Sabes Merlin, desconheço por completo o tal poeta que é marinheiro.
O homem é outro...
E esta é uma primeira vez…
...O marinheiro enreda-se nas malhas de uma rede que suspensa continua a matar abandonada em qualquer fundo oceânico. E o homem sabe do que fala por experiência própria e dolorosa, quase um peixe emalhado e sem ar...
Nostalgia quem não tem. O primeiro que disser que não, mente com quantos dentes tem na boca, ou não tem coração, inclino-me para a primeira hipótese...
Sabes Merlin, tens, adoptas, nome de mágico, não gosto de coisas mágicas porque me ultrapassam, e serem então um nada.
Se conhecesses o poeta que habita por aqui não consideravas doentes os seus amores, porque são vários, de varias cores e formas e aromas, e no princípio são todos brancos. O branco é puro, portanto não existe a doença, a doença existe em nós enquanto seres em mutação e impuros, egoístas qb.
O poeta é puro. Eu que te escrevo que sou o homem que deixa o poeta aqui verter as emoções, já há muito tempo me dei conta da sua pureza. E sou impuro. Não o questiono. Ás vezes troco-lhe as voltas. Tiro-lhe a palavra, arrumo-o a um canto como uma coisa inútil, fora de moda.
Pergunto-te a ti Merlin que assumes o nome do mágico prodigioso, será inútil o amor? Será?
Não concordo que o amor dure enquanto dura. Amor não é isso. Não devemos usar a palavra amor a esmo, voltamos a outra palavra que também usamos a esmo e que não é isso, e o isso, é redondo. Usamos a palavra deus como quem fuma um cigarro ou cospe para o chão, e deus como eu o concebo também não é isso, amor também não é isso. (Por isso como diz a APC temos no nosso vocabulário a palavra saudade que não se diz em inglês por não saberem o que é saudade, e saudade também é amor, um amor estagiado, como um vinho antigo envelhecido em cascos de carvalho num lugar fresco e húmido para que o sol não o perturbe…)
Amor não é isso. Não pode ser restrito a quatro simples letras que vistas de um lado e de outro, de cima para baixo e de baixo para cima nada nos dizem. Amor não é isso!
Se eu que sou homem, soubesse o que é o amor era um felizardo, rico, luminoso…
E já vou por aqui a divagar. E não devo…
…As amarras do marinheiro já há muito se partiram de encontro ao cais. Naufragou o velho navio. Nada existe já que não a memória e os locais de atraque. Poucos, que a paisagem muda. O betão dá lugar ás pedras centenárias. O aço ocupa o lugar da madeira na couraça que nos envolve como um casco trincado. A ossada já não existe por dentro. Como vamos ter coração dócil assim duros por fora?
Quem somos?
Para onde vamos?
Também eu me interrogo. Questiono o poeta. Desespero porque não me dá respostas concretas. E gosto das coisas concretas. Mensuráveis aqui hoje ou amanhã ai.
Hoje apeteceu-me responder-te a ti Merlin, e a todas as outras PESSOAS, assim maiúsculas, grandes, porque ainda acredito nas pessoas, e existe sempre uma primeira vez para tudo na vida, pode é o momento não ser o certo. É o risco que se corre pelo facto de estarmos vivos, sermos seres pensantes, termos um coração que bate e outras coisas mais. É o risco que corro ao ocupar o lugar que não é meu, mas do poeta que habita aqui, merecedor ou não, das palavras, dos elogios ou das acusações. Porque as palavras são isso só, símbolos que o homem perpetua e que ficam juntas com o poeta ou proscritas. Amadas, veneradas, recordadas ou, apreendidas, queimadas, amordaçadas. Alguém disse: - Mandai calar os poetas! E eu digo que no dia que isso acontecer, no dia em que o último poeta se calar, exala-se o último suspiro da vida e tudo acaba, e então, o tal amor que o poeta aqui fala e que motivam as minhas palavras neste momento, o tal amor branco deixa de existir, e o negro das trevas envolve-nos como uma veste, espécie de Burca, e o século que é XXI regride para a idade das trevas, espécie de idade media onde o amor se conquistava pelo vigor da lâmina da espada empunhada, e em nome de um Cristo que não o é, se faziam as matanças, se queimavam nas fogueiras inquisidoras as vozes e as palavras dos poetas e por ai adiante…
Depois não querem que aconteçam os cataclismos, os fogos divinos, os tsunamis…
O poder da palavra…
O poder da Musica…
Hoje está de novo por ai o novo álbum dos Beatles, Love de seu nome, um hino ao amor, ao amor que dura… Um dia conto como recordo a primeira musica que escutei deles num rádio a pilhas em cima de um carrinho dos gelados quatro décadas atrás. Mas presente como se fosse hoje. Não será também isto um amor? Não? Para mim é um amor com cores, sons, aromas…
…Deixo que o poeta por aqui navegue mesmo ausente, os poetas são assim, incompreendidos, mal amados, odiados. Ás vezes escrevem aquilo que queremos ler, aquilo que precisamos ler. Uma palavra de carinho, um incentivo, um abraço, então nessas vezes em que se lêem são uma espécie de anjos por quem as mulheres principalmente, se apaixonam, porque na verdade Merlin, o que existe mesmo é um enorme défice de amor entre os humanos…
Abraços aos viajantes com memórias mesmo virtuais…
PS:
Palavras recomendadas para estes dias:
“O amor é fodido”, de Miguel Esteves Cardoso
Musica:
“Escritor de canções” do Sérgio Godinho
João