terça-feira, junho 06, 2006

AMORES MORREM…


Todos os dias morre um amor. Quase nunca percebemos, mas todos os dias morre um amor. Às vezes de forma lenta e gradativa, quase indolor, após anos e anos de rotina. Às vezes melodramaticamente, como nas piores novelas mexicanas, com direito a bate-bocas vexaminosos, capazes de acordar o mais surdo dos vizinhos. Morre em uma cama de motel ou em frente à televisão de domingo. Morre sem beijo antes de dormir, sem mãos dadas, sem olhares compreensivos, com gosto de lágrima nos lábios.
Morre depois de telefonemas cada vez mais espaçados, cartas cada vez mais concisas, beijos que esfriam aos poucos. Morre da mais completa e letal inanição.

Todos os dias morre um amor. Às vezes com uma explosão, quase sempre com um suspiro. Todos os dias morre um amor, embora nós, românticos mais na teoria que na prática, relutemos em admitir. Porque nada é mais dolorido do que a constatação de um fracasso. De saber que, mais uma vez, um amor morreu. Porque, por mais que não queiramos aprender, a vida sempre nos ensina alguma coisa. E esta é a lição: Amores morrem.

Todos os dias um amor é assassinado. Com a adaga do tédio, a cicuta da indiferença, a forca do escárnio, a metralhadora da traição. A sacola de presentes devolvidos, os ponteiros tiquetaqueando no relógio, o silêncio insuportável depois de uma discussão: todo crime deixa evidências.
Todos nós fomos assassinos um dia. Há aqueles que, como o Lee Harvey Oswald, se refugiam em salas de cinema vazias. Ou preferem se esconder debaixo da cama, ao lado do bicho papão. Outros confessam sua culpa em altos brados e fazem de pinico os ouvidos de infelizes garçons. Há aqueles que negam, veementemente, participação no crime e buscam por novas vítimas em salas de chat ou pistas de danceteria, sem dor ou remorso. Os mais periculosos aproveitam sua experiência de criminosos para escrever livros de auto-ajuda, com nomes paradoxais como "O Amor Inteligente" ou romances açucarados de banca de jornal, do tipo "A Paixão Tem Olhos Azuis", difundindo ao mundo ilusões fatais aos corações sem cicatrizes.

Existem os amores que clamam por um tiro de misericórdia: corcéis feridos.
Existem os amores-zumbis, aqueles que se recusam a admitir que morreram. São capazes de perdurar anos, mortos-vivos sobre a Terra teimando em resistir à base de camas separadas, beijos burocráticos, sexo sem tesão. Estes não querem ser sacrificados e, à semelhança dos zumbis hollywoodianos, também se alimentam de cérebros humanos e definharão até se tornarem laranjas chupadas.

Existem os amores-vegetais, aqueles que vivem em permanente estado de letargia, comuns principalmente entre os amantes platônicos que recordarão até o fim de seus dias o sorriso daquela ruivinha da 4a. série ou entre fãs que até hoje suspiram em frente a um pôster do Elvis Presley (e pior, da fase havaiana). Mas titubeio em dizer que isso possa ser classificado como amor (Bah, isso não é amor. Amor vivido só do pescoço pra cima não é amor).

Existem, por fim, os AMORES-FÊNIX. Aqueles que, apesar da luta diária pela sobrevivência, dos preconceitos da sociedade, das contas a pagar, da paixão que escasseia com o decorrer dos anos, da mesa-redonda no final de domingo, das calcinhas penduradas no chuveiro, das toalhas molhadas sobre a cama e das brigas que não levam a nada, ressuscitam das cinzas a cada fim de dia e perduram: teimosos, belos, cegos e intensos. Mas estes são raríssimos e há quem duvide de sua existência. Alguns os chamam de amores-unicórnio, porque são de uma beleza tão pura e rara que jamais poderiam ter existido, a não ser como lendas. E é esse amor que eu quero viver com você, PARA SEMPRE!!


Carta do Pedro para Raquel , Brasil 04.09.05
Fotografia de Barcoantigo

25 comentários:

Claudia disse...

QUASE



" Ainda pior que a convicção do não, a incerteza do talvez é a desilusão de um "quase".
É o quase que me incomoda, que me entristece,
que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.

Quem quase ganhou ainda joga,
quem quase passou ainda estuda,
quem quase
morreu está vivo,
quem quase amou não amou.

Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos,
nas chances que se perdem por medo,
nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna;
ou melhor, não me pergunto, contesto.
A resposta eu sei de cor,
está estampada na distância e frieza dos sorrisos,
na frouxidão dos abraços,
na indiferença dos "bom dia", quase que sussurrados.
Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.

