quarta-feira, junho 14, 2006

PORTO REVISITADO


Esvoaço por entre a floresta de telhados, ou
Desço a rua distraído
Sem me dar conta
Caminho só por entre os ruídos matinais desta cidade grande
Ou no pensamento ausente, perco-me por entre as árvores
Desta floresta cheia de vida matinal
Do chilrear dos pássaros
Dos coelhos que fogem
Das gotas de orvalho que caem das folhas
E me refrescam o rosto
Assim acordo ou dou por mim
E continuo descendo a calçada desnivelada e imperfeita
Desta rua dos Clérigos
E chego à praça ou avenida
E desconheço o lugar por estar diferente
A terra esventrada quais toupeiras
Escondidas em taipais de chapa
“Frente de obra” “Metro” Pedimos desculpa pelo incómodo”…
Progresso matinal neste Porto que reencontro
Ou os caminhos que trilhei
Sempre as mesmas ruas, os mesmos cafés
Lembro o Magestic, as tardes que lá passava
Duas décadas de ausência
Deste Porto revisitado
E de ruas desniveladas
Qual turista
Paro aqui, paro ali. Observo
E sinto o cheiro, e sinto o ruído, e sinto a correria matinal
Os autocarros laranja continuam apinhados sempre em luta contra os horários
As paragens com novo visual continuam com longas filas
Os mesmos rostos sem brilho no olhar
Continuo o meu caminho
Passo São Bento e seus comboios rápidos. Porto – Lisboa – Porto
Comboios das minhas viagens…
Ofegante pela caminhada, chego à Ribeira
Sinto o coração batendo forte, dorido da jornada
E então paro. E então descanso
Sento-me nestas pedras centenárias
Poiso o meu olhar sequioso
Nas águas do Douro e mato a sede do olhar
E imagino-me marinheiro e embarco
Num imenso veleiro de velas brancas
Despeço-me da floresta que povoava o meu sonho ou o meu medo
E parto
À voz do Capitão desfraldo as velas
A Grande, a da Mezena, a do Traquete
Soltam-se as amarras a terra
A brisa, a corrente, afastam o navio do cais
As velas enfunam
Retesam-se os cabos
Rangem as vergas
E vou
Passo a Cantareira
Demando a barra traiçoeira
Sou um imenso navio no oceano
Tomo o Norte
E na bolina de velas cheias
O imenso navio adorna e mete a borda
O sopro da nortada silva por entre os cabos tensos
A proa altiva corta em pedaços de espuma e sal
As vagas altaneiras e ritmadas
Deixei de avistar terra faz tempo
Faz tempo que ali estou contemplado o Douro
E então desperto do devaneio
Ou do sonho e continuo esvoaçando
Nesta floresta matinal de arvores em betão e ferro
Perdido na multidão anónima
Deste Porto reencontrado por tua mão.
João marinheiro ausente
Fotografia Google

4 comentários:

Anónimo disse...

Por tua mão, ou das tuas palavras percorri este Porto revisitado num devaneio de um imenso navio no oceano...voltei atrás no tempo ainda recente...
Abraços esvoaçando neste mar

Menina Marota disse...

"...Nas águas do Douro e mato a sede do olhar..."

... eu também...

A imagem está fabulosa.
;)

Ana Luar disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Claudia disse...

" Entendo que a poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor de cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da comtemplação e mesmo da acção. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à merçê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos."

Carlos Drummond de Andrade

Percebes agora o que te disse desde a primeira vez, o que te disse ainda ontem?

Começo a achar que não és assim João...

Beijo enquanto mais uma vez ando de roda das cerejas