domingo, fevereiro 15, 2009

É de compreender que sobretudo nos cansamos


…Há um grande cansaço na alma do meu coração. Entristece-me quem eu nunca fui, e não sei que espécie de saudades é a lembrança que tenho dele.
Caí contra as esperanças e as certezas, com os poentes todos.

…Estou hoje lúcido como se não existisse. Meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir. E estas considerações, que formo e abandono, não nasceram de coisa alguma - de coisa alguma, pelo menos, que me esteja na plateia da consciência.

Talvez aquela desilusão do caixeiro da praça com a rapariga que tinha, talvez qualquer frase lida nos casos amorosos que os jornais transcrevem dos estrangeiros, talvez até uma vaga náusea que trago comigo e me não explico fisicamente…

Disse mal o escoliasta de Virgílio.
É de compreender que sobretudo nos cansamos.
Viver não é pensar…

In livro do Desassossego, Bernardo Soares
Imagem, Google

8 comentários:

Maria disse...

'Sei de um rio' onde liberto todo o meu cansaço...

Um beijo, daqui

Justine disse...

Ah Bernardo Soares e todos os teus eus, a náusea que sentimos é ética e doi.
Viver é agir,de modo que havemos de encontrar a página...

Anónimo disse...

isto é o fim?

Arábica disse...

A metamorfose da esperança em vazio.

Eme disse...

Marinheiro

os teus desasossegos são tão sublimes quanto os do Bernardo.

Faltam-me. e a ti também.

beijo. porque os adeuses existem. Há céus por desvendar.

Maria disse...

"y aqui me quedo"...

Abraço-te

Parapeito disse...

... Álvaro de Campos e Bernardo Soares ..sao os meus preferidos do Pessoa :)
Viver não é pensar...é ter duvidas...

APC disse...

"Meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir"...

Que chatice, que as melhores frases já tenham sido escritas!!! ;-)

Muito bom!

Confesso que, enquanto lia, não me lembrava de o já ter lido. Já tinha, factum est, mas não me lembrava, por acaso. E então, quando terminei o parágrafo que inicia por "talvez", quase que me saía um - "Epáaa, qual Hemingway, qual quê!!!". Estava a fazer contas de te elogiar a escrita, vê lá! E o culpado és tu, que nos vais enganando! :-)
... Um dia ainda tens que casar aqui com a malta toda! ;-)))

Um beijo, meu caro João!