A paixão queima,
o amor enlouquece,
o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos
para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio termo,
o mar não teria ondas,
os dias seriam nublados
e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina,
não inspira,
não aflige
nem acalma,
apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

Não é que fé mova montanhas,
nem que todas as estrelas estejam ao alcance,
para as coisas que não podem ser mudadas
resta-nos somente paciência,
porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória
é desperdiçar a oportunidade de merecer.

Pros erros há perdão;
pros fracassos, chance;
pros amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio

Luís Fernando Veríssimo

Obrigada pelo bonito, mesmo muito bonito poema, de um poeta que eu tanto gosto.
Agora fico aqui a imaginar a tua ilha. Posso acrescentar gatos na minha ilha virtual?

P.S.Como é que tu sabes sempre aquilo que quero ler?

Beijo enquanto o sono não vem
ou economizar alma.
Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor
não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque,
que a rotina acomode,
que o medo impeça de tentar.

Desconfie do destino e acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando,
fazendo que planejando,
vivendo que esperando
porque, embora quem quase morre esteja vivo,
quem quase vive já morreu!! "

Claudia disse...

Também não gosto de jogos!Não gosto de ratos. Gosto muito de gatos e acho piada ao coelho, isto se lhe puder fazer festas...
Até à pouco, pouco tempo passava na net. Agora um pouco mais, apenas e tão só, em virtude dos osso do ofício estar sempre ligada! Nunca vivi colada a um monitor, a não ser em trabalho!
O meu rio é o Douro!É o teu?
O meu mar é maior...Mas passa por Leça pela Foz, Matosinhos!Também queres o meu mar ou já é teu?
Roubar um beijo no cabo do mundo não me parece exequível...
Mas gosto da ideia de ler uns versos do Nobre ou ler um bom livro a meias, enquanto tomamos um chá na casa da Boa Nova olhando o nosso mar...

Claudia disse...

Bom dia!
Eu percebi o que querias dizer com beijinhos!Só tava a brincar contigo!Mas a expressão catar beijinhos não é a mais bonita!
Então gosto do coelho e espero fazer-te gostar um pouco de gatos...
Então fica combinado.Junto com o chá, eu levo o meu livro preferido do Nuno e tu lês-me, e eu leio-te...
Gosto de ir ao teatro...

Deixo-te ficar o texto mais bonito que conheço.Nenhum outro texto que conheça, nenhum poema, descrevem o que é o amor como este. Neste caso , através da ausência dele. Espero que gostes.É tão importante para mim, que ainda não o consegui colocar no meu blog...

"Sandra. Hoje a obsessão foi mais forte. Escrever-te. A nossa história que contei parecia-me intocável. Princípio e fim de nós nela, a tua morte selara-a para sempre. E todavia é nessa eternidade que a tua memória me perturba e a imagem terna do teu encantamento. (...)
Escrever-te. Possivelmente irei fazê-lo mais vezes até ver se no escrever se me esgota a tua fascinação. (...) Porque tu nunca foste real para eu te poder amar. E é essa irrealidade amada que estremece na minha comoção e no êxtase leve de te imaginar. (...) Na realidade nunca te esqueço no dia a dia que te esquece. Mas ficas um pouco ao lado, à espera de que eu volte de novo a olhar-te. É uma imagem fluida e intensa, essa que se me ergue sempre, e eu penso que possivelmente é a de quando te vi pela primeira vez. Mesmo que não fosse a primeira e que estivesse então distraído do meu amor que passava em ti. (...) Às vezes eu pensava que tu não fazias ideia do incrível e maravilhoso de ti. Estavas dentro e o teu esplendor estava fora. (...) E eu suspendo a obsessão de te dizer todo o maravilhoso de ti, antes de te imaginar a breve ruga na face e ouvir-te dizer que tolice. Não digas. Se te sentasses aqui à braseira. E se te demorasses comigo um pouco e olhássemos em silêncio a grande noite que desce. Em silêncio. Não te dizer mais nada. E tomar-te apenas a tua mão franzina na minha. E sorrires."

Vergílio Ferreira in Cartas a Sandra

Depois disto, qualquer palavra que diga será sempre a mais...

Beijo enquanto desperto

P.S. tira o só...

Claudia disse...

O facto de tu escolheres o livro mais triste do Nobre e eu o de Nuno que também não prima pela alegria, espero que não faça de nós pessoas tristes. Eu não o sou.
Confesso que a idéia é bonita e intensa. E eu que acho que ler algo com alguém é tão íntimo, tão nosso...mas no entanto sinto-me à vontade e com vontade de o fazer contigo...o poder que as palavras têm!

