quinta-feira, outubro 16, 2008

Do desencontro... III parte




( Livro de contos)

Obrigado. Respondi enquanto apertava a mão estendida. Agradeço, em meu nome e de minha mãe tudo o que fizeram para proporcionar o melhor conforto ao meu pai durante o tempo que aqui esteve. Obrigado mais uma vez.

-Não tem que agradecer. A nossa missão é mesmo esta, somos uma espécie de retaguarda avançada das famílias, parece irónico não é, retaguarda avançada das famílias, mas é verdade. Sabe, no mundo actual tão rápido de tempo, tão voraz, os velhos vão ficando para trás, é como se estivéssemos para apanhar um comboio na estação que começa a andar de repente, só os mais afoitos e ágeis conseguem correr e saltar para bordo, os mais fracos ficam, aqui os mais fracos são os velhos, não quero dizer que o capitão Júlio fosse um fraco, longe disso, estava era velho e principalmente só, e os velhos quando estão sós tendem a desmoronar as defesas da vida que construíram, tendem a ficar parados à espera. O senhor perdoe a minha franqueza, o meu modo de pensar, são já vinte anos dedicados à Terceira idade, encaro a profissão já como uma espécie de missão, entende.
Mas o capitão Júlio era um grande senhor, muito lúcido, muito observador, muito cavalheiro, só as pernas não ajudavam, tinha dificuldade em andar, e o coração ás vezes pregava-lhe umas partidas. Foi pena o senhor não ter vindo mais cedo, ele estava, não sei, se à sua espera, mas estava à espera de alguém. Ás vezes conversávamos. Ajudou-me bastante com os seus conselhos, em algumas decisões difíceis que tive de tomar nestes últimos anos em que aqui esteve a partilhar o lar na nossa companhia. Nunca lhe agradeci a ajuda que dava de espontânea vontade a conversar comigo.

Por vezes acontecia que nos sentávamos os dois ali na alameda ao inicio da tarde e ele puxava a conversa, sabia sempre quando alguma coisa me preocupava, era muito bom observador, olhe, era tanto que eu sabia sempre como iria estar o tempo no dia seguinte, era só perguntar-lhe que logo me dizia -amanhã, pois amanhã! Ora deixa cá ver o céu. Amanhã pois, amanhã vai estar sol, e um ventinho de norte miudinho, uma nortada fresca. Ou então dizia-me; - chuva! Amanhã vai estar um dia cinzento com chuva, mas temperado o dia, ou fria a noite. Bastava-lhe olhar o céu. Eu nunca consegui entender a percepção que tinha para ver o tempo. Quando o questionava ria-se, dizia que aprendeu a saber do tempo a atravessar os oceanos.

Mas desculpe-me outra vez. É que eu gosto bastante de conversar. Mas vamos ao que interessa, estou aqui para cumprir as ultima vontades de seu pai. Como lhe foi dito pela Hermínia, a senhora que o atendeu, ela avisou-me que o senhor aqui estava. O seu pai deixou algumas instruções escritas, e eu como fiel depositário dessas instruções procuro que se cumpram da forma que ele as delineou. A parte em que o lar estava directamente envolvida foi integralmente cumprida, agora a outra parte que não sei o que seja está aqui nesta carta que o seu pai me entregou, penso eu com as suas vontades. Como sabe todos os seus pertences iriam ficar aqui durante os próximos 5 anos até alguém aparecer para os reclamar, se isso não acontecesse, findo esse prazo, reverteriam a favor do Lar e logo lhes daríamos o fim mais conveniente. O seu pai deixou uma conta bancária também, a ser administrada pelo Lar durante esse tempo, findo o qual a conta reverteria para o Lar anualmente até se esgotar, mas tem toda a documentação detalhada no meu escritório se tiver a amabilidade de me acompanhar.
- Com certeza que o acompanho, é minha intenção recolher os pertences do meu pai e levá-los para Londres para junto de minha mãe, irei pensar nisso depois de ler então o conteúdo da carta que deixou.

Sentia-me sofucar. Precisava urgentemente de sair dali, de me descalçar e sentir a areia da praia para me acalmar, perder o olhar na lonjura do horizonte salgado do mar que amo. Precisava do cheiro da maresia, do fresco da manhã para me avivar a lassidão que me entrava pelo corpo como uma maré viva de força desconhecida. Precisava de reagir, sair dali. Lembrei-me de ti da falta tua neste momento. O nosso amor tão vazio já tão distante no tempo.
-Vamos! Disse baixinho enquanto me dirigi para a porta. (continua)
Fotografia, Rio Minho em 1913

1 comentário:

Maria disse...

Dizer-te que te ando a ler, tu sabes.
Que me faltam palavras, imaginas.
Neste conto e no outro que ainda só começou. Porque eu sou assim. Engasgo-me, fico com um nó, ou com muitos nós. Mas tu já sabes...
E que te vou continuar a ler, sempre, embora possa passar despercebida...
(vantagem de ter os blogs em feed RSS...)

Um abraço, enquanto espero a publicação de um livro teu!