terça-feira, dezembro 19, 2006

O livro branco, em branco...


...Um destes dias chegou à caixa do correio um pequeno embrulho, dentro trazia um minúsculo livro em branco para pendurar ao pescoço e esta história que acho fantástica. É raro receber algo, nunca fui de receber presentes, que me lembre uma meia dúzia de livros na minha vida, mas compro muitos, gosto de comprar livros e perder-me nos labirintos que eles nos trazem. Confesso que um livro assim em branco nunca tinha recebido nem me lembrei de comprar porventura. É a historia que partilho hoje...

Obrigado.




...A história de um homem a quem poderíamos definir como um pesquisador.
Um pesquisador é alguém que procura, não necessariamente alguém que encontra.
É simplesmente alguém para quem a vida é uma busca contínua.

Um dia o pesquisador teve a forte sensação que devia ir até à cidade de Kamir. Deixou tudo e partiu. Depois de dois dias de marcha pelos caminhos empoeirados, e já perto da povoação, chamou-lhe vivamente a atenção uma colina atapetada de um verde maravilhoso com muitas árvores, flores e pássaros encantadores.

Uma porta de bronze convidava-o a entrar. Sentiu a tentação de descansar por um momento naquele lugar. Passou o portal e começou a caminhar lentamente por entre as pedras brancas que estavam dispostas ao acaso entre as árvores. Os seus olhos eram uns de um pesquisador, e talvez por isso, descobriu aquela inscrição sobre uma das pedras:

“ Abdul Tareg viveu oito anos cinco meses duas semanas e três dias”. Ficou surpreendido ao perceber que aquela perda não era apenas uma pedra, era uma lápide. Olhando à volta, apercebeu-se que a pedra do lado também tinha uma inscrição: “ Yamir Kalib viveu cinco anos, oito meses, três semanas e um dia” O pesquisador sentiu-se terrivelmente comovido. Aquele lugar encantado era um cemitério e cada pedra era uma campa. Começou a ler as lápides uma por uma. Todas tinham inscrições semelhantes: Um nome e o tempo exacto de vida.
Mas o seu maior espanto foi comprovar que aquele que tinha vivido mais tempo mal passava dos doze anos…

Paralisado por uma dor terrível sentou-se a chorar.

O encarregado do cemitério passava por ali e aproximou-se. Observou-o durante algum tempo em silêncio e perguntou-lhe se chorava por algum familiar.

-Não, não é por nenhum familiar…disse o pesquisador _ Que se passa nesta povoação? Porque é que há tantas crianças enterradas neste lugar? Que maldição pesa sobre estas pessoas que as obrigou a construir um cemitério de crianças?...

O ancião sorriu e disse:

- Não existe uma tal maldição. O que acontece é que temos um costume antigo.
Vou contar:

“ Quando um jovem completa quinze anos, os seus pais ofereceram-lhe um livrinho como este que tenho aqui, para que o pendure ao pescoço. É uma tradição entre nós que a partir desse momento, cada vez que alguém desfrute de alguma coisa, abra o livrinho e anote:

À esquerda o que foi desfrutado.
À direita quanto tempo durou o prazer.

Conheceu sua noiva e apaixonou-se por ela. Quanto tempo durou essa paixão?
Três semanas e meia? Uma? Duas? Meio minuto?
E a emoção do primeiro beijo?... E o nascimento do primeiro filho?...
E a viagem mais desejada?... E as bodas dos amigos?...
Quanto tempo durou o prazer dessas situações? Horas? Dias? Semanas?
Assim, vamos anotando no livrinho cada momento que desfrutamos…
Quando alguém morre, é o nosso costume abrir o livrinho e somar o tempo em que sentiu prazer para o escrever sobre a sua campa.
Porque para nós, é esse O ÚNICO E VERDADEIRO TEMPO VIVIDO

Autor desconhecido
Fotografia de Barcoantigo

10 comentários:

Anónimo disse...

olá,
adorei o seu cantinho vou vir aqui mais vezes transmite paz e calma
beijinhos
Conceição Bernardino

Cinza disse...

Que lindo esse livro de memória... afinal ele já estava escrito...

rtp disse...

No meu caderninho têm sido acrescentados muitos minutos graças à leitura dos seus posts. A visita a este blog é balsâmica!

Sophie disse...

Olá João, sabes que embora nem sempre re comente, o teu blog, para mim é uma passagem obrigatória.
Desejo-te um Feliz Natal e que continues sempre a ser essa pessoa magnífica que és.

Um beijinho enorme

algevo disse...

João, João... quantos minutos de prazer partilharemos ainda?

As coisas que me tens mostrado... sabes bem que lindas. Quantas horas terás tu já acrescido ao meu livrinho? Muitas, sem dúvida.

Beijo daqui de onde o rio se junta com o oceano.

I.

Anónimo disse...

Já conhecia, mas gostei de a ler aqui. Uma lição de sabedoria. :)
beijo

Maria disse...

Que estória mais bonita, joão.
Provavelmente o ancião tem razão. Nunca tinha pensado a vida desta maneira. Mas faz todo o sentido...

Pena é que eu já não vá a tempo de contar o único e verdadeiro tempo que vivi...

Fica bem. Um abraço

Bruna Pereira Ferreira disse...

Que bonita estória para este Natal...
Muito linda.

:)

Anónimo disse...

Valha-me... adorei adorei.. aiii queria esta história num comentário no meu blog :( sinto que é o que vou fazer daqui para a frente.. escrever no meu livro branco.

Obrigada por partilhares. beijos joão.

Anónimo disse...

Um Feliz Natal João Marinheiro!