sábado, maio 05, 2007

De ti…


De ti sabia apenas a cor dos teus cabelos negros estendidos pelas costas.
Sentada à sombra do guarda-sol não deste por mim hoje. Ou ontem, ou antes de ontem, ou nos outros dias todos em que te esperava e não vieste.
De ti sabia o teu porte altivo e seguro.
Acho que lias um livro. Acho. A chávena fria do café forte manchado no bordo, O jornal impecavelmente dobrado a um canto da tua mesa.
A mesa era branca, moderna. Plástica. Destoava de ti.
De ti sabia a cor dos óculos de marca. Armani, talvez?
Grandes. Negros que te escondiam o olhar.
De ti sabia das horas incertas da tua presença. O desalento em que ficava sempre que terminavas a leitura, fechavas o livro, ajeitavas o cabelo, te levantavas e ias embora sem olhar para trás.

Só eu fico sentado nesta cadeira moderna afastado na esperança que regresses.
És a mulher que eu sonho quando se dissipam as angustias e por breves momentos a ternura nasce em mim.
De ti sei apenas a cor dos teus cabelos negros.
A tua silhueta recortada na linha do horizonte imaginário onde te observo.
Um universo demasiado cativo.

Quando cheguei foste a primeira mulher que vi.
Acreditas no destino.
Na predestinação das almas?

Tu não sabes que regresso sempre ao mar, que preciso de sentir o frio da água salgada nas mãos, de sentir o aroma da maresia, o murmúrio das vagas contra o casco, a fúria ou a mansidão do vento de encontro às velas alvas.
Quando vou deixo tudo.
Uma espécie de despedida sem lágrimas, sem lenços brancos, sem os três apitos prolongados do navio no cais na hora de partida para a guerra.
Que sabes da guerra que me faz ainda sofrer por dentro…
Vou sempre.
Comigo vai na lembrança a primeira mulher que vejo quando desembarco depois da travessia.
Desta vez antecipei a chegada porque foste e vieste comigo desde a última vez.

João marinheiro 2007
Fotografia Glover Barreto/www.olhares.com

3 comentários:

Eme disse...

Sim.. onde é que já li isto? onde é que já vivi isto??
Cada vez que partes deixas tudo? Não me parece. Cada vez que voltas dizes demasiado..

Maria disse...

E como é bom navegar e sentir o frio da água salgada do mar, o cheiro da maresia, o murmúrio das vagas contra o casco, e até a fúria do vento...

tb disse...

Sabes que gosto de te ouvir em silêncio onde o múrmurio das vagas são apenas um ruído de fundo para apreciarmos todos os sentires...
Abraços com aroma de maresia