terça-feira, junho 17, 2008

do silêncio...


A gare do aeroporto a andar de roda. O café quente. O olhar brilhante. A voz a dizer que o embarque é na porta seis dentro de meia hora. Um estremecimento no corpo. A pressentir. A sentir. A desejar outra vez. A imaginar outra vez. Imaginar sempre. Só podias ser tu. O coração aos tombos. O ar a faltar. O calor a subir. Caminhavas na minha direcção. Eu a fingir que não era eu. Eu a esconder-me de mim. Eu a esconder-me de ti.
Olhámo-nos.
E o silêncio em nós.
O acelerar violento do coração no peito apertado. A voz que não sai. A voz que não sai. A garganta que não obedece. O cérebro que pára. Os punhos cerrados. As pernas a caírem sem forças. As pessoas a correrem de um lado para outro. Beijos. Abraços. Despedidas. Lágrimas. Partidas. Chegadas. Os carros que chegam. Os carros que partem. O sol lá fora e o frio em nós.
E o silêncio em nós.

Queria dizer-te que não é este o silêncio que gosto. Que não é este o silêncio que diz tanto. Que não pode ser.
O coração aos tombos em mim.
Eu a disfarçar para que não escutasses o som. Era o silêncio ainda em nós.
Olhamo-nos. Cada vez mais perto. Caminhavas. A porta de vidro, automática, a abrir e fechar nas tuas costas. A voz a chamar para o embarque. O café esquecido. O tempo a passar lentamente. Tu a caminhares lentamente. Eu a imaginar que caminhavas lentamente. Que o tempo se movia lentamente. Eu a imaginar. Eu a imaginar que não podes ser tu aqui. Os aviões a chegarem e a partirem. Eu a fazer um filme de tudo o que nunca te disse. As palavras por escrever ainda. O desanimo em mim a sobrepor à musica que tenho por dentro

– Love! – love! – love! Questa parola…
Não vais parar. Não me vais falar. Não me reconheceste. O medo que eu tinha que assim fosse. O medo em mim. As palavras inúteis já. Já não consigo escrever-te o amor de outra forma que não esta, que me violenta.
O Silêncio em nós.

Eu a desviar o olhar. Eu a rodar no banco. O olhar que se perde.
A gare do aeroporto ainda a girar à roda de nós. Quase a parar.
– Pára! – Pára! É o silêncio total. Não me ouves. Não paras. As palavras finitas. O coração que falece mais um pouco. A mesa redonda. Os bancos altos. Dois. Um vazio. Um banco vazio e um vazio por dentro. Uma chávena vazia. O pacote de açúcar vazio. A boca amarga. Seca. Vazia. O aeroporto demasiado grande. A cidade enorme. Tenho medo. Silêncio. Estás em silêncio.
Passaste sem dar por mim. Tudo é silêncio em nós e os ouvidos doridos de tanto clamor. É deste silêncio que te falo. O avião que parte. Eu que vou partir. O tempo que passa tão rápido tu tão apressada. Imaginei-te. Só pode ter sido. Uma lágrima que teima.

O telemóvel que toca. A mensagem que chega – Gostei de te ver…


João marinheiro 2008
Fotografia de Barcoantigo 2008

10 comentários:

Maria disse...

Tantos silêncios por aqui, João....

Abraço-te

Unknown disse...

do silêncio...

Que este silêncio seja dissipado..
e que as palavras existam sempre, fluidas do encanto encontrado
em tua própria alma de Poeta!

No abraço e na admiração,
deixo o "som da vida" que em silêncio toca imperceptivelmente na mais harmoniosa perfeição!

Aninhas disse...

E afinal fui eu que chorei dentro do avião. Vá-se lá saber por quê!

Justine disse...

Delírio, vertigem,sonho/pesadelo, pungência, ausência, e partida, sempre!
E tudo na palavra certa e emocionante.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

João!

Gostei...

afinal ...ela não tinha apagado o numero do telemovél...

ele recebeu a sms.

boa imaginaçao sim senhor...

Sónia disse...

Estás a ver? A magia nunca se perde, quem se perde sou eu ao
ler-te, como sempre.

Bj

Iveta disse...

indiscritível e intenso (como o mar)...
li-te e fiquei sem palavras.

beijo

Susana Júlio disse...

Encontros e reencontros através do silêncio e do vazio...texto mais adorável...falando do vazio e tocando no profundo...

Su disse...

adorei ler.t

jocas maradas

APC disse...

Corrida silenciosa para um abismo de silêncio. Brutal!