domingo, janeiro 27, 2008

Já não...


Já não invento os dias.
Deixo-me estar aqui angustiado.
O peso do dia cai sobre mim submergindo-me no mar violento.
Sufoco ate à exaustão dos sentidos. Abandono-me sem alma, sem sentir.
E fecho os olhos à luz.
Já não invento os dias e em mim sobrevive a agonia, a angustia dos dias do advento que estão para chegar.
Não acredito na primavera nem nas estações do ano cíclicas, e a vida é um embuste de caos e de pessoas vazias. E de vaidades. E o poeta está nu, despido de ideais, e tem frio e a pele arrepiada e estremece, e tremem-lhe as mãos e os dedos gelados. E o lápis que enche a folha alva de papel a reciclar parte a ponta com estrondo violento demasiadas vezes.
Já não invento os dias e deixo-me estar aqui nesta praia onde me refugio a olhar o mar demasiadas vezes. O mar que me vai levar um dia a sepultar. E o poeta aflito, tremulo, friorento procura uma nesga de sol que se filtra no céu nublado para aquecer a alma inquieta, enquanto olho a praia e o pescador solitário que lança a cana repetidamente em busca da glória do peixe que morre traído pela boca e pelo anzol que esconde o isco disfarçado em arma mortal, no areal onde se debate em agonia breve. E eu aqui afastado de tudo parece que lhe escuto os últimos gritos de agonia sofucante, como se os peixes gritassem de dor. E escuto também num carro que passa devagarinho com um casal de namorados enamorados uma música que vem de longe trazida pela brisa que diz assim;

– Gosto de ti como quem gosta do mundo…

Sorrio. Fecho os olhos e mato o poeta ao rasgar a folha alva de papel a reciclar no futuro, onde ele me dizia que queria viver nas palavras escritas…


João marinheiro 2008
Fotografia de Barcoantigo 2008

3 comentários:

Maria disse...

... rasgadas de ti, as palavras...
... e esta inquietação de me saber, quase....

Abraço-te

Eme disse...

E tu também vives das palavras escritas. Encontra agora o teu pousio uns tempos mas não deixes que as palavras soltas se percam. Porque ainda virão a ser essa nesga de sol que procuras.

Beijo. Gosto de ti como quem gosta do mundo...

Aninhas disse...

Inventar é sair da realidade.
Inventar é recusar viver.
Inventar é não tentar planear outras vidas!

Assim não se vive!
É preciso reinventar a vida todos os dias e de olhos bem abertos.

Bjinho