sábado, janeiro 19, 2013

Nós somos impossíveis e no entanto estamos aqui...


 

Às vezes, penso que é impossível que entendas completamente aquilo que sinto”…

E esta frase anda de roda de mim, bailando devagarinho, rodopiando, insinuando.

Às vezes paro para a observar. Fico a olhar. Quer dizer. Finjo que não olho para que ela não se aperceba da importância em mim. Às vezes para mim, é impossível eu entender o que sinto. E ela anda de roda, volteia como uma pena que eu em miúdo atirava ao ar para ver cair rodopiando, uma e outra vez até ficar cansado. Estou exausto dou-me conta. A culpa não é tua. A culpa é só minha. E agora releio as palavras que me ofereceste, e demorei a responder porque preciso de as assimilar em mim, porque como tu, eu também não tenho palavras, e deveria ter, porque sou um homem de palavras. Era um homem de palavras…

Tu tens o dom de me tirar as palavras do pensamento e ele fica ocupado pela tua presença. Repara o importante que és em mim. A tua grandeza em mim. E eu sinto-me casa vez mais pequeno, a definhar nas palavras que já não sei dizer, porque se acabaram. És tu que ocupas o pensamento. Sei perfeitamente que és um beco sem saída uma rua de sentido único. Tenho de rever todo o código que aprendi faz muitos anos atrás. Não quero ser apanhado em contra mão. Quero só a tua mão na minha que é algo de completamente diferente e único. A culpa não é tua. Como diz o texto que me ofereceste, não existe culpa. Existimos nós, e quando existimos nós, tudo o resto é acessório, portanto dispensável. A mesa do café, o empregado que nos serve os cafés e os outros pequenos pecados. Tudo pode ser dispensado. É como se não existissem. Fica só porque eu não me importo e tu também não, o pequeno pardal novito que se aquece ao sol em cima do muro, e do qual te chamei a atenção. Ele pode ficar connosco porque também é puro.

Acredito que partilhamos palavras. Essencialmente palavras. As palavras que gostamos. As palavras que eu não sei e tu me ofereces, para que eu fique assim, demorado na resposta. Acho que fazes de propósito para que eu me revele. Não me importo, posso é demorar a resposta. Porque tem como todas as palavras que te digo de ser uma resposta sentida, vinda de dentro, e não apanhada num qualquer sítio, num qualquer livro.

O José Peixoto sabe dizer palavras porque as sente como eu, ou eu como ele. Ficam-me cá dentro como uma imagem projectada em ecrã plano as suas palavras que encerram e libertam tudo...” E podemos dizer essa palavra dentro de um beijo”...

Um beijo diz tanto. Um beijo diz tudo! Nós nunca dissemos tudo um ao outro. Na maioria das vezes, eu também te falo de memória, toco-te de memória, quero-te de memória, porque tu nunca estás, está a tua presença em mim. E todas as palavras não chegam para me dizerem o que sinto e não revelo. E tu insistes para que a revelação aconteça…

 E tu não tens culpa de nada, e eu não tenho culpa de nada. Acho que escolheste o texto correcto, exacto, frio. Que talha a golpes de navalha em nós o sentir. Que dilacera aos poucos. Por isso te disse que ficamos diferentes. Eu fico diferente, menos ousado, mais fechado em mim. A tal carapaça instituída. Socorro-me de novo das suas palavras:

 …” Nós somos impossíveis e, no entanto, no entanto, no entanto, estamos aqui…”

Nem sei porque não encontro palavras minhas, mas as do José Peixoto já dizem tudo, as minhas não diriam tanto, e eu quero que digam muito. Não existe culpa. As minhas palavras é que não são perfeitas. Por isso compro e leio muitos livros, destes escritores que agora aprenderam a escrever as palavras perfeitas, que dizem tudo em poucas palavras. Eu não sou assim. Acho que digo demasiadas palavras. Que ando com rodeios, volteando, rodopiando. Exactamente igual. Como o efeito da tal frase no início das palavras que te escrevo. Também ando às voltas…Um dia paro de dar voltas e das duas uma, ou desisto. Ou o tal passe de mágica acontece.

Ganho-te aos pontos numa coisa, ao contrário do José Peixoto sou eu que te ganho ao falar de mar, porque indiscutivelmente sei mais de mar que tu. Eu, é que sou o João marinheiro. Mas não me importo, ensino-te a saberes de mar e tu ensinas-me a saber de palavras.

Por falar em palavras, recordo o início das nossas breves conversas, como gostava de ler um livro na tua companhia. O sítio. Porque para se ler um livro é preciso um sítio. O sítio. Sei de memória onde será. Na casa de chá, sobre os rochedos com a lápide em mármore e as frases do António Nobre gravadas nas pedras em frente. Já não recordo o que diziam, mas irei rever, assim como o mar da larga janela, e tem que ser num dia de Inverno ou de Outono com chuva e vagas de espuma branca. O livro escolhes tu. Porque tu é que sabes as verdadeiras palavras que me trazes a conhecer. Confio em ti na escolha.

E continuamos a não ter culpa de nada. Cada vez nos desencontramos mais. Rareamos a escrita. Deixamos de ter tempo para nós. Dedicamos o tempo aos outros, e, no final estamos demasiado cansados para nós. Mas nós é que somos verdadeiramente importantes. Demasiado importantes. Tu para mim és! E um dia sem ti, é um dia triste. E não gosto dos dias tristes. Gosto de ti. O que revelo mesmo sem querer. Mas dei-me conta, estou na tal rua sem saída. E agora que já sabes, faz o favor de me fazer feliz com a tua presença, porque sou feliz com pouco. Assim fui habituado de pequenino e não é agora com esta idade que irei mudar e querer muito. Acho que muito é demasiado e o que é demais estraga-se, ou tem tendência a deteriorar-se.

E corro sempre o risco de usar as palavras dele que me trouxeste para ler, e que motivam esta nova carta, para te falar de mim ou de nós, porque a carte tem remetente e destinatário, e toda ela se destina a ti, mesmo que fique sem resposta. Já te disse que me contento com pouco. E saber que a recebes já me faz feliz. Agora se me quiseres mais feliz ainda, responde. É que eu já escrevi muitas cartas sem resposta. Acho, fico na duvida, se o destinatário existiu alguma vez, ou se tudo não passa de imaginação minha.

Tenho uma imaginação atribulada e se eu te contar o que imagino, não sei se me respondes, ou te enfadas comigo, ou se me compreendes. Mas estou habituado a só eu próprio me compreender. Quer dizer, eu tento. Na maioria das vezes desisto por ser missão impossível. Mas não é impossível tu responderes a esta carta que demorou a ser escrita a ti. Para ti. Dedicada a ti. E não te chamas Margarida, porque as Margaridas são outras, e tu és Cláudia e esta carta é para ti.

Agora vou, e vou com as tais palavras que me trouxestes a fazerem um bailado no meu pensamento, enquanto escuto a música da Teresa que pergunta: …”Onde é que está o meu amor… Onde é que está o meu amor…o meu amor onde é que foi…”.

E vou com um sorriso nos lábios. Aprendo cada dia devagarinho.

 

Excerto de,  Cartas a Cláudia VI 2006
 
João Marinheiro

Fotografia de Barcoantigo em 2008

 

4 comentários:

Moonlight disse...

Olá Marinheiro,

Um dia uma amiga minha disse-me para eu nunca me esquecer, que as pessoas nunca interpretam as nossas palavras como nós as dizemos ou escrevemos.Porque cada um têm a sua própria maneira de ser e sentir.
Assim sendo quando escrevo algo imagino sempre que do outro lado podem sentir de maneira diferente logo palavras passam a ser apenas palavras que vivem dentro de nós...e somente contidas num beijo ou numa acção poderão ter o significado certo.
Talvez esteja errada....

Bjinho cheio de luar

joão marinheiro disse...

Talvez...abraço com brisa e maresia deste lado

MK disse...

Não sei se alguém poderá compreender outro alguém completamente alguma vez... faz-me pensar na improbabilidade das coisas. O que é diferente de lhe chamar Impossibilidade.
Gostei de ter encontrado estas "Memórias..."

Parapeito disse...

:))
Gostei e vou daqui com brisas doces ***