segunda-feira, junho 05, 2006

NOITE DE NATAL


Finalmente reencontrei a tua música
"Two Fingers," do album: Je t`Aime, Je t`Aime.
E deixo-me levar nesta hora do avesso
Em tua busca da memória já escassa
Não consigo lembrar teu rosto nítido
Não sei já quem és aqui presente ao meu lado, gélida.
Esta é, dou-me conta, uma noite fria de Natal.
A neve cai por dentro de nós, unipessoal, e derrete como lágrimas de sal
Inundando os corpos um suor frio e paralisado
Escrevo-te de novo. Não sei se para ti.
Escrevo para mim, desabafo os pensamentos
Ultimamente ando exausto. Comigo, com a vida, com o dia a dia.
Escrever neste momento é uma sucessão de erros ortográficos.
Os dedos frios e perros das artroses…estou velho.
Amei-te.
Desejei-te com uma força tremenda, do tamanho do mundo.
Imensurável minha querida.
Imaginei um amor, novelesco. Portanto puro e belo com um final feliz.
Tudo se resume no momento a uma espécie de sonho
O amor, a novela, e o final sempre adiado na eternidade.
Vou amar-te sempre.
Portanto não se vislumbra um final ainda.
Espero um dia reencontrar-te
E de olhos nos olhos, nesse dia eterno em que o tempo e o mundo vão parar
Naquele lugar quente com o nosso rio em fundo ao sul
E o som das libélulas, e o perfume das laranjeiras, e o vento do levante.
Beijo-te na rua como uma primeira vez, mas não falo comovido.
Vais então solenemente como num acto teatral
Em que és a actriz principal no palco do mundo
Fechar a representação desesperada e última.
Ai sim, nesse momento solene de tragédia Grega
Vais qual Deusa do amor no derradeiro acto
Confessar e assumir a despedida
Do teu amor por mim
Ou da sua ausência.
Ai sim, as estrelas por testemunhas, o vento, e as libélulas frágeis.
Vais arremessar as palavras profanas como dardos em brasa.
E eu atingido bem no peito
Ferido de morte com o sangue rubro escorrendo em rios das feridas abertas
Que tu, qual Valquíria teimas em aprofundar
Deixo-me cair prostrado lentamente, bem à boca da cena deste teatro imenso
Com um grito lancinante de despedida
E o publico em pé aplaude excitado, ébrio, com vivas.
Exultando a tua presença memorial.
Então como artista principal, vais meu amor, numa vénia milimétrica
Distribuir sorrisos, por entre uma chuva de flores
Que caem cortadas, portanto em mortes anunciadas aos teus pés.
Desce o pano por entre aplausos, gritos, e pedidos de bis! Bis! Repetição…
Apagaram-se as luzes
E eu com esforço, limpo a lágrima que teimosa me incomoda a face
E faz brilhar o olhar
Lentamente olho de roda e escuto o silêncio solene
Estou só
Finalmente escutei as tuas palavras meu amor.
Perdoa-me que continue a chamar-te meu amor.
Não era o reencontro que esperava faz tempo, esta despedida ou as palavras…
Vou lentamente para a rua desta cidade grande e fria
É Natal, milhares de luzes, e estrelas no céu negro.
Sinto o cheiro a bolos e a filhoses
Lembro a minha infância. O Natal de outros tempos à roda da fogueira
Lembro e não me importo mais com memórias
Envolvo numa mortalha de linho branco as tuas memórias
E deixo-as repousar no chão frio da neve
Vou trémulo e frágil por esta rua íngreme, em direcção ao rio e vou só
Levo nos ouvidos a tua música que reencontrei esquecida
Escuto ao longe uns acordes suaves.
"Sacré Coeur”…
Adeus.

João marinheiro ausente
Viana do Castelo, Dezembro 2004
Fotografia de Barcoantigo

7 comentários:

ACENDALMA disse...

Por muitos recantos que tenha a nossa alma, há um onde sempre encontramos a página para desaguar as nossas marés.
Posit

Claudia disse...

Para ti...

"debruçamo-nos da janela e o mar existiu logo na transcendência de nós,
no sem-fim espraiado e todavia apaziguado da sua inquietação.
víamo-lo em baixo, aberto de toalhas rendadas de espuma para o invisível
da graça que devia sorrir em nós.
e havia o azul intenso da sua origem.
e havia em nós o silêncio para tudo poder falar."

in Na tua face, Vergílio Ferreira

Porque também há em nós há o silêncio para tudo poder falar...

Beijo enquanto o sol ainda queima...Faz falta o mar para refrescar

Anónimo disse...

Percorrer os recantos da nossa alma e lavar as memórias nas marés que se repetem...

Lanna disse...

Belo. E o resto fica pra mim...

Ana Luar disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Vanda disse...

Noite de Natal com o frio da neve, o branco da neve, o branco puro da ausencia...

já não sei se é para ti que escrevo...ou para o frio que deixaste em teu lugar...

Marinheiro a noite de Natal está dentro de nós...sacré coeur...

Van

Claudia disse...

Acabei de chegar de dentro do nosso mar...É que também isso é bom. Senti-lo em nós. Ficamos mais leves. Sabias que pensei que a tua poesia me fazia lembrar o jogo do gato atrás do rato? E até sorri quando utilizas-te essa expressão! Espero que te ajude a superar o cansaço, com as minhas/nossas palavras!Fico à espera!

Beijo enquanto retiro o mar entranhado em mim...