terça-feira, agosto 08, 2006

Como uma borboleta te recordo...


Nunca exististe para alem do desejo que eu tinha em que fosses real no tempo. Exististe durante um breve momento como as borboletas. Como elas eras fantástica. Perfeita. Gostei de ti, mas foste breve. Como as borboletas. Não sei em que te transformaste. Durante uns tempos sempre que via no céu um avião pensava se vinhas dentro de regresso. Fugi sempre à tentação de ir ao aeroporto esperar não sei bem o quê. Se disfarçada de borboleta virias? Mas se viesses. Ou se eu ganhasse a coragem de ir mesmo sabendo a desilusão que seria. Se viesses eu saberia que vinhas. Porque te reconheceria no meio da multidão apressada. Das malas. Dos abraços. Dos beijos. Dos presentes. De certeza que chegaria tarde, que outro ocupa em ti o lugar que nunca foi meu. Chego sempre tarde, um atraso inexplicável. Desde pequeno que me atraso no tempo. Lembro a propósito um dia que me atrasei para ir à cidade grande com o Pai, escutei o silvo do comboio a vapor ao partir e eu estava longe ainda, na Praça do Almada. O que eu corri. Fiquei com o cheiro a carvão nas narinas e o fumo branco do vapor a dissipar-se no ar. Acho que nunca te falei destas minhas memórias de infância, não tivemos tempo para falar de nós. As borboletas têm a vida curta. A tua vida em mim foi um esvoaçar de asas.
Ás vezes tento substituir-te mas não existem borboletas iguais.
Tu foste única no desenho de tuas asas. O brilho do teu olhar. A suavidade da tua pele. O perfume do teu corpo. A tua nudez. O calor do teu abraço é único. Não volta e eu sei disso. Cheguei atrasado a ti.
Volto ás memórias de infância, assim renasço e pode ser que o tempo pare e te encontre novamente. Existe a remota possibilidade, ou um milagre. Pode ser um milagre, não me importo que seja mesmo não o crendo. E tu rompes da crisálida e vens de novo ao meu encontro e eu estou cá de braços abertos e coração arrítmico. E continuo a amar-te porque o tempo passado não existiu e existe a partir do momento em que os meus lábios encontram os teus. A partir do momento em que os teus olhos fitam os meus olhos e tuas mãos me agarram, as minhas mãos tão vazias de ti. Espero que exista o milagre! Volto às memórias. Estou atrasado eu sei. Já não reconheço a estação da Póvoa…
Houve um tempo em que existiram comboios a vapor na minha infância, neste tempo distante gostava dos atrasos, a falta de pressão na máquina para chegar a tempo à Trindade. Cinco minutos já eram um tempo a mais de viagem que adorava. Gostava tanto dos comboios a vapor. Lembro que chorei pela sua perda quando li no jornal que tinham feito a última viagem na linha da Póvoa. Tudo acaba…tudo é breve… tudo esquece.
Somos pequenas borboletas voando minha querida. Como uma borboleta te recordo. E hoje o comboio é eléctrico e chama-se Metro, e eu não sei porquê? Mas também não me importo com ele, porque não é o comboio da minha infância…

João marinheiro ausente, Agosto de 2006
Fotografia Google

8 comentários:

APC disse...

Tão lindo, João... Tão lindo!!!
Tem alma, a tua pena; ou o inverso.
E foi um tempo de imensa qualidade o que eu levei a ler, atentamente, esta pérola. Efectivamente.

Curiosamente, vim cá por um motivo outro, que não ler: é que no blog http://1668mm.blogspot.com anunciam um concurso de fotografia e, desta feita, o último tema era "Penumbra". Os interessados deveriam enviar as suas fotos para um endereço de email pertencente a um outro site até ao dia 8 (e, por meia hora, já não fui a tempo, aida que tivesse uma "penumbra", sim).
Vai daí, surpreendentemente, lembrei-me que tu, não só terás presenciado belas penumbras, como diz no teu perfil que a fotografia é um dos teus interesses.
E pronto. Esta penumbra já passou, é certo, mas outras fotografias serão esperadas e, quem sabe, gostes de algum tema e queiras partilhar os teus trabalhos?
Se captares imagens e sentimentos com a máquina como captas com a escrita, o prémio já é teu! :-)
Um abraço.

Isa disse...

Passei e deixei um beijo fresco

Ana Luar disse...

Esta sim é a escrita que reconheço em ti meu querido amigo...
Este sim é o João que por palavras suas consegue escrever um mundo de sentimentos que existe apenas em pessoas "Grandes".

Tu és uma pessoa assim... GRANDE de alma.

Zeca disse...

Conto bem construido, gostei da ideia, eu também já retratei a metamorfose da borboleta. Um abraço!

Su disse...

gostei de ler.te...o tempo....
jocas maradas

Rui Gonçalves disse...

Belíssimo texto, capaz de nos transportar na descrição.
Parabéns.

Mikas disse...

O atraso das palavras dos gestos... de um só olhar pode destruir tto!!

Anónimo disse...

...e volto.e vejo que o
joão ainda sofre.

João...escreves tão bem.por vezes penso que és o meu amigo T.
...arrepio-me quando te leio.


um abraço marinheiro.