, sinto o seu calor apaziguador, e o coração a acelerar outra vez, bato à porta, ouço o som de um rádio ou televisão, espero, é a espera que me angustia, mesmo breve é sempre demasiado longa. Abrem a porta, não conheço a senhora. – Perdão, gostaria de falar com a menina Laura é possível? Olha-me com surpresa, murmura – um momento e encosta a porta. Penso nem sei quantas possibilidades de combinações possíveis nesta fracção de tempo, pareço um imenso cubo mágico. Sinto de novo passos em direcção à porta, fico expectante controlo-me. Quem abre é a mãe de Laura, a mesma senhora linda e de olhar azul, que fica surpresa a olhar-me de olhos arregalados durante uns momentos que me parecem outra vez demasiado longos de transpor. Tudo me parece demasiado longo vagaroso hoje. – Olá João Pedro, que surpresa nos pregou o menino, entre, entre, diz de rompante como se eu ainda ontem lá estivesse estado. Obrigado dona Rosália murmuro enquanto avanço pelo pequeno corredor em direcção à sala ao fundo. – Armando, olha quem nos veio visitar, entro na sala o pai de Laura estende-me a mão com um sorriso a cumprimentar-me.


- Então João Pedro o que é feito de si? Pelo que vejo a vida corre-lhe, de perfeita saúde, moreno e elegante como sempre. Não me passava pela cabeça encontrá-lo de novo. Mas sente-se, vamos para aqui para a salinha. Olhe fica para almoçar, e não admito uma nega, fica e pronto, temos muito para conversar, é para conversar que cá veio não é? Para conversar e saber da Laura. Sente-se, que já colocamos a conversa em dia.
Fiquei sem reacção. O Sr. Armando armado com o peso dos anos a experiência da vida nem me deixou murmurar uma sílaba. Dei dois passos, autónomo, em direcção ao sofá que me indicou com a mão, e deixei-me literalmente cair, com todo o peso a afundar-me na almofada macia. A dona Rosália dirige-se a mim de braços abertos, levanto-me de novo e deixo que me abrace, enquanto me murmura baixinho, quase um sussurro ao ouvido – o menino foi um doido e agora já não tem remédio…
Fiquem aqui a conversar que vou colocar mais um prato na mesa, diz enquanto me larga e se afasta. Que surpresa! Que surpresa o menino João aqui! Que surpresa vai ser logo! Escuto a querida senhora falando baixinho enquanto entra na cozinha. Olho a sala está tudo na mesma, só os móveis são diferentes mais claros, modernos, a sala de jantar com as paredes pintadas numa cor diferente a condizer com a mobília. As coisas que me passam na cabeça num repente, espécie de flashes, de clarões da memória que julgava perdidos, sem importância. Demoro o olhar na estante dos livros. As fotos expostas dos pais da Laura e da Laura, observo uma em particular, a Laura vestida de noiva, e outra, a Laura frente ao altar com o noivo. Começo a sentir uma espécie de agonia, um nó no estômago, o coração a descompensar. O Sr. Armando dá conta, e exclama. Então João o mundo avançou, são fotos da Laura sim, do seu casamento. Olhe, mais logo ela vem cá visitar-nos, se quiser pode ficar e também a cumprimenta e fica a conhecer toda a família. Não sei se o Francisco, o seu marido vai vir, ele está cá em Lisboa num congresso, é médico neurocirurgião. A Laura também está em medicina embora agora esteja em casa.

Mudemos de assunto. Fale-me de si que tem feito? Vais fazer 6 anos que o João foi embora de viajem não é verdade? Pergunta enquanto me serve um cálice de Porto vintage.

- Sim vai fazer 6 anos que comecei a viajar exclamo enquanto cheiro o vinho do porto. O melhor vinho do porto que bebi em toda a minha vida foi aqui em casa dos pais de Laura, o Sr. Armando tem uma colecção excelente de vinhos do porto.
Sempre excelentes os vinhos por cá, exclamo enquanto bebo um pouco. Armado esboça um sorriso, e eu penso numa fracção de segundo como resumir todos estes anos da minha vida de forma coerente, quando o que eu queria era saber pormenores da vida da Laura e que os ponteiros do relógio galgassem as horas que faltam e que ela entrasse pela porta. Para que eu a pudesse ver uma última vez, e depois ir embora fechar esta porta este capitulo ainda em rascunho na minha vida. Vem-me à memória um verso que escutei estes dias numa música da Mafalda e que me ficou a bailar dentro do corpo.

…“Era uma vez um pensamento teu
Quase podia ser segredo meu e teu
Era quem sabe um tempo de inventar
Subir o teu corpo
Cair do teu sonho
E ficar em nós”…




(continua...)


Fotografia de Barcoantigo em 2008

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