Beijo

P.S. esqueceste-te do barulho do mar...

Anónimo disse...

Olá mar querido... ao ler esta tua carta lembrei-me de um autor que tem sido mencionado aqui por ti e pela Cláudia...espero que achem graça... rsrsrs...

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


Agora sim vou deixar algo para o post...

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

joão marinheiro disse...

Obrigado Ana pelo poema que dedicaste ao João marinheiro no teu blog. Gosto das tuas palavras...
O teu comentário, a história da quadrilha, está bem vista...
Este blog mais parece uma conversa entre desconhecidos...
A vantagem é que os meus monólogos agora tem eco...
Abraço

Lya disse...

bem lindo.
bjinhos e um bom dia

Anónimo disse...

engraçados os monólogos e o seu eco...
Amar é estender os braços e absorver o instante...
Gosto deste lobo e deste mar.
Um abraço forte

Héctor Ojeda disse...

Todos los días podemos morir, lo que importa es saber renacer con nuevos bríos. Un abrazo.

Claudia disse...

Vês? Já falam de nós, das cartas que temos falado! Afinal as palavras movem meio mundo...Já agora, obrigada à Ana pela história.
Eu escrevo. Ou melhor, tudo o que transcrevo diz-me tanto...tanto...
O teu blog é que é uma conversa com deconhecidos como tu dizes, o meu não.
Ou talvez, pense em ti quando escrevo. Inconscientemente, pense se vais gostar do que eu gosto, se vais descobrir mais um pouco comigo...
Ficas com curiosidade de saber mais de mim...Como eu fico de saber mais de ti...O dizeres que se calhar não ficas, é para me abstrair ou melhor, te abstraires...
Penso...Porque me olhas assim?
Porque me fazes olhar assim para ti?
Penso...

E mais uma vez penso em ti...

E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.

Eugénio de Andrade

Beijo, enquanto nos percebo...

Goticula disse...

Simplesmente lindo..........

beijinhos

Anónimo disse...

...sim,défice de amor joão.hoje morreu um amor.pra sempre.

um beijo.

Claudia disse...

Pergunto-me...Será que esperas a minha resposta?
Será que ficas desiludido quando ela não chega?
Ou será que tudo não passa de um jogo de palavras...
Será?

Beijo enquanto te descubro e enquanto me descubro

Vanda disse...

pelo unicornio e não só :)um beijo para lá do cabo do mundo :)

Van

tb disse...

Reli devagarinho, sem pressas, como o mar que nos beija os pés com as suas ondas, deixando-me embalar...
Bom fim de semana
bjs

alice disse...

ontem dei por mim a passar por ti, não vou dizer aonde, estavas de costas, viravas a cabeça, vias-me pelo canto do olho e algo nas cores da roupa te cambiava o tom do olhar, sorrias a meio da boca, torcias os lábios, nada dizias, eu parada na montra a decifrar as mensagens dos carros a passar no vidro, tão depressa, tão inútil, tão arrepiada na curva das pernas onde o teu olho bicudo furava, tão depressa, tão profundo, só a paragem do metro testemunha, e os sacos das compras encostados, asas de plástico no meio de nós, não te lembras?

beijos,

alice

Claudia disse...

E...
o gato que tu não gostas e que eu gosto que um dia vais gostar comeu-te a língua!
ou...

Menina Marota disse...

Eu acredito nos amores-fénix...que hei-de fazer? Sou uma eterna romântica... ;)
Estou a passar a "ronda" pelos blog's que vão ao almoço dia 17...

Um abraço e bom fim de semana :)

Claudia disse...

Não sei. Será já por ti?
Ainda mal nos descobrimos...Não, não sabes quem eu sou, só um pouco...muito pouco ainda.
Será que é por mim?
Ou apenas uma forma de quebrar o silêncio?
Gosto de cerejas...
Gosto...

Claudia disse...

As sem razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade

"Porque amor não se troca
não se conjuga nem se ama."

Porque?
Será?
Como será?
São tantas as questões e tão poucas as respostas...

mar revolto disse...

Vim fazer-te uma visita e deliciar-me com esta carta.

Pelos vistos vamos juntar os nossos mares no almoço em Gaia.

Bom fim de semana

Lina

Claudia disse...

Eu sei...
Não faz o meu género.
Não ia!
Mas...
Tu vais?
Tantas respostas por dar e porque tudo tem que ficar público...

Lanna disse...

Bem lindo!
Abraço???
Um beijo.

mitro disse...

Morrem sim, mas fazem cemitério no nosso coração!

APC disse...

Calhou hoje encontrar este blog, e este texto. Logo hoje; logo hoje!!!
Enfim...