sexta-feira, agosto 11, 2006

Cheguei agora...


Cheguei agora. Aproveito a inspiração para te escrever. Ou porque me dou conta da tua falta em mim. Não me livro disto. Já viste o que significas em mim. És como uma árvore de folha perene. Uma espécie de carvalho secular e viçoso em mim. Nunca sei de ti, dou-me conta que nunca sei de ti. Acho que invento as coisas. Invento-te todos os dias manhãzinha ao acordar. Invento-te quando conduzo, principalmente quando conduzo. Acho que já te falei nisso mais do que uma vez, nos meus pobres poemas/desabafos, os monólogos que faço com a estrada pensando que és tu que ao meu lado dormitas, enquanto eu atento à condução acelero numa corrida desenfreada com a estrada e a máquina que conduzo. Tento sempre chegar a tempo e tu que vais comigo não te importas da minha aflição ao chegar. Estou só. Por isso acho que te invento todos os dias.
Todos os dias são bons para dizer que te amo. Todos!
Mesmo nos dias em que o sol não brilha, ou nos dias de hoje em que o fumo dos pinheiros que ardem invade o céu. Mesmo hoje em que as labaredas iluminam a noite e os bombeiros extenuados fazem mais um esforço hercúleo para deter a besta ou adiar o reacendimento. Estamos a ficar doidos todos? Eu fico. Eu estou porque te invento. O meu amor por ti, a tua ausência. Já viste, se é que te importas, que te falo sempre da tua ausência em mim. Que semente deixaste em mim? Que espécie de doença progressiva e duradoura é esta? Que queres que faça mais? Um anuncio na Tv? Nos jornais? Via satélite pela Eurovisão a dizer que me fazes falta, porra! Mas todos os dias são bons para dizer que te amo. Todos! Tens a dimensão do que te confesso em ti?
Sei que tudo isto é uma mistura já, um misto de ficção e realidade. Eu não existo, tu não existes, sobrevivemos os dois.
Ficam para a eternidade os teus lábios nos meus, a tremura do teu corpo colado ao meu, o teu abraço, as noites pela beira mar sob as estrelas, as promessas mútuas sempre que uma estrela cadente fendia o céu com um risco de luz.
Ensinei-te a ler nas estrelas lembras? A encontrar o norte na estrela Polar. A vires comigo mar adentro navegando. A sentires o alvor da manhã, a brisa fresca de levante. A saberes noite dentro pelas luzes que brilhavam em relâmpagos precisos, os faróis em terra. A traçares os rumos na carta. Fiz de ti uma marinheira, e tu foste então, não sei se de barco se de outra forma qualquer. Largaste as amarras que te prendiam a mim, voaste como uma andorinha-do-mar. Não estás faz demasiado tempo. E o tempo, o meu tempo torna-se escasso para te dizer tudo o que sinto, porque me sinto sem forças para o confessar ainda meu amor. Perdoa dizer-te desta forma: - Meu Amor. Serás sempre na eternidade o meu amor. Eu é que já não sou o teu, consequência do progresso ou dos dias aziagos.
Cheguei agora de mais uma extenuante viagem, centenas de quilómetros onde me saciei de ti, da tua memória, os meus monólogos a ti, (já não navego sabes, aos poucos despeço-me do mar com saudade...). E porque as palavras me vão com uma impressionante rapidez da memória, vim a correr escrever-te para que lembres se um dia leres, (se não leres já não faz mal, já me habituei ao teu silêncio ensurdecedor), mas se um dia leres estas palavras, vais recordar e quem sabe, sentir um enternecimento no peito, e então lembrares que este que te escreve ainda, continua a dedicar-te as memórias e a chamar-te de amor que é isso que és ainda, o meu amor eterno, a minha eterna namorada de todos os dias, mesmo aqueles em que me sinto mais desfalecido, mais doente, mais velho, mais a abandonar o barco num imenso naufrágio. Então tu apareces vinda do nada e estás dentro de mim, na minha memoria, sinto o teu perfume inconfundível, o sabor dos teus lábios, sei a cor do teu batom, o teu sorrir, o sorriso que me ofereces, o sol do teu olhar. Fico reconfortado, renasço, ganho as forças que me dás e vou de novo para a luta que travo diária. Não ganho a guerra, mas vou ganhando pequenas batalhas que me mantêm vivo. E vivo porque te amo essa é uma certeza. Se existes já não sei, porque tudo se vai tornando cada vez mais distante, confuso, distorcido. Confesso já não consigo lembrar teu rosto assim nítido a sorrir para mim. Tenho de fechar os olhos e abstrair-me deste mundo apressado para te rever na quietude amena dos dias claros. Confio no coração para que ele me alerte e diga se um dia te encontrar pelo Porto na Cantareia, por Vila Real ao sul junto ao Guadiana na foz, ou numa rua qualquer em qualquer lado, o importante é que apareças e que eu esteja lá para te ver. O importante é isso mesmo. O importante és tu. Eu sou uma mera memória presa a ti.
Hoje era isto que tinha para te dizer, são as palavras que me ficaram a bailar no pensamento das tantas que te dediquei hoje nas centenas de quilómetros percorridos, nas horas ao volante como uma violência de esforço. A minha memória atraiçoa-me. A vista foge-me já. Sabes uso óculos para ler, acho que nunca te tinha dito isto, é a ternura da idade diz o médico e eu acredito. Fico com o corpo velho aos poucos…
Agora vou, e vou reconfortado porque te escrevi de novo estas poucas e frias palavras porque não transmitem o que sinto, porque o que sinto não se explica por palavras, sente-se no peito. Revela-se no olhar. Escuta-se na alma. A minha está em ti, e a tua?
Abraço-te do modo que gostavas e imagino-te a sorrir.
Agora vou porque me sinto terrivelmente cansado.

João marinheiro ausente, Agosto/ 2006
Fotografia de Barcoantigo

5 comentários:

Anónimo disse...

Os sentimentos na ponta dos dedos que escrevem...sabes também eu vou sentindo a ternura da idade e os olhos com maior dificuldade de ver ao perto... que importa isso se ainda podemos apalpar?! :)
Que bom é termos a musa que nos inspira os dias e nos rege os sonhos.... mas o mar, desse não te despeças dele, porque ele vive em nós!...
Dou-te a mão naquele lugar mágico

Anónimo disse...

João meu querido João.
Aprender a não sofrer...aprendemos a ser mais frios e distantes...mas a não sofrer?Eu não sei como se faz.

Gosto muito de ti.
escreves da mesma maneira que um especial amigo(já te tinha dito)

...e na realidade,está a fazer-me imensa confusão:)
Parecem a mesma pessoa.

Grande beijo.

Su disse...

amei ler.te

o espaço e o tempo....os desencontros....a dor....a nossa imaginação que não pára de superar o real.....doiiiii muitoooo...

jocas maradas de mar e de tempo

Mikas disse...

Tanta eternidade num só amor...

Sónia disse...

Passar por aqui, ler-te e retirar-me em silêncio é impossivel...A primeira coisa que li foi o dizeres que não sabes qual é o efeito que as tuas palavras criam em quem lê.Pois bem, o efeito é amor.Esse mesmo amor que transbordas em cada frase, em cada palavra, em cada letra...Tocou bem fundo, numa cordinha que a todo o instante tento manter bem atada no meu peito.Ler-te foi sentir-me!

Um beijo suave