
Deixo passar o tempo. Não penso. Vegeto nestes dias…
Ouço musica e sonho. Não sou eu nestes momentos. Há um mundo diferente, um outro universo de luz e som. Se abro os olhos estou só, por isso continuo de olhos fechados não importa até quando como ou porquê...Agora até as pequeninas coisas, o mais simples gesto me parecem maravilhas de arte, provas de que existe vida e corações. Parece que quero registar tudo em mim intensamente para depois da despedida poder recordar…
Será o acto final fechar os olhos?
…Hoje acordei deslocado no tempo, de cérebro vazio, ouvi na rádio darem as treze horas…todos os dias se fala do mesmo…
Imagino a última semana do juízo final. 7 dias para o apocalipse. 168 horas únicas. 10080 minutos supremos. Cada um, um pedaço de vida único…Começou a contagem!
…mas essas recordações nada contam.
Não preenchem o vazio que sinto.
A recordação que teima em não sarar…
Algures grita uma criança
Algures uma outra estende a mão magra
Algures uma outra ainda agoniza ao sol…
Ao longe num outro continente decorre uma festa
Ao longe come-se. Bebe-se. Divertem-se os inconscientes.
Ao longe planeia-se mais um fim-de-semana a dois.
Ao longe suas excelências os todos poderosos
Evitam falar nas crianças que estão algures morrendo
Distantes drogam-se os ociosos da vida
E eu?
Embriagado de angustias.
Persistentemente lúcido até á exaustão
Demasiadamente vivo até ao último suspiro
Estremeço com tudo isto.
*Este texto que encontrei esquecido no meio dos poucos livros que não se perderam numa das viagens, foi escrito algum tempo depois de ter entregue a farda. Lentamente refazia-me por dentro dos trinta meses de hospital militar…hoje fica aqui junto das memórias virtuais.
João marinheiro 20/09/84