
Despediste-te por correio electrónico hoje
Tinha de ser hoje, um dia assim
Dos poucos que gosto neste verão tardio
Céu azul profundo e nuvens dispersas alvas de algodão
Tinha de ser hoje, assim desta forma impessoal
Sei, sabia ou esperava, que mais dia, menos dia, tinha de ser
Mas não hoje
Podia ser num dia de chuva, nevoeiro ou frio
Ou no Outono que se avizinha…
Não hoje! Um dos raros dias do verão que eu gosto
Um dos raros dias em que admiro o céu. Respiro o ar a plenos pulmões
E me apetece partir voando…
…Eu
Sabes que sou a imperfeição reunida em momentos
Um amontoado de ideias, planos por realizar
Projectos adiados indefinidamente
Também muitas conversas para ti, dedicadas a ti, pensadas em volta de ti. Monólogos ensaiados ao pormenor em voz alta.
Naqueles dias em que ando só, conduzindo.
Assim, tenho a serenidade e o tempo para pensar. Ao mesmo tempo, vou fazendo corridas com os traços descontínuos das estradas, vencendo quilómetro sobre quilómetro, numa luta nervosa de homem e máquina.
E quando finalmente chego e páro o motor da máquina que comigo competiu, no final do dia de trabalho, sinto-me mais aliviado, vazio, ausente do tanto que te disse, (o tal monólogo de surdos…).
As respostas tardam em chegar. Nunca chegam.
Não escuto o eco de tua voz.
Não vislumbro o teu rir ou o teu olhar.
Não passas de uma miragem vazia de essência
Miragem sem tempo!
O tempo!
Inevitável tempo que já não tens
Nem sei porque já não tens mais tempo?
Para nós, ou o nosso amor. Ou só para me escutar!
Ou será que ainda existe amor?...ou existiu alguma vez?
Tinha de ser hoje, e hoje eu tinha de te escrever, febrilmente rabisquei o meu monólogo num papel de rascunho na berma da estrada.
Eu preciso do tempo para escrever
Por isso escrevo agora, ou passo a limpo as ideias do papel solto, onde aponto os meus monólogos.
Não tenho uma agenda, assim muito do que te disse, perde-se na memória, nunca o vais escutar ou ler porventura
E tenho tantos rascunhos para passar a limpo…
Por isso escrevo agora, escutando música de Ivan Lins “ A Minha história”
Recordando mentalmente como um filme.
Pode ser o filme da nossa vida, e confesso
Não me reconheço como actor
Sou personagem de adereço?
Ou secundário?
E tu!
Quem és?
Ou o que foste para mim?
E o que sou para ti?
Ilustre desconhecido sem direito a ser amigo?
Amigo é aquele que partilha, bons e maus momentos
Que andamos fazendo nos últimos tempos? Sem tempo para partilhar!
Degladiando-nos com palavras ou omissões…
Um deslumbramento ou um clic? Li algures, faz tempo…
Ou algo de exótico misto de rudeza e diamante em bruto a lapidar?
Afinal quem és tu que te aproximas de meu coração desta forma que dói
Afinal, alguma vez me amaste? Ou alguma vez acreditas-te no meu amor?
Alguma vez me quiseste assim como te quero. Ou queria…
Quanta desculpa inventada, quanta distancia instituída em nós!
É tarde
Tarde para se começar de novo. Vale a pena?
Tudo vale a pena quando se quer
Se o coração sente as palavras não são precisas…
Olhos nos olhos diz que não me amas, ou nunca amaste
Que tudo é um engano. Não me digas por palavras escritas…Porque são frias!
Olhos nos olhos na profundidade do nosso olhar
Ou se queres, não te dês ao trabalho, porque como dizes vivo na ilusão…
E deixe de te murmurar ao ouvido que te amava. Ou doa ainda...
(…Um dia descubro um botão neste teclado, e então apago num clic o sentimento…)
Dizes que é impossível ser teu amigo?
Todo o mundo é feito de impossíveis possíveis no acto próprio
Não queres que te ame. Não queres que te diga ao ouvido, e eu não digo
Deixo de encostar os meus lábios ao teu ouvido
Deixas de escutar o timbre de minha voz
Mas fico com o teu desamor por mim, e o meu amor por ti em sobressalto
E em curva descendente
Porque te amo ainda hoje em pensamento
Inevitavelmente, quer queiras ou não
Inevitavelmente, quer acredites ou não
A mim que me importa que não acredites
Estou louco ou sou louco. Quem sabe? Não me importo nem quero saber
Nem quero que os outros saibam que te amo ainda em pensamento
Ou que me doa permanentemente, embora não o creias, o sentimento saudade
Ou que te importes, porque já faz tempo deixei de te falar
Ou insistir…
Porque a voz não pode levar a língua e os lábios que lhe deram asas
Despediste-te por correio electrónico hoje, não num outro dia qualquer
Dos trezentos e sessenta e cinco dias do ano
Tinha que ser hoje, por isso não me importo, ou se calhar importo e protesto
A mágoa que sinto é por ter sido num dia excepcionalmente belo
Tudo o resto é acessório
O que importa é mesmo o dia de hoje que não volta
Não me importo já, se te perdi numa despedida
Num último beijo
Ou na festa no rosto
Ou no abraço longo
Na gare do aeroporto quando entraste por aquela porta
E me viraste as costas sem olhar para trás
Ou nas asas do avião que te levou para longe…
Não me importo já, se te perdi numa despedida
Consequência das vidas desencontradas, ou em cruz
Não me importo. Inevitavelmente
Se foi em cruz, a nossa vida tinha de se encontrar na curva descendente
E encontrou, mas continua afastando-se mais e mais
A curva ascendente de novo
Nada disso me importa agora
O que me custa é por ter sido neste dia azul profundo
Não por ter sido em correio electrónico
Porque hoje, tempos modernos, já não se escrevem cartas
Cartas de amor, ou as outras das más noticiais
Cartas de amor que se guardam como tesouros
Ou as outras que se deitam fora ou se queimam.
Nunca te escreveram cartas de amor?
Escritas com a mão e o coração?
Essas são as verdadeiras cartas de amor, com o coração escritas
Que me importa a mim hoje, tempos modernos
Que esta não tenha sido uma carta de amor
Se não foi escrita à mão. Com o coração, como podia ser de amor
Que hoje o amor é moderno e global. Vive nas teclas do computador pessoal
Ou via e-mail…
Portanto que me importa a mim, que esta seja uma carta de más noticias
Que deito fora
Ou que te tenhas despedido por correio electrónico
A despedida vive até ao momento do clic, do “Delete”
Depois deixa de ocupar espaço no disco
Que me importa a mim, que não saibas escrever cartas de amor à mão
Ou que te importa a ti, o espaço que essa carta electrónica ocupe em mim…
Continuo escrevendo ou tentando
Umas vezes cartas de amor
Porque o confesso, ou que te quero ainda, ou escrevo com o coração
Outras de despedida
Revistas mentalmente quando conduzo correndo contra o tempo
Ou se páro ao sinal vermelho do cruzamento
E tu, porque nunca. Não passas do outro lado da rua
Ou porque quero continuar a escrever
Sem me importar mais, que te despeças diariamente na ausência de notícias
Que não dás
Porque te despediste por correio electrónico e isso te basta
Um amor global, moderno, e sem marcas. Gravado no disco
Fora do coração
Não te perdoo que tenha sido hoje. Neste dia tão lindo
A despedida por correio electrónico
Podia ter sido ontem ou amanhã
Ou nunca!
Tudo o resto é ilusão dizes…
Ou nevoeiro…
Ou dias de verão cinzentos… à mistura com um beijo, seco, ou em espiral.
(… mudei entretanto a musica que ouço, e escrevo porque me inspiras…)
Despeço-me ao som da Teresa“ Haja o que ouver...”
João marinheiro ausente
Fotografia de Barcoantigo