quinta-feira, agosto 02, 2007

Quando chegas….


Quando chegas não dou por ti – Vês!
Contra o vento, não sinto o teu cheiro. Chegas mansamente, quase um sussurro transportado na brisa aqui no jardim público onde agora mato o tempo. Todo o tempo que tenho ainda. Vens e abraças-me pelas costas. Os teus braços de roda de mim. Um circulo perfeito de ternura. Uma espécie de laço que perdura ainda no tempo. E eu fico assim alquebrado, amarrado em ti, – Pára ai! Fica quieta para que eu me extasie de ti. E depois de me sussurrares ao ouvido, – Cheguei! Depois de brincares com a minha orelha em beijos leves e libidinosos, sentaste ao meu lado a olhar para mim e eu como da primeira vez fico inquieto. O banco torna-se demasiado grande. A distancia a ti enorme. Olho-te e tu és a luz que me cega, a luz que me acaricia o olhar velho e cansado já dos anos de espera.
Tardaste tanto amor. O banco do jardim é testemunha do tempo que te espero. Tu não sabes das cores que o pintaram ao longo dos anos, mas hoje é de novo branco como da primeira vez.
A primeira vez. Ainda lembras? O branco da tua saia. O branco do banco do jardim. O branco das tuas mãos. E o sabor dos teus lábios. Ainda lembras?

Posso percorrer os traços do teu rosto. Acariciar as rugas pequenas no contorno dos teus olhos na ponta dos dedos, – Pára! Fica ai nesse instante. Quero olhar-te outra vez e outra e outra, – Fica quieta! E os meus dedos tocam-te ao de leve no rosto a percorrerem a tua face, – Pára! Quero-te próxima na distância do meu olhar. Sentir a tua respiração em mim. O calor do teu corpo para me aquecer. E os dedos vão a percorrer a tua pele a deslizarem nos teus sobrolhos. Fechas os olhos instintivamente e as pestanas fazem cócegas nos meus dedos espécie de corrupio eléctrico.
– Pára! Chego-te a mim e beijo-te os olhos fechados. E agora sou eu que te abraço para que nunca mais partas. E sinto o sabor da tua pele e imagino o teu olhar por dentro de mim. Estremeces. Estremeces sempre que te abraço. Como uma primeira vez. És a minha miúda da cidade que invento e que ainda guardo em segredo. Que tenho eu de ti senão uma imensa saudade.
– Fica quieta agora! Olha para mim de novo e brinda-me com o teu sorriso. Tanta ternura em ti hoje. Tanto amor no teu olhar hoje…


…Tu, só acabas. Só morres na minha memória quando eu partir também. Lembras o amor eterno que te prometi um dia. Não me faças quebrar a promessa e deixa-te estar ai na lembrança onde te aconchego todos os dias para que não me sinta só sem ti…





João 2007
Foto de Stéphane Kindler


7 comentários:

Ana Luar disse...

Que dizer ante a magnificência da tua escrita?
Não poderia estar mais bonito João.

Anónimo disse...

Lindo!
Fantástica esta prosa poética!
A memória dos cheiros, sabores... a memória do amor, que chega sem se fazer anunciar!

Lindo mesmo!

Anónimo disse...

Lindissimo!!!

A levez do texto mostra uma alma poética e apaixonante!
Fluem palavras e emoções imaginadas...
que progressivamente vão criando ao texto personagens e vida
Um grande abraço Poeta.

Maria disse...

Deixo-te apenas um abraço.
Porque me faltam as palavras...

redonda disse...

Pareceu-me que seriam felizes, s� me perturbou o final talvez por se falar de morte e de mem�ria. Estou a gostar muito de ler o que escreve.

Eme disse...

Nunca morrem contudo as lutas e a esperança. E não há luta e esperança solitárias. Neste desabafo tão sério mas tão belo e revelador sobressai a recordação e a tristeza. Será sempre este o canto das tuas mãos habilidosas e que apesar de cegas continuam a bater a pedra e o ferro? É como leio o teu lamento:prosa golpeada, com cicatrizes num rosto tão belo e num olhar tão amargo..

Andreia disse...

Que saudades que tinha de te ler. Ainda bem que voltei... :